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O trabalho do Ministério Público na prevenção ao uso de álcool e drogas

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9 de maio de 2017, 14h33

O consumo de substâncias psicotrópicas por adolescentes é um grave problema de saúde pública no Brasil, a despeito da proibição legal do consumo e da comercialização, que não é coibida satisfatoriamente pelos órgãos do Estado, e traz grande preocupação principalmente nas áreas urbanas. A iniciação precoce de uso de substâncias psicoativas é decorrência da ineficácia de cumprimento da proibição legal e da alta disposição para assumir riscos e adotar comportamentos impulsivos, típicos da adolescência[1]. A alta prevalência de consumo de álcool e outras substâncias na adolescência indica a necessidade de formulação de políticas públicas que inibam a consumação precoce[2]. O uso de álcool e outras substâncias costuma ocorrer em conjunto com outros comportamentos de risco à saúde, como o uso de tabaco e outras substâncias psicotrópicas, além de produzir comportamento de risco sexual. Do ponto de vista escolar, pode ser atribuído ao consumo precoce o baixo rendimento escolar, bem como as faltas, repetência, evasão escolar, problemas de aprendizagem e pouco comprometimento com as atividades escolares[3].

Nesse cenário, evidencia-se a importância da propagação de programas de prevenção que tenham como “meta diminuir ou evitar os problemas causados pelas substâncias antes que eles surjam”, oferecendo possibilidades de mudança efetiva na comunidade ao estimular comportamentos e hábitos saudáveis. A prevenção promove a saúde, e seu alcance é ampliado quando está alinhada a políticas públicas e utiliza estratégias redutoras de danos, uma vez que o público-alvo desse tipo de intervenção não apresenta diagnóstico de síndrome da dependência de substâncias[4].

Sensível a esse panorama, a Constituição Federal (artigo 227, parágrafo 3º, inciso VII) estabelece que a proteção especial à criança e ao adolescente impõe ao poder público a oferta de programas de prevenção voltados ao uso de drogas e afins. Em âmbito estadual, o recente Plano de Prevenção de São Paulo[5] também evidencia a importância do tema e fixa como um de seus objetivos a estimulação ao desenvolvimento de programas permanentes de prevenção.

Esse conjunto normativo é extremamente importante para que possamos pensar a atuação do Ministério Público como guardião dos interesses sociais e indisponíveis e como um dos responsáveis para assegurar a proteção integral e a prioridade absoluta dos direitos da criança e do adolescente.

Na área da prevenção, estão em andamento, desde 2013, pelo Ministério da Saúde, três programas baseados em evidências de reconhecimento internacional que foram adaptados para a realidade brasileira e estão espalhados em diversos municípios, ainda sob a forma de projetos pilotos. São eles: o Elos (público-alvo: crianças de 6 a 10 anos, inspirado no Good Behavior Game), o #Tamojunto (público-alvo: adolescentes de 13 e 14 anos, inspirado no Unplugged) e o Famílias Fortes (público-alvo: famílias com filhos de 10 a 14 anos, inspirado no Strengthening Families). Os dois primeiros têm como palco o ambiente escolar, e o último, o ambiente comunitário.

Os três programas estão fortemente alicerçados na promoção de habilidades de vida e fortalecimento de vínculos como fatores de proteção ao uso de drogas.

Quando falamos em fatores de proteção, temos em mente ações que reduzem o risco de início do uso de substâncias psicoativas, fortemente influenciado pela curiosidade, influência do grupo, pressão social, obtenção de prazer, baixa autoestima, baixo rendimento escolar, fragilidade de vínculos familiares, violência doméstica.

É graças ao forte avanço da ciência da prevenção que dispomos de informações sobre programas bem elaborados que contribuem para a redução das chances de início de consumo de drogas ou para retardar o início. Do mesmo modo, é consenso na atualidade que modelos de prevenção muito praticados no passado, centrados em palestras destinadas aos jovens, com informação científica sobre as drogas e seus efeitos, bem como programas de treinamento para resistência, tornaram-se ultrapassados e ineficazes, com potencial iatrogênico, isto é, o próprio programa pode estimular o interesse pelo consumo de drogas.

O envolvimento do membro do Ministério Público para a implantação de programas de prevenção em sua comunidade auxilia o fortalecimento das redes de proteção e torna muito mais eficazes as ações no território.

O investimento em prevenção deve fazer parte da agenda dos gestores públicos, e os programas já oferecidos pelo Ministério da Saúde podem contribuir para a implantação nos municípios, pois a União oferece a formação e monitoramento de dados, importantíssimos para o sucesso dos trabalhos de prevenção.

É fundamental, dessa forma, que os promotores de Justiça se apropriem do conhecimento sobre os programas de prevenção referidos e incentivem o diálogo em suas redes para permitir a implantação. Urge que a sociedade brasileira reconheça a importância das ações de prevenção ao uso de álcool e outras drogas e conclua que esse é um investimento de longo prazo que precisa avançar para fazer frente ao grave problema de saúde pública instalado no país.


[1] Madruga CS, Laranjeira R, Caetano R, Pinsky I, Zaleski M, Ferri CP. Use of licit and illicit substances among adolescents in Brazil–a national survey. Addict Behav. 2012;37(10):1171-5.
[2] Coutinho ESF, França-Santos D, Magliano EdS, Bloch KV, Barufaldi LA, Cunha CdF, et al. ERICA: patterns of alcohol consumption in Brazilian adolescents. Revista de Saúde Pública. 2016;50.
[3] Cardoso LRD, Malbergier A. Problemas escolares e o consumo de álcool e outras drogas entre adolescentes. Psicologia Escolar e Educacional. 2014;18:27-34.
[4] Diehl A. e Figlie NB. O que é prevenção: prevenção ao uso de álcool e drogas, o que cada um de nós pode e deve fazer. Artmed. 2014:24.
[5] Decreto 62.299, de 8 de dezembro de 2016.

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