Reflexões Trabalhistas

O devido processo legal e as convicções pessoais do juiz

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5 de maio de 2017, 8h10

O ordenamento jurídico estabelece diretrizes a serem seguidas na formação e na apreciação dos processos judiciais, fixando ao juiz as regras a que está vinculado, garantindo aos litigantes o direito de petição, bem como a oportunidade de produzir as provas necessárias ao acolhimento de suas alegações.

Assim, após garantir a oportunidade de produção de provas, o juiz deve julgar o conflito que lhe é submetido, de acordo com a prova dos autos que está obrigado a apreciar, e deverá indicar as razões da formação de seu convencimento, nos estritos termos do artigo 371 do Código de Processo Civil.

Eis aí o cerne da ideia de “livre convencimento do juiz”, que consiste no convencimento nos limites da verdade processual, não significando a expressão livre a possibilidade de ignorar a verdade dos autos e decidir de acordo com convicções pessoais. Não obstante, vale-se o juiz, ao decidir de sua experiência profissional, de sua compreensão da vida social e de sua formação cultural.

A propósito, Nelson Nery Jr. e Rosa Maria Nery (Comentários ao CPC, ed. RT, SP, 16ª ed. p. 1078), comentando o referido artigo 371 do CPC, citam Liebman, que afirma: “Livre convicção não significa, entretanto, decisão arbitrária e puramente subjetiva, como se ao juiz fosse permitido decidir segundo uma incontrolável e irracional intuição da verdade. Quer apenas dizer que deve apreciar as provas lançando mão das suas faculdades ou razão crítica, da sua experiência de vida, como faria qualquer pessoa de mente sã e equilibrada…” (Enrico Tulio Libeman, Comentários a Acórdão, in RT 138 (1942), pp. 163/165).

O legislador constitucional assegura aos litigantes o devido processo legal (CF, 5º, LIV), como princípio que preside o direito constitucional e do qual derivam os demais princípios. E sob o manto do devido processo legal encontram-se a garantia do contraditório e da ampla defesa (CF, 5º, LV), que asseguram a ambos os litigantes contraditar as alegações da parte contrária e fazer a prova que demonstra o acerto de suas alegações, a despeito das convicções pessoais do juiz.

Ainda que se trate aparentemente de mais um processo sobre tema já versado anteriormente, têm os litigantes o direito de demonstrar os fatos relevantes ao deslinde da causa, pois o processo destina-se ao Estado-juiz, e não à pessoa do juiz, além de submeter-se a decisão judicial ao duplo grau de jurisdição.

A propósito, afirmam Antonio Carlos de Araújo Cintra, Ada Pellegrini Grinover e Cândido Rangel Dinamarco: “Investigações sociológicas e sócio-políticas sobre o processo levaram a doutrina a  afirmar  que a  observância do procedimento constitui fator de legitimação do ato imperativo proferido a final pelo juiz (provimento jurisdicional, esp. sentença de mérito). Como o juiz não decide sobre negócios seus, mas para outrem, valendo-se do poder estatal e não da autonomia da vontade (poder de auto-regulação de interesses aplicável aos negócios jurídicos), é compreensível a exigência de legalidade no processo, para que o material preparatório do julgamento final seja recolhido e elaborado segundo regras conhecidas de todos. Essa ideia é uma projeção da garantia constitucional do devido processo legal” (Teoria Geral do Processo, ed. Malheiros, SP, 25ª ed., 2009, p. 305/306).

Como se vê, o processo é destinado ao Estado-juiz, e não a uma determinada pessoa, que circunstancialmente detém a jurisdição, daí porque se assegura aos litigantes a ampla defesa e o contraditório, como decorrência do devido processo legal.

Ao juiz incumbe garantir às partes a oportunidade de produção das provas dirigindo o processo. E, deixando de assegurar essa oportunidade, indeferindo indevidamente determinada prova, caracteriza-se o cerceamento de defesa, que macula o processo, diante da nulidade havida.

A sentença válida é aquela que decorre do procedimento regular, assegurada a produção da prova e sua posterior análise, e da aplicação do direito e das regras legais atinentes.

É sabido que, nos limites do processo, a verdade que dele se extrai pode não ser a que deseja o clamor popular, e mesmo o desejo do juiz, mas sua obrigação é decidir o feito de acordo com a prova produzida e as normas legais aplicáveis, não lhe sendo possível decidir em sentido contrário ao que o processo conduzir.

Isso porque, como vimos, a ação judicial decorre do poder estatal, e não da autonomia da vontade, daí porque a atuação do juiz deve pautar-se pelos princípios processuais, impondo-lhe proferir decisão que melhor arbitre o conflito, sob a ótica jurídica e social, o que, nas palavras de Liebman, “quer apenas dizer que deve apreciar as provas lançando mão das suas faculdades ou razão crítica, da sua experiência de vida, como faria qualquer pessoa de mente sã e equilibrada”.

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