Opinião

Visão míope e cínica em relação aos crimes nos levará ao caos

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5 de maio de 2017, 13h00

*Artigo originalmente publicado no site JD1 com o título Crime, prisão e caos.

Há mais de 200 anos, desde o período colonial, o Brasil trabalha de forma contraproducente e quase que irracional com a questão da criminalidade e da ressocialização/punição dos que transgridem as normais penais.

Após investigação e processo quanto ao fato criminoso, na maioria das vezes os investigados são condenados, e uma vez nessa condição, dependendo do crime, são lançados para dentro do sistema prisional. 

Muitos dos encarcerados, quase 40% de todos os presos do país, em uma média nacional, estão atrás das grades sem terem sidos definitivamente condenados. 

Tudo dentro de uma aparente normalidade, com a autoridade policial investigando, o Ministério Público diligenciando nas investigações e denunciando, para finalmente o Judiciário, a cada quatro condenações, produzir ao menos um presidiário. Os demais sofrem outros cerceamentos de direitos e de liberdade diferentes da prisão.

Na questão das prisões, parte da sociedade cega, conduzida, não esclarecida e muita das vezes eticamente malformada, vocifera e faz coro com certos milionários apresentadores da televisão brasileira, no sentido de que esses locais são oásis onde todos comem e bebem às custas do povo sem precisar trabalhar. Nada mais.

É lógico, é claro, é evidente que as coisas não são assim. No fundo, todos sabem que a situação é outra. Sabem sim, que nossos presídios com raríssimas exceções, estão superlotados, são depósitos de gente e em nada ajudam na recuperação e ressocialização dos que ali são colocados. 

Mas se a sociedade sabe de tudo isso, por que um grupo considerável de pessoas finge ser diferente e enche as caixas dos facebooks, whatsapp’s, messenger’s e outros, de um festival de ideias tacanhas contra os presos, e a favor desse tipo de prisões? O mesmo grupo que, aliás, normalmente transgride inúmeras regras penais, sonegando impostos, adquirindo produtos piratas, fazendo pequenos contrabandos em nossas fronteiras, dirigindo embriagando, agredindo seus velhos, filhos e esposas. Isso sem contar aqueles que no exercício de suas profissões ou atividades, falsificam, adulteram, suprimem e sonegam informações. Para mencionar parte das infrações penais que cometem.

Entre algumas explicações para esse estranho fenômeno está o “cinismo” que toma conta da sociedade atual e definida por Gottfried Benn citado por Peter Sloterkijk em sua monumental obra Crítica da Razão Cínica. Benn deu ao cinismo a formulação clara e insolente: “Ser estúpido e ter trabalho, eis a felicidade”. Por essa trilha, todo ser humano que tem qualquer coisa a perder tende ajustar privadamente contas com sua consciência infeliz, encobrindo-a por meio de “engajamentos”. O medo de perder “amigos, “prestígio” ou “segurança no trabalho” faz com que o “cínico” permaneça engajado com o grupo, mesmo sacrificando a sua convicção íntima aos condicionalismos. 

Muito mais fácil, aparentemente confortável e socialmente seguro sustentar teses, ainda que humanamente aberrantes, tais como: “bandido bom é bandido morto”, “cortar as mãos de quem furta”, “prender os pais de marginais por não ter dado educação”, “criar presídios em selvas ou abandonar nesses locais os que contrariam as leis”, entre outras bobagens, sem qualquer base científica ou resultado social. 

Outra explicação para essa visão míope e cínica da sociedade em relação ao crime é a sua compreensão limitada sobre o assunto no sentido de que o crime deve ser imputado às características individuais do criminoso, e não do relacionamento com a sociedade em que o mesmo está inserido. No entanto, cientificamente, raras vezes o crime pode ser atribuído exclusivamente a causas individuais. São as questões sociais, culturais e educacionais que mais influenciam para a ocorrência do fenômeno da criminalidade. 

Não se pode descartar também os recentes estudos em torno da chamada “normose”, que muito acrescenta na distorcida visão do crime e do agente criminoso. Caracterizada como a doença de ser normal ou “patologia da normalidade”, definida pelo filósofo francês Jean-Ives Leloup e pelo antropólogo brasileiro Roberto Crema, verifica-se a “normose” na necessidade que a maioria das pessoas tem, a todo custo, de ser como os outros, não ouvindo suas próprias vocações. Resulta na mediocridade, na mesmice, na repetição sem elaboração, nos pensamentos padronizados, que em torno da questão criminal e sistema carcerário faz surgir repetidores dos disfuncionais discursos de apresentadores como Datena, Ratinho, Marcelo Rezende e outros.

A continuar a sociedade por tais trilhos, sem se dar conta de que é preciso urgentemente sair da estagnação e do cinismo, adotando métodos corretos, já aplicados e aprovados em outros países e diversas cidades brasileiras, no caminho da ressocialização de condenados, diminuindo drasticamente a reincidência e prevenindo novos delitos, estará próximo o momento do insuportável e irreversível caos.

A proposta é de que todos, sociedade civil em geral, órgãos governamentais, especialmente da segurança pública e do sistema judiciário como um todo, incluindo tribunais, Ministérios Públicos, Defensorias Públicas, OAB, juntamente com os demais interessados que verdadeiramente consigam enxergar o problema, nos unamos de forma lúcida e inteligente para a implementação de ações capazes de amenizar a questão da criminalidade e do encarceramento em nosso estado. 

Os convites já estão sendo feitos. 

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