Opinião

Publicidade comparativa sob a ótica da violação marcária

Autor

28 de junho de 2017, 7h05

A publicidade comparativa e a arguição de concorrência desleal sob a ótica da violação marcária

Em recente julgado, a ministra do Superior Tribunal de Justiça Nancy Andrighi decidiu questão envolvendo propaganda comparativa realizada pela empresa Spectrum Brands Brasil Indústria e Comércio de Bens de Consumo, que utilizou a marca Duracell nas embalagens do produto Rayovac e em matérias publicitárias (REsp 1.668.550/RJ – Nº de registro no STJ 2014/0106347-0).

A campanha “Desafio Rayovac” divulgou que as pilhas Rayovac têm a mesma duração da concorrente Duracell.

A ação foi julgada improcedente em primeiro grau. O juiz entendeu que a publicidade foi promovida em conformidade com o que é permitido pelo mercado publicitário. De acordo com a sentença, divulgar pesquisa de que o produto Rayovac tem a mesma duração do produto Duracell não caracteriza concorrência desleal, tratando-se de mera divulgação de informação, sem intuito de denegrir a marca Duracell, mas de informar ao mercado que ambos os produtos têm a mesma duração e preços diversos.

Interposto recurso de apelação, o tribunal manteve a sentença sob o entendimento de que a propaganda comparativa não incorreu em concorrência desleal, salientando que a própria empresa recorrente já se valeu deste tipo de publicidade em relação à empresa recorrida.

O recurso especial foi inadmitido pelo tribunal de origem, tendo sido interposto agravo contra a decisão de inadmissibilidade, que foi convertido em Recurso Especial pela ministra Nancy Andrighi.

A ministra Relatora julgou o mérito da ação e houve por bem negar provimento ao recurso especial, acompanhada de forma unânime pelos demais ministros.

A priori, a ilustre relatora destacou que a publicidade comparativa é permitida no âmbito da União Européia (Diretiva 2006/114/CE do Parlamento Europeu e do Conselho da União Européia , de 12 de dezembro de 2006), nos Estados Unidos (Federal Trade Comission Act Section 5) e Mercosul (Resolução MERCOSUL/GMC/RES. 126/96).

Acrescente-se que o Código Brasileiro de Auto-Regulamentação Publicitária prevê a publicidade comparativa em seu artigo 27, ao dispor:

“Artigo 27

O anúncio deve conter uma apresentação verdadeira do produto oferecido, conforme disposto nos artigos seguintes desta Seção, onde estão enumerados alguns aspectos que merecem especial atenção.

§ 1º – Descrições

No anúncio, todas as descrições, alegações e comparações que se relacionem com fatos ou dados objetivos devem ser comprobatórias, cabendo aos Anunciantes e Agências fornecer as comprovações, quando solicitadas.

[…]

§ 3º – Valor, Preço, Condições

O anúncio deverá ser claro quanto a:

valor ou preço total a ser pago pelo produto, evitando comparações irrealistas ou exageradas com outros produtos ou outros preços; alegada a sua redução, o Anunciante deverá poder comprová-la mediante anúncio ou documento que evidencie o preço anterior;”

A seção 7 do Código Brasileiro de Auto-Regulamentação Publicitária é inteiramente dedicada à publicidade comparativa, se não vejamos:

“SEÇÃO 7 – Propaganda Comparativa

Artigo 32

Tendo em vista as modernas tendências mundiais – e atendidas as normas pertinentes do Código da Propriedade Industrial (Lei nº 5.772, de 21 de dezembro de 1971) – a publicidade comparativa será aceita, contanto que respeite os seguintes princípios e limites:

a. seu objetivo maior seja o esclarecimento, se não mesmo a defesa do consumidor;

b. tenha por princípio básico a objetividade na comparação, posto que dados subjetivos, de fundo psicológico ou emocional não constituem uma base válida de comparação perante o Consumidor;

c. a comparação alegada ou realizada seja passível de comprovação;

d. em se tratando de bens de consumo a comparação seja feita com modelos fabricados no mesmo ano, sendo condenável o confronto entre produtos de épocas diferentes, a menos que se trate de referência para demonstrar evolução, o que, nesse caso, deve ser caracterizado;

e. não se estabeleça confusão entre produtos e marcas concorrentes;

f. não se caracterize concorrência desleal, denegrimento à imagem do produto ou à marca de outra empresa;

g. não se utilize injustificadamente a imagem corporativa ou o prestígio de terceiros;

h. quando se fizer uma comparação entre produtos cujo preço não é de igual nível, tal circunstância deve ser claramente indicada pelo anúncio.”

Observa-se do quanto previsto na alínea “h” do artigo 32, que a informação relativa aos preços é uma obrigação quando os produtos comparados não possuírem preços equivalentes.

O Código Brasileiro de Auto-Regulamentação Publicitária também faz referência ao antigo Código da Propriedade Industrial (Lei 5.772, de 21 de dezembro de 1971). A propaganda comparativa é permitida dentro dos limites e princípios estabelecidos no artigo 32. A propaganda não pode estabelecer confusão entre produtos e marcas concorrentes, nem tampouco denegrir a imagem do produto ou marca de terceiro.

Segundo o entendimento da ministra Nancy Andrighi, para se aferir a licitude da publicidade comparativa é necessário sopesar as normas que asseguram a proteção à marca e aquelas que garantem a concorrência livre, a liberdade de expressão e o acesso à informação, uma vez que o direito de uso exclusivo da marca não é um direito absoluto e irrestrito, confira-se:

“Há, portanto, uma evidente tensão entre as normas que asseguram proteção à marca e aquelas que garantem a livre concorrência, a liberdade de expressão e o acesso à informação, de modo que, para fins de se avaliar a licitude da publicidade comparativa, os direitos assegurados pela LPI devem ser sopesados à luz dos princípios e objetivos traçados pela Constituição, incumbindo ao intérprete do Direito o exame das circunstâncias específicas da hipótese concreta a fim de alcançar conclusão acerca da licitude ou não do anúncio publicitário.

O que se pode inferir, diante disso, é que, consoante anotado por MULLER, o direito de uso exclusivo de uma marca, bem como o direito do respectivo titular de exigir que terceiros se abstenham de utilizá-la, não podem ser considerados direitos absolutos e irrestritos, pois estão condicionados às exceções do art. 132 da LPI e ao equilíbrio entre os valores constitucionais retro mencionados (MULLER, Larissa Korff. Publicidade comparativa e o embate entre a exclusividade da marca e o interesse do consumidor à informação à luz das decisões do CONAR nos últimos dez anos. Revista da ABPI, n. 140, 2016, p. 24).

É possível, portanto, afirmar com segurança que, em relação aos direitos de propriedade industrial, a existência de menção específica à marca registrada por terceiro em anúncio publicitário não pode, isolada das circunstâncias da hipótese concreta, ser considerada ilícita.”.

Concluiu-se que a solução do caso impõe avaliar o equilíbrio entre os interesses do recorrente, titular da marca Duracell, e os interesses do público consumidor em ter acesso à informação divulgada pela recorrida no Desafio Rayovac.

A ministra ressaltou que a análise da pretensão das recorrentes em todos os seus aspectos demandaria o revolvimento das provas dos autos, o que é vedado pela Súmula 7 do STJ. Assim, o STJ se limitou em avaliar se “as premissas legais e teóricas anteriormente fixadas estão em consonância com as conclusões alcançadas pelo Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. Vale dizer, impõe-se verificar se o acórdão recorrido valorou adequadamente as provas produzidas no curso da ação”.

Restou decidido que a publicidade comparativa não foi veiculada com o intuito de “denegrir ou atribuir caráter pejorativo à marca das [recorrentes], nem confundir o consumidor, havendo apenas informação sobre situação fática que a anunciante reputa relevante em seu favor” e que é “clara, objetiva e [teve] o condão de beneficiar o consumidor, que poderá adquirir produto assemelhado e com o mesmo fim por preço inferior”.

Autores

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!