Ordem superior

Juiz é processado por criticar decisão que anulou liminar proferida por ele

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15 de junho de 2017, 15h29

Nenhum juiz pode criticar decisões superiores e declarar que seu ponto de vista é o mais adequado, mesmo que em tom respeitoso. Esse tipo de conduta desrespeita a hierarquia funcional, segundo o Órgão Especial do Tribunal de Justiça de São Paulo. O entendimento foi usado para abrir processo administrativo disciplinar contra um magistrado que escreveu não ver “nada de nulo” em decisão derrubada em segunda instância.

Por maioria de votos, a corte rejeitou defesa prévia apresentada por César Augusto Fernandes, da 3ª Vara Cível do Foro Regional de São Miguel Paulista. Somente no fim do processo os desembargadores vão analisar se aplicam ou não alguma sanção.

O caso teve início quando o comprador de um apartamento pediu para mudar para o andar de cima. Ele afirmou que o imóvel, embora novo, havia sido alagado por águas de chuva e esgoto e apresentava uma série de infiltrações por ficar num edifício em desnível com os demais do mesmo condomínio. O juiz concedeu liminar, mas com medida diferente: fixou prazo de 90 dias para a construtora fazer obras para resolver todo o problema.

Cerca de um mês depois, em julho de 2016, a 1ª Câmara de Direito Privado do TJ-SP considerou nula a decisão. A relatora, desembargadora Christine Santini, declarou que a ordem judicial não poderia conceder ao autor pleito diferente do formulado. O colegiado mandou o juiz analisar de novo o processo.

Fernandes assinou então outra decisão, concordando com a mudança de apartamento, e aproveitou para declarar que “nada de nulo havia [na primeira liminar], respeitado entendimento contrário”. Segundo ele, é possível conceder medidas diferentes das cobradas na petição inicial quando alcançam o mesmo resultado prático.

“Quanto à determinação em si, já que este juiz não pode liberar o ‘resultado prático equivalente’ porque a superior instância considera julgamento extra petita na presente hipótese, defiro a tutela provisória nos exatos termos em que feito o pedido”, declarou.

Ponto de vista
A atitude acabou sendo levada à Corregedoria-Geral da Justiça e ao Órgão Especial do TJ-SP. Fernandes dispensou advogado e decidiu ele mesmo fazer sustentação oral, negando qualquer desrespeito à relatora ou à câmara. O juiz disse que quis apenas deixar claro às partes que a decisão extra petita não deveria ser considerada desleixo, como se tivesse lido o processo sem atenção.

“Eu não acho que deva ser punido por ter uma ideia contrária, manifestada de maneira respeitosa, com educação. Jamais critiquei a excelentíssima desembargadora. Se tivesse feito não seria motivo de processo administrativo disciplinar, mas de exame de insanidade mental, porque um juiz não está no seu juízo perfeito se resolve fazer crítica a um desembargador”, declarou.

Já o corregedor-geral da Justiça, Manoel Pereira Calças, avaliou que agir com respeito ou até mesmo pedir “todas as vênias possíveis” são insuficientes para permitir que um juiz descumpra seu “dever legal de contenção verbal” e “estabeleça debate sustentando seu ponto de vista”. Ele viu, em tese, violação ao artigo 36 da Lei Orgânica da Magistratura, que proíbe a membros do Judiciário manifestarem “juízo depreciativo sobre despachos, votos ou sentenças”.

O presidente do tribunal, Paulo Dimas Mascaretti, apresentou voto contrário à abertura de procedimento disciplinar. Ele afirmou que, como a decisão de Fernandes “pareceu respeitosa” e seguiu a ordem superior, bastaria orientar que o juiz não se comportasse mais da mesma forma.

Por maioria de votos, porém, venceu o entendimento do relator. O desembargador Arantes Theodoro usou a expressão “manda quem pode, obedece quem tem juízo”, enquanto Amorim Cantuária lamentou a “falta de percepção de quanto isso desprestigia o Judiciário”. O julgamento teve início em 31 de maio e retornou à pauta do Órgão Especial no dia 7 de junho.

Processo 35.505/2017

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