Opinião

Semelhanças entre o Brasil e a Sucupira são cada vez mais gritantes

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27 de junho de 2017, 6h26

A cada dia o Brasil mais se identifica com a Sucupira de Odorico Paraguaçu, do imortal folhetim de Dias Gomes, em que o nosso famigerado patrimonialismo era retratado em nível regional com absoluta licença poética, aglutinando em um microcosmo sertanejo quase todos os vícios e as más práticas da nossa política. O genial dramaturgo conferia impagável tom folclórico à promíscua relação público-privada brasileira, abraçando o cômico e resvalando o surreal.

Não é novidade comparar o Brasil atual com a folhetinesca Sucupira, mas é relevante constatar que as semelhanças são cada vez mais gritantes.

“Viva Odorico!”, bajulava aos berros Nezinho do Jegue à praça da matriz, para em ocasião posterior bradar: “Morra Odorico, ladrão de cavalo!”. Tal qual o hilário personagem, muitos brasileiros hoje veem-se obrigados a renegar políticos que há pouco tempo apoiaram efusivamente, surpreendidos por revelações de condutas, digamos, nada éticas. Antes reconhecer o erro a repeti-lo, mas o fulcro da questão é outro.

O Brasil atual vive sob a prevalência de um maniqueísmo primitivo. O que se afirma cegamente na segunda-feira desmente-se na terça por força dos fatos. Governantes, assessores (sempre eles), parlamentares e empresários estão em listas de corrupção delatada em troca de prêmio, portanto são corruptos. A lógica míope informa-nos também que nomes ausentes das listas, claro, são de pessoas honestas – é neste ponto que pretendemos nos ater: por desinformada dedução popular, os advogados dos primeiros seriam igualmente corruptos.

Lamentavelmente, tal confusão é feita ainda por parte da sociedade, da imprensa e mesmo dos poderes constituídos (longe de nós sugerirmos que ao idolatrarem ontem e abjurarem hoje, comportam-se como Nezinho do Jegue, registre-se).

Desnecessário explicar aos leitores deste veículo a essência da advocacia e as razões de o direito de defesa estender-se a todos. Oportuno neste espaço é provocar a reflexão sobre os motivos que levam advogados a serem maltratados até no seu ambiente de trabalho.

No último dia 5 de junho, a OAB-SP realizou ato de desagravo aos advogados Flávio César Damasco e Euro Bento Maciel Filho. Damasco, em novembro de 2016, foi agredido sem motivo justificável por seguranças do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região. Ele chegou a ser algemado e levado dentro de uma viatura descaracterizada para uma delegacia.

Já Euro Filho foi constrangido por seguranças em prédio da Justiça Federal criminal na frente de seus clientes, em 2015. Um ano depois, foi informado de abertura de inquérito policial contra si por desacato. São dois exemplos entre milhares que deixam de vir à tona por acomodação ou medo.

Seriam os advogados agentes de transformação social, protagonistas no combate às iniquidades e injustiças e legítimos defensores do estado democrático de direito – e é preciso, desde logo, sem demora, afirmar tais qualidades –, ou simples portadores de surpreendente e latente periculosidade estabelecida a priori por quem sequer consegue compreender a própria função?

Não raro, a OAB e suas seccionais são acusadas, por ignorância ou má-fé, de, ao defenderem as prerrogativas profissionais da advocacia, condoerem-se de corruptos. Nada mais inverídico. É histórica, inquestionável e incisiva a luta dessas instituições contra a corrupção.

No caso da seccional São Paulo da OAB, a entidade jamais deixou de se posicionar enfaticamente contra essa endemia nacional, e o faz buscando atingir suas raízes quando propõe uma profunda reforma política. O faz também de modo contundente quando lança a campanha “Corrupção, Não!”.

A mente maniqueísta de alguns não alcança a noção do quanto a violação do Estado de Direito é uma forma de corrupção. Muito menos percebe que desrespeitar as prerrogativas da advocacia é violar o Estado de Direito.

O raciocínio de quem aponta o dedo moralista para um advogado no exercício da profissão é curto, curtíssimo, pois nascido quase sempre de um prejulgamento. Essa incapacidade de ponderar hoje para não ter de se retratar amanhã está deixando muita gente no mesmo patamar do sucupirano Nezinho do Jegue.

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