Opinião

Legislação brasileira reconhece a legalidade contratual por meio da biometria

Autor

  • Douglas Belanda

    é advogado corporativo e especialista em Contratos e Operações Bancárias (FGV-SP) Processo Civil (Fadisp) Direito Aeronáutico (UFABC) e Acordos para Representantes de Empresas pela (UnB).

11 de maio de 2017, 7h24

A biometria, em suma, refere-se ao meio de identificação do ser humano relacionado a atributos físicos, não necessariamente por meio da digital (como muitos imaginam), mas sim, em partes diversas do corpo humano: olhos em sentido geral, palma da mão, material genético e daí por diante. Por óbvio que, o modo mais utilizado de identificação via biometria é a digital, dado que em tese é mais prático e assertiva. De pronto, afirmamos que a biometria não comporta fraude (com raros problemas envolvendo gêmeos e afim), portanto, as empresas em sentido geral estão muito atentas a tal novidade e, ainda, empolgados em aplicar cada vez mais tal tecnologia em cada atividade comercial, facilitando a vida dos consumidores.

Por ser extremamente seguro, note que até o processo eleitoral brasileiro doravante permite tal utilização e identificação, consoante Resolução do Tribunal Superior Eleitoral 23.335, com alguns tribunais regionais eleitorais, disponibilizando tal tecnologia aos eleitores, consoante cadastro prévio.[1]

Os primeiros usos e noções da biometria como meio de identificação pessoal são associados à época da pré-história, mais especificamente na Babilônia. Fato é que, já na China, os antigos artesãos imprimiam suas digitais em vasos como forma de associar suas identidades às obras, no cerne de identificação das mesmas. Na civilização dita como moderna, temos que apenas no ano de 1.903 as impressões digitais começaram a ser coletadas com regras para formar uma base de dados para facilitar a identificação de criminosos, em Nova York.[2] A partir de então, tal sistema começou a ser usado aos poucos em sentido global, principalmente na seara federal (cadastro de cidadãos, identificação de criminosos e afim), dado ser um sistema de difícil operação (até então com pouco investimento).

No que concerne ao Direito Brasileiro, temos que a utilização da biometria nas mais variadas esferas de contratação é abarcada como espécie de contrato eletrônico (possui atendimento aos anseios contratuais, regras previstas em lei, regularidade na contratação, partes capazes, modo possível de efetivação e celebração do negócio jurídico, validade no mundo do Direito e, ainda, atendimento aos preceitos do Código Defesa do Consumidor – CDC e Código Civil), que abordaremos no discorrer do artigo.

Dado que a biometria (contrato eletrônico) possui validade do Direito Brasileiro, importante trazer o teor do Artigo 104 do Código Civil, que diz:

Art. 104. A validade do negócio jurídico requer:
I – Agente capaz;
II – Objeto lícito, possível, determinado ou determinável;
III – Forma descrita ou não defesa em lei.”

Com isso e via uso da biometria (contrato eletrônico), observamos ser totalmente possível e aceitável adquirir produtos ou “serviços” sem a necessidade imediata de um funcionário da empresa propriamente dita (contratada) ou qualquer interface na solicitação, gerando mais privacidade, economia para a empresa contratada e segurança ao pleito.

O principal viés em tal contratação eletrônica (biometria) é que ocorre de modo automático e imediato, trazendo dinamismo e perfeição a tal modalidade de contração, pois as partes envolvidas conseguem rastrear todo o entorno da transação, do início ao fim da cadeia contratual. No momento em que qualquer consumidor imputa a digital no sistema operacional apto para tal contratação (cito, por exemplo, caixas eletrônicos), o mesmo está transacionando e contratando com a empresa e terceiros (se o caso), ocorrendo a plena relação comercial e contratual.

Nas palavras do brilhante professor doutor Ronaldo Andrade[3], reportamos a ótima definição do contrato eletrônico (englobando biometria ao meu ver, sem dúvidas): 

O negócio jurídico celebrado mediante a transferência de informações entre computadores, e cujo instrumento pode ser decalcado em mídia eletrônica. […] entram nessa categoria os contratos celebrados via correio eletrônico, Internet, Intranet, EDI (Eletronic Date Interchange) ou qualquer outro meio eletrônico, desde que permita a representação física do negócio em qualquer mídia eletrônica, como CD, disquete, fita de áudio ou vídeo”.

Para haver um contrato em geral na seara eletrônica — tipificação legal e já abarcando a biometria, algumas nuances devem ser integralmente respeitadas, vejamos infra:

(I). Meio de contratação legítimo, idôneo, com ciência prévia do consumidor ou afim quanto ao teor da relação negocial;

(II). Assinatura Eletrônica Válida, isto é, ao imputar a biometria, a contratação se perfaz na íntegra;

(III). Privacidade, Verificação e Checagem de Dados. Lembro que, para a biometria se concretizar é necessário o cadastro do cliente junto a referida instituição, gerando a segurança jurídica do contrato;

(IV). Identificação concreta das partes, bem como, sujeito capaz de adquirir direitos e obrigações na íntegra, isto é, sem qualquer peculiaridade que ocasione falta parcial ou total quanto legitimidade da contratação;

(V). Objeto lícito e determinado ou determinável, ou seja, que seja algo lícito, de fácil identificação ou substituição, em eventuais casos de problemas ou vícios diversos;

(VI). Forma prescrita ou não defesa em lei, e ainda, que seja obrigatoriamente Banhado por Boa-fé Objetiva.

(VII). Possibilidade de Cancelamento ou Arrependimento, bem como, respectiva validade do Contrato; e

(VIII). Fornecer ao consumidor ou contratante meios eletrônicos para conhecimento integral e imediato de todo o cerne contratual”.

Sendo a biometria um meio de contratação eletrônico, não há dúvidas de que tal estilo de contratação preserva a segurança prevista em nosso ordenamento jurídico, em sentido lato. De acordo com nossa legislação pátria acerca da efetiva modalidade de contratação eletrônica (biometria), elencamos o preceituado no atual artigo 434 do Código Civil Brasileiro, que diz:

Art. 434. Os contratos entre ausentes tornam-se perfeitos desde que a aceitação é expedida, exceto:
I – No caso do artigo antecedente;
II – Se o proponente se houver comprometido a esperar resposta;
III – se ela não chegar no prazo convencionado”.
O contrato se aperfeiçoará com o envio da mensagem eletrônica confirmando a aceitação do que é proposto (ato jurídico perfeito)”.

Já o Artigo 435 do mesmo texto legal (Código Civil), relata que o contrato (via biometria), será considerado como celebrado no lugar em que foi proposto, fato importante para contextualizar tal contratação, se o caso. Portanto, ao efetuar uma transação via biometria, manifestando o “aceite” com as condições dispostas no equipamento utilizado, temos que a relação contratual existirá e terá validade e vigência na sociedade brasileira, isto é, é um ato jurídico perfeito em sentido lato senso. Note que, é importante e necessário que o consumidor tenha meios aptos de conferir referida transação ofertada, seja via extrato de acompanhamento, acesso a sites ou plataformas virtuais e call center.

Factível que os setores de varejo em geral se aperfeiçoarão ainda mais nos próximos anos, chegando ao patamar e em meu ponto de vista de que, as modalidades de contratação se darão tão somente via biometria. Incontroverso é o fato de que a contratação via biometria será o norte dos contratos em geral, e o quanto antes o nosso Judiciário e magistrados se adaptarem, menores problemas e embaraços teremos no Brasil e Judiciário.

É evidente pelo teor do texto legal e normativo que as empresas varejistas e demais instituições podem sim operar por meio eletrônico — biometria, assegurando a simplicidade e segurança da relação comercial, o que é observado totalmente em tal modalidade de contratação, justamente pelo fato da operação necessitar de impute da biometria pelo cliente (que é pessoal e intransferível e, ainda, única e de total responsabilidade do contratante / cliente), gerando comprovante físico ou eletrônico de contratação ou mantido em registro sistêmico da empresa, sendo também facilmente consultado tais informações via canais de atendimento da empresa contratada (“Internet e Call Center”), estando sempre tais documentos à disposição total do cliente, inclusive, para o cancelamento do serviço contratado dentro de 07 (sete) dias, conforme já dispõe o Artigo 49, do Código de Defesa do Consumidor, vide na sequência:

“Art. 49. O consumidor pode desistir do contrato, no prazo de 7 dias a contar de sua assinatura ou do ato de recebimento do produto ou serviço, sempre que a contratação de fornecimento de produtos e serviços ocorrer fora do estabelecimento comercial, especialmente por telefone ou a domicílio.

Se o cliente pode contratar e descontratar via biometria em tempo hábil e tendo ciência dos detalhes efetivos da contratação ocorrida, por qual razão não teríamos segurança na utilização da biometria nos diversos aspectos? Ratificando nosso posicionamento, notem que o próprio Tribunal de Justiça do Distrito Federal também já se pronunciou sobre a legalidade e validade da contratação eletrônica, em julgamento de apelação datado de 11.11.2015 (TJ-DF – Apelação Cível APC 20140111450486), discorrendo:

“A inexistência de contrato escrito é irrelevante para comprovar o vínculo obrigacional, uma vez essa formalidade não ser essencial para a validade da manifestação de vontade relacionada aos contratos eletrônicos, de modo que a existência desse vínculo pode ser demonstrada por outros meios de prova admitidos em direito, no caso dos autos o extrato demonstrativo da operação. Ademais, o contrato foi firmado por meio eletrônico mediante a utilização de senha pessoal de uso exclusivo do correntista, inexistindo assim o contrato escrito”.

A decisão supra abarca uso de senha, entretanto, é notório que a biometria é a senha una e intransferível do cliente, portanto, a decisão elenca sim diversas espécies de contratos eletrônicos, dentro os quais, a contratação através da biometria. Quanto as provas eletrônicas, temos previsão expressa da possibilidade de uso em nosso novo Código de Processo Civil:

Art. 440.  O juiz apreciará o valor probante do documento eletrônico não convertido, assegurado às partes o acesso ao seu teor”.

O cliente ao aceitar as condições ofertadas pelo acesso via canal eletrônico com utilização da biometria, será responsável pela atitude tomada. Necessário é, reiterarmos aos consumidores o entendimento de que o acesso ao crédito, produtos e serviços de modo fácil traz referidos bônus e ônus, devendo ser transacionado com cautela e zelo. Nos casos em que não for possível provar eventualmente a contratação eletrônica via biometria por algum modo, a devida perícia técnica judicial poderá esclarecer o ocorrido nos detalhes, sempre pautado na segurança jurídica do ato (interesse global).


3 ANDRADE, Ronaldo Alves de. Contrato Eletrônico, São Paulo: Editora Manole, 2004.

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    é advogado corporativo em São Paulo. Especialista em Contratos e Operações Bancárias (FGV/SP), Processo Civil (Fadisp), Direito Aeronáutico (UFABC) e Acordos para Representantes de Empresas pela (UnB).

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