No interior do Rio Grande do Sul, um grupo de meninas acusou um professor de Matemática da rede estadual de abusar delas, passando a mão em seus seios, ombros e cabelos durante as aulas. No entanto, os testemunhos prestados em juízo mostram que as atitudes do profissional não se enquadravam como abuso, pois não tinham qualquer conotação sexual.
Na ação, o Ministério Público diz, com base no relato das alunas que acusavam o professor, que, em sala de aula, ele se aproximou de uma delas, "com a desculpa de corrigir exercícios em seu caderno e, com indisfarçável propósito lascivo, veio a manipular-lhe o sutiã, constrangendo-a". No decorrer do processo, no entanto, as próprias alunas esclarecem que, no caso, a alça do sutiã estava para fora do uniforme e o professor colocou a peça para cima do ombro da menina, dizendo que o sutiã não deveria ficar à mostra.
Outra acusação era a de que ele havia tocado os ombros e cabelos de uma aluna, além de ter escrito em seu caderno "pensa em mim hoje", "com indisfarçável propósito lascivo". No entanto, ficou provado que, no dia em que isso aconteceu, a mãe da estudante foi ao colégio e pediu que o professor conversasse com sua filha, que havia tentado suicídio — e aquela teria sido a tentativa de aproximação dele.
Com base nestes e outros depoimentos, a 5ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul reformou sentença que havia condenado o professor por submeter adolescentes sob sua autoridade a vexame ou a constrangimento, de forma continuada, delito tipificado no artigo 232, caput, do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8.069/90), na forma do artigo 71, do Código Penal. Ele tinha sido sentenciado à pena de um ano, quatro meses e 20 dias detenção, em regime aberto, substituída por privativa de liberdade por limitação de fim de semana, além de pagamento de prestação pecuniária.
In dubio pro reo
O relator da Apelação Criminal, juiz convocado Sandro Luiz Portal, analisou todos os depoimentos dos autos – alunos, professores, pais, funcionários da escola – e chegou à conclusão de que nenhum dos fatos elencados na denúncia trouxe algum ilícito penal. Além disso, ficou claro que, nos quase 20 de docência, o acusado conquistou excelente reputação, inclusive na sua comunidade, e que nunca manifestou "conduta imprópria", sendo considerado altamente exigente pelos alunos.
Discorrendo sobre uma das situações, de suspeita de tentativa de beijo forçado, Portal ponderou que o desconforto experimentado pela aluna, embora legítimo, não significa necessariamente que a conduta tenha sido criminosa. É que a proximidade do rosto do professor com a suposta vítima pode ter sido acidental ou, ainda, posição corporal sequer visualizada como invasiva pelo acusado. Ainda observou que é difícil de acreditar que ele faria isso em plena aula, na presença dos demais alunos, sabendo que sua mulher dá aulas na mesma escola.
"Nesse contexto, inviável classificar como desarrazoada a tese defensiva de que os fatos afirmados pelas adolescentes não ocorreram, especialmente no que se refere à extensão dos gestos do docente, o que reveste de dúvida a acusação e determina, em resguardo ao in dubio pro reo, a absolvição do acusado de todos os fatos que lhe foram imputados", escreveu o juiz convocado.
Na sua percepção, os atos atribuídos ao acusado, sob qualquer ótica, não tinham como objetivo a satisfação da lascívia. Tal constatação torna insustentável a acusação de crime de estupro contra vulnerável por meio da prática de atos libidinosos diversos da conjunção carnal, figura típica que exige dolo e não admite a forma culposa.
De acordo com a decisão, não se poderia falar em "importunação ofensiva ao pudor", que exige a presença de dolo e não admite a punição em caráter culposo, nem em desclassificação das condutas para as sanções do artigo 232 do ECA, pois não há indicativos de que o acusado quisesse constranger as adolescentes, fazendo- as passar por por situação vexatória ou constrangedora em público.
Depois de derrubar um a um os argumentos da inicial acusatória, o relator aconselhou os educadores a redobrar os cuidados na sala de aula, para que os adolescentes não alimentem dúvidas em relação à postura profissional do professor nem se sintam constrangidos com fatos desta natureza. "Todavia, não pode o docente, por descuido, sofrer sanção de ordem criminal, situando-se neste campo o caso presente, em que o contato, embora tenha ocorrido, nasceu de ato desatento do professor", julgou Portal. O julgamento na 5ª Câmara Criminal do TJ-RS ocorreu no dia 10 de maio.
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