Justiça Tributária

"Perdei toda a esperança, vós que entrais", disse a contadora que virou psicóloga

Autor

  • Raul Haidar

    é jornalista e advogado tributarista ex-presidente do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB-SP e integrante do Conselho Editorial da revista ConJur.

19 de junho de 2017, 8h00

O ICMS devia ser um tributo nacional, mas está ‘estadualizado’ e precisa de correção. O ICMS tem 27 legislações estaduais, que precisam ser uniformizadas. 

Spacca
A afirmação em destaque é do atual Secretário da Receita Federal, o auditor fiscal Jorge Rachid, em reportagem do jornal O Estado de S. Paulo de 19 de janeiro. Na ocasião, o presidente Temer afirmou que a reforma tributária seria o próximo foco do governo, que desejava simplificar o sistema tributário. Pior foi dizer que “estamos sendo ousados. Fala-se muito em coragem, mas nós damos um passo adiante. Além de coragem, é preciso ousadia”.

Já o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, ao que parece ainda pensando como banqueiro, disse que seria reduzido o “tempo gasto para pagar impostos”. Em entrevista à Folha de S.Paulo (06/02/17), afirmou que “as expectativas do mercado hoje apontam taxa de até um dígito”. Mas qualquer pessoa que use crédito bancário sabe que o custo do dinheiro vai muito além disso.

AJUSTES NO ICMS
A tal correção do ICMS está com mais de 40 anos de atraso. Não existe a mínima possibilidade de convivermos com dois impostos sobre o consumo. O ICMS e o IPI são não cumulativos, mas enquanto o primeiro tem alíquotas que deveriam ser uniformes, no segundo elas variam conforme o princípio da essencialidade dos produtos.

CONVÊNIOS DISCUTÍVEIS
Na circulação interestadual de mercadorias inventaram-se os famigerados Convênios, onde o poder de regulação tributária saiu do legislativo e foi para o executivo. Como ensinou nosso saudoso mestre, Geraldo Ataliba:

São inconstitucionais todos os ‘convênios’ pretensamente celebrados pelos secretários da Fazenda dos Estados…Cada convênio, cada aprovação, cada aplicação é um atentado à ciência, uma afronta às nossas instituições.

O professor Ataliba publicou a matéria no Estadão no dia 25 de julho de 1972, onde sustenta, com a indiscutível autoridade que possuía no assunto, que qualquer convênio que trate de isenção há ser ratificado pelo poder legislativo e não por servidores (secretários) demissíveis ad nutum.

A Constituição vigente, no artigo 155, XII, letra “g”, diz que cabe à lei complementar regular a forma como, mediante deliberação dos estados e do Distrito Federal, isenções, incentivos e benefícios serão concedidos e revogados.” A deliberação não pode ser do executivo, mas sim do poder a quem compete a instituição do imposto. Esse poder é do Legislativo,não de um funcionário do Executivo. Trata-se de poder indelegável.

CARGA TRIBUTÁRIA
Segundo dados da Receita Federal, em 2015 suportamos uma carga tributária de cerca de 33% do PIB. Em princípio, um terço que o brasileiro ganha entrega aos governos. Em 1967 entrou em vigor o sistema aprovado pela EC 18/65, sancionada pelo Congresso, com Auro Moura Andrade a presidir o Senado e Bilac Pinto a Câmara. A carga era de 20%. De lá para cá, um aumento de 65%!

ICMS NOS COMBUSTÍVEIS
A substituição tributária no ICMS, que pode ser um mecanismo útil para a fiscalização, gera muitas distorções e viabiliza abusos. Isso acontece no caso dos combustíveis.

O artigo 155, XII, letra “h” da CF exige lei complementar para definir quais combustíveis e lubrificantes ficam sujeitos a uma única incidência do ICMS. Trata-se da substituição, de forma que o imposto é cobrado apenas na refinaria ou nas distribuidoras.

Ocorrem abusos quando um fiscal usa os dados de administradoras de cartão de crédito para considerar que todas as operações são de combustíveis e faz lançamento sobre diferenças inexistentes. Muitos postos de combustível (varejistas) mantém lojas de conveniência, lanchonetes e até restaurantes. Nem toda a movimentação de cartões é de combustível.

Em 27 setembro de 2007 escrevi que indícios não são suficientes para embasar autuações do Fisco, e critiquei o uso de presunções como base para autos de infração. Quase 10 anos depois retorno ao assunto porque, com o passar do tempo, os direitos dos contribuintes estão sendo cada vez mais limitados. Quem disse que “pior que está não fica” parece que, em matéria tributária, não sabe de nada.

ONDE ESTÁ A CORAGEM ? O presidente Temer disse na reportagem mencionada que “Fala-se muito em coragem, mas nós damos um passo adiante. Além de coragem, é preciso ousadia”.

Sem dúvida, a prioridade do presidente é manter-se no poder. Mas o poder para nada serve, se as metas não forem cumpridas.

Em março vimos que cerca de 86% das empresas do país operam com irregularidades na área fiscal e contábil. Em abril, que as 30 maiores companhias de capital aberto apresentam R$ 280 bilhões em disputas fiscais! O que pretendem nossos governantes para solucionar tais problemas? Falta-lhes coragem?

FALTA OUSADIA?
Na revista Exame nº 1135 de 12/04/17, registra-se que a reforma tributária poderia gerar uma redução de disputas judiciais da ordem de 4 trilhões de reais e provocar um aumento de 1% no PIB pelos próximos dez anos, apenas com a criação do IVA (imposto sobre valor agregado. Mas admite que a reforma deve ficar para depois de 2018. Falta Ousadia?

E O CÓDIGO DE DEFESA DO CONTRIBUINTE?
O Senado aprovou no último dia 6 o Código de Defesa dos Usuários de Serviços Públicos. Trata-se do PLS nº 439, de 1999. Ou seja: demorou 17 anos!

Para compensar, eis o que consta do seu último artigo:

Artigo 25. Esta Lei entra em vigor, a contar da sua publicação, em:

I – trezentos e sessenta dias para a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios com mais de quinhentos mil habitantes;

II – quinhentos e quarenta dias para os Municípios entre cem mil e quinhentos mil habitantes; e

III – setecentos e vinte dias para os Municípios com menos de cem mil habitantes.

EIS O INFERNO!
Lembrei-me hoje da Divina Comédia. Dante afirmou que “o tempo passa e o homem não percebe”. Pois a contadora, depois de algum tempo às voltas com repartições, fiscais, escritas e informática, encontrou a solução: tornou-se psicóloga. Afinal, seus antigos colegas de profissão podem se tornar seus clientes. Síndrome do pânico, pensamentos obsessivos, insônia.dependência química, alucinações etc. Já fez ela parceria com um bom psiquiatra. Haja internações e remédios controlados!

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    é jornalista e advogado tributarista, ex-presidente do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB-SP e integrante do Conselho Editorial da revista ConJur.

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