Paradoxo da Corte

Legitimidade passiva do
advogado na ação rescisória

Autor

  • José Rogério Cruz e Tucci

    é sócio do Tucci Advogados Associados ex-presidente da Aasp professor titular sênior da Faculdade de Direito da USP membro da Academia Brasileira de Letras Jurídicas e do Instituto Brasileiro de Direito Processual e conselheiro do MDA.

20 de junho de 2017, 8h01

Os honorários advocatícios, por expressa determinação do artigo 23 da Lei 8.906/1994, seja no arbitramento judicial, seja como verba de sucumbência, são exclusivamente do advogado constituído pela parte vencedora.

Não havendo qualquer avença em sentido contrário, pactuada com o seu respectivo constituinte, o advogado tem direito a levantar os honorários diretamente em seu nome ou, ainda, a teor do disposto no artigo 85, parágrafo 15, do Código de Processo Civil, em favor da sociedade de advogados por ele integrada, na condição de sócio.

Como beneficiário direto, é evidente que o advogado tem interesse não apenas econômico, mas igualmente jurídico de que seja mantida a higidez da decisão que impôs condenação em sucumbência ao litigante vencido.

Exatamente por esta razão é que se justifica plenamente recente acórdão unânime da 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, proferido no Recurso Especial 1.651.057-CE, da relatoria do ministro Moura Ribeiro, que, ao prover a impugnação, para a reinclusão dos advogados no polo passivo de ação rescisória, deixou assentado, na respectiva ementa:

“1. A legitimidade passiva, na ação rescisória, se estabelece em função do pedido deduzido em juízo. Assim, conforme informado pela teoria da asserção, devem figurar no polo passivo da demanda todos aqueles (e somente aqueles) que foram concretamente beneficiados pela sentença rescindenda. 2. A ação rescisória, quando busca desconstituir sentença condenatória que fixou honorários advocatícios sucumbenciais deve ser proposta não apenas contra o titular do crédito principal formado em juízo, mas também contra o advogado em favor de quem foi fixada a verba honorária de sucumbência, porque detém, com exclusividade, a sua titularidade”.

Lê-se outrossim no respectivo voto condutor que:

“… O Tribunal de origem entendeu que eles não deveriam figurar no polo passivo da demanda rescisória, porque esta não discutia, primordialmente, as verbas sucumbenciais.

O nosso diploma processual civil não traz nenhuma norma positiva expressa acerca da legitimidade passiva para a ação rescisória. Tanto o artigo 487 do CPC/73, como o artigo 967 do NCPC, tratam apenas e tão somente da legitimidade ativa.

À mingua de uma disciplina normativa específica, devem incidir as regras normais para o estabelecimento da legitimatio ad causam passiva, extraídas da teoria geral do processo.

A ação rescisória, vale recordar, não é um recurso, mas meio autônomo de impugnação de decisões judiciais. Assim, a definição dos legitimados passivos deve se dar na ação rescisória da mesma maneira como ocorre nas demandas em geral. Para saber quem deve figurar como réu é preciso atentar, portanto, para aquele que terá ou poderá ter seus direitos (concretamente definidos pela sentença rescindenda), afetados pelo julgamento a ser proferido. O principal critério a ser considerado é, portanto, o pedido deduzido no juízo rescisório.

Conforme informado pela teoria da asserção, devem figurar no polo passivo da demanda todos aqueles e somente aqueles que possam ser afetados pelo provimento do pedido. De fato, na hipótese de a sentença rescindenda ter estabelecido situações jurídicas distintas para aqueles que, conjuntamente, figuraram no polo ativo ou passivo da demanda, não faz sentido exigir, caso a ação rescisória busque desconstituir apenas a parte relativa a um desses beneficiários, que o outro figure como litisconsorte passivo necessário. Se essa pessoa não pode ser afetada pelo provimento do pedido deduzido na rescisória, não há como sustentar que seja parte legítima passiva para a causa (…).

Na prática forense, é mais comum que assim ocorra, porque, em princípio, apenas o autor e o réu estarão alcançados pelas disposições contidas na sentença, de modo que só essas pessoas serão afetadas pelo julgamento do pedido rescisório. Essa regra, porém, comporta exceções.

Se a legitimidade passiva é definida, essencialmente, a partir do pedido formulado, não há nenhum obstáculo de ordem técnico-jurídica que impeça a atribuição da legitimidade passiva a quem não tenha sido parte no processo matriz. Desde que essa pessoa tenha obtido, por meio da sentença rescindenda, a certificação de uma situação jurídica que lhe seja favorável, terá ela interesse na manutenção do decisum, ostentando, por isso, legitimidade passiva para figurar na ação rescisória. Isso sucederá, por exemplo, quando a ação rescisória buscar desconstituir somente o capítulo da sentença que fixou os honorários advocatícios. Nessa situação, o titular do direito material discutido na ação rescisória, haja vista o artigo 23 da Lei 8.906/94, é o próprio advogado, e não a parte cujos interesses ele patrocinou.

Assim, se o advogado pode vir a ser implicado com o julgamento da ação rescisória, detém, inegavelmente, legitimidade passiva para a causa”.

Note-se que este precedente, a rigor, não pode ser considerado original, uma vez que tanto a doutrina (por exemplo, Bruno Vasconcelos Carrilho Lopes, Honorários advocatícios no processo civil, São Paulo, Saraiva, 2008, p. 261/262), quanto a jurisprudência do próprio Superior Tribunal de Justiça (1ª Seção, AR 3.273-SC, rel. ministro Mauro Campbell Marques, DJe 18/12/2009), já admitiam a legitimidade passiva do advogado, no âmbito da ação rescisória, na hipótese, em que, de fato, aquele tivesse efetivo interesse jurídico em participar do contraditório, visando a defender a sentença transitada em julgado que o beneficiara.

Observe-se, contudo, que a legitimação do advogado para figurar como réu na ação rescisória não é automática, ainda que esteja em risco a subsistência do capítulo da sentença atinente aos honorários de sucumbência. E isso, porque nem sempre o favorecido destes é o próprio advogado da parte vencedora.

Com efeito, diante do zelo redobrado que conota o trabalho profissional do causídico incumbido de preparar a petição inicial, em particular, da ação rescisória, deverá ele conferir quem efetivamente se beneficiou da verba de sucumbência fixada na sentença.

Deverá, pois, checar, nos autos do processo anterior, quem efetivamente levantou os honorários: um único advogado ou os advogados que atuaram na causa; a sociedade de advogados da qual ele ou eles são sócios; a própria parte sem quaisquer ressalvas etc.

Apenas depois desta cuidadosa aferição é que deverá ser desenhado o litisconsórcio passivo na ação rescisória, a ser integrado pelos litigantes originários e, ainda, diante da possível extensão objetiva da rescisão, por eventuais terceiros interessados, incluindo-se nessa categoria o advogado ou os advogados, ou, até mesmo, a sociedade de advogados, dependendo de quem tenha efetivamente sido beneficiário da verba de sucumbência.    

É evidente que se o advogado acertou de outra forma com o seu cliente o destino dos honorários de sucumbência, terá ele de arguir, quando citado no processo da ação rescisória, a sua ilegitimidade passiva, cabendo-lhe o ônus de provar que não recebeu a verba honorária.

Saliente-se, por outro lado, que, se o advogado ou a sociedade de advogados não figurar no polo passivo da ação rescisória, é certo que a sentença de procedência do pedido nesta proferida, não pode atingir quem não foi parte. O vencedor da rescisória poderá então promover nova demanda contra o beneficiário da sucumbência, visando à repetição do indébito. Neste caso, a prescrição poderá ser fatal, porque a ação rescisória não interromperá o prazo prescricional em relação ao advogado beneficiário dos honorários de sucumbência.

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