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CPC/2015 revogou encargo de 20% na execução de tributos federais

Autor

  • Igor Mauler Santiago

    é sócio-fundador do escritório Mauler Advogados mestre e doutor em Direito Tributário pela Universidade Federal de Minas Gerais membro da Comissão de Direito Tributário do Conselho Federal da OAB e presidente do Instituto Brasileiro de Direito e Processo Tributário (IDPT).

28 de junho de 2017, 8h00

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O artigo 1º do Decreto-lei 1.025/69 pôs fim à participação de servidores no produto da dívida ativa da União e determinou que “a taxa, no total de 20%, paga pelo executado”, passaria “a ser recolhida aos cofres públicos, como renda da União”. Quarenta anos depois, o denominado encargo legal foi estendido aos créditos das autarquias e fundações federais inscritos em dívida ativa (Lei 10.522/2002, artigo 37-A, parágrafo 1º, inserido pela Lei 11.941/2009[1]).

Em atenção à parte final do dispositivo de 1969, o STF qualificava a verba como receita da União (1ª Turma, RE 80.305/SP, relator ministro Djaci Falcão, DJ 21/3/1975). Depois que o Decreto-lei 1.645/78 (artigo 3º) a equiparou a honorários de sucumbência, esse passou a ser o tratamento adotado pela corte (1ª Turma, RE 95.146/RS, relator ministro Sydney Sanches, DJ 3/5/1985).

A partir de então, tornou-se descabida, em nosso sentir, a sua exigência em relação a débitos não ajuizados, invalidade em nada mitigada pela redução de 50% concedida pelo Decreto-lei 1.569/77 (artigo 3º). De fato, embora seja certo que os procuradores atuam antes da execução, exercendo o controle de legalidade prévio à inscrição em dívida ativa, não há espaço para a imposição de honorários de sucumbência — e essa é a natureza que a verba passou a ter desde 1978 — fora do âmbito judicial.

Fechada a importante digressão, temos que o fato de os procuradores não participarem do encargo não prejudicava em nada a sua qualificação como honorários. Situação análoga ocorria em relação aos advogados empregados de empresas ou escritórios, que também não tinham acesso à sucumbência, sem que esta por isso se desnaturasse. Foi só em 1994, com o atual Estatuto da OAB, que esses profissionais adquiriram tal direito (artigo 21), mesmo assim qualificado como renunciável (STF, Pleno, ADI 1.194/DF, relatora para o acórdão, ministra Cármen Lúcia, DJe 11/9/2009).

Oportuno notar que o artigo 21 do estatuto foi logo declarado inaplicável à advocacia pública: Medida Provisória 1.522/96 (artigo 3º), convertida na Lei 9.527/97 (artigo 4º)[2]. Para essa categoria, o direito somente se firmou com o CPC/2015, segundo o qual “os advogados públicos perceberão honorários de sucumbência, nos termos da lei” (artigo 85, parágrafo 19).

A regulamentação exigida pela parte final do comando deu-se — para as carreiras federais — pela Lei 13.327/2016, cujo artigo 30 prevê a distribuição de 100% dos honorários recebidos nas ações em que forem parte a União, suas autarquias e fundações; de até 75% do encargo do Decreto-lei 1.025/69; e da totalidade do encargo legal relativo aos débitos das autarquias e fundações federais.

Como se vê, a lei de 2016 refere-se tanto aos honorários do CPC quanto ao encargo legal, revelando a compreensão do legislador de que ambos coexistem, embora não se sobreponham. Observe-se, quanto a este último ponto, que a Súmula 168 do extinto Tribunal Federal de Recursos, ainda prestigiada pelo STJ, dispõe que o acréscimo do Decreto-lei 1.025/69 “é sempre devido nas execuções fiscais da União e substitui, nos embargos, a condenação do devedor em honorários advocatícios”.

Seja como for, temos por insustentável a afirmação de que a verba segue em vigor. Voltando à resenha histórica, lembramos que, no RE 84.994/SP (Pleno, relator ministro Xavier de Albuquerque, DJ 16/6/1978), o STF julgou inconstitucional encargo criado por lei paulista, afirmando que esta invadira a competência da lei complementar de normas gerais, a quem caberia dispor com exclusividade sobre os efeitos financeiros da inscrição em dívida ativa de um débito tributário.

O raciocínio, levado às últimas consequências, determinaria a inconstitucionalidade formal originária do próprio encargo federal, que foi instituído por decreto-lei editado quatro dias após a publicação da Emenda Constitucional 1/69 (que passou a exigir lei complementar para a veiculação de normas gerais de Direito Tributário; artigo 18, parágrafo 1º) e destinado a entrar em vigor na mesma data em que ela: 30 de outubro de 1969.

Mas há um detalhe: ao contrário dos estados, a União tinha e continua a deter competência para legislar sobre Processo Civil (EC 1/69, artigo 8º, inciso XVII, alínea b; CF/88, artigo 22, inciso I), campo a que pertencem os honorários de sucumbência.

Embora seja exótica a disciplina apartada dos honorários devidos nas execuções fiscais federais — ficando as estaduais e municipais sujeitas à regra geral do CPC (em todos os casos sem participação dos procuradores até muito recentemente, o que é coisa diversa) —, pensamos que isso não é causa de inconstitucionalidade, sobretudo à vista da consagração jurisprudencial que o encargo legal angariou ao longo de décadas.

A questão resolve-se, a nosso ver, no plano dos conflitos de leis no tempo. De fato, parece inescapável a conclusão de que o artigo 1º do Decreto-lei 1.025/69 foi tacitamente revogado pelo CPC/2015, o que aponta para o equívoco do legislador de aludir ao encargo legal — àquela altura não mais existente — no artigo 30 da Lei 13.327/2016.

A conclusão justifica-se a duplo título, seja por estarmos diante de um código, que por definição regula exaustivamente a matéria processual (Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, artigo 2º, parágrafo 1º, in fine[3]), seja porque o artigo 85, parágrafo 3º, do CPC/2015 trata especificamente das ações em que as Fazendas Públicas são parte (conflito de lei especial anterior com lei especial posterior, ambas de idêntica hierarquia, com prevalência desta última).

A substituição do encargo pelos honorários do CPC/2015 revela-se quase sempre benéfica para o contribuinte, mesmo considerando-se que aquele contemplava conjuntamente a execução e os embargos (Súmula 168 do TFR), e que os honorários incidem em separado em cada uma destas ações, cumulando-se (artigo 85, parágrafos 1º e 13)[4]. Deveras, segundo o artigo 85, parágrafo 3º, do CPC/2015, os honorários nas ações em que a Fazenda Pública for parte serão fixados:

  • entre 10% e 20% do valor da condenação ou do proveito econômico obtido até 200 salários mínimos;
  • entre 8% e 10% do que superar 200 salários mínimos e não exceder de 2 mil salários mínimos;
  • entre 5% e 8% do que superar 2 mil salários mínimos e não exceder de 20 mil salários mínimos;
  • entre 3% e 5% do que superar 20 mil salários mínimos e não exceder de 100 mil salários mínimos;
  • entre 1% e 3% do que superar 100 mil salários mínimos.

Como se nota, apenas na primeira faixa a soma dos honorários devidos na execução e nos embargos pode ultrapassar o valor do antigo encargo — o que não ocorrerá se em ambos se adotar o porcentual mínimo de 10%. Em todos os demais níveis, a soma dos honorários não ultrapassará o encargo de 20%, e isso mesmo que aqueles sejam fixados no máximo. O efeito benéfico da substituição avulta à medida em que se eleva o valor executado. Para um débito de 200 mil salários mínimos, por exemplo (R$ 187,4 milhões), ter-se-ão honorários — considerando-se o máximo em cada faixa — de 17.320 salários mínimos (R$ 16.228.840), contra um encargo de 40 mil salários mínimos (R$ 37.840.000)[5].

Em conclusão, embora fosse válido (exceto quanto à cobrança sem execução fiscal), o artigo 1º do Decreto-lei 1.025/69 foi tacitamente revogado pelo CPC/2015, conclusão que se estende ao encargo incidente sobre os créditos das autarquias e fundações federais inscritos em dívida ativa.


[1] “Art. 37-A. Os créditos das autarquias e fundações públicas federais, de qualquer natureza, não pagos nos prazos previstos na legislação, serão acrescidos de juros e multa de mora, calculados nos termos e na forma da legislação aplicável aos tributos federais.
§ 1º. Os créditos inscritos em Dívida Ativa serão acrescidos de encargo legal, substitutivo da condenação do devedor em honorários advocatícios, calculado nos termos e na forma da legislação aplicável à Dívida Ativa da União.
§ 2º. O disposto neste artigo não se aplica aos créditos do Banco Central do Brasil.”
[2] “Art. 4º. As disposições constantes do Capítulo V, Título I, da Lei nº 8.906, de 4 de julho de 1994, não se aplicam à Administração Pública direta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, bem como às autarquias, às fundações instituídas pelo Poder Público, às empresas públicas e às sociedades de economia mista.”
[3] “Art. 2º § 1º. A lei posterior revoga a anterior quando expressamente o declare, quando seja com ela incompatível ou quando regule inteiramente a matéria de que tratava a lei anterior.”
[4] “Art. 85. A sentença condenará o vencido a pagar honorários ao advogado do vencedor.
§ 1º. São devidos honorários advocatícios na reconvenção, no cumprimento de sentença, provisório ou definitivo, na execução, resistida ou não, e nos recursos interpostos, cumulativamente.
(…)
§ 13. As verbas de sucumbência arbitradas em embargos à execução rejeitados ou julgados improcedentes e em fase de cumprimento de sentença serão acrescidas no valor do débito principal, para todos os efeitos legais.”
[5] O cálculo dos honorários observa o escalonamento previsto no § 5º do art. 85 e a aplicação em separado quanto à execução e aos embargos.

Autores

  • é sócio do Sacha Calmon – Misabel Derzi Consultores e Advogados, mestre e doutor em Direito Tributário pela UFMG e membro da Comissão de Direito Tributário do Conselho Federal da OAB.

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