14 anos e 2 meses

Moro condena Cabral por corrupção e lavagem, mas absolve Adriana Ancelmo

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13 de junho de 2017, 14h01

Quando agentes públicos realizam gastos extravagantes, utilizando recursos cuja origem não explicam, salvo talvez de maneira vaga e imprecisa, e utilizando expedientes fraudulentos para burlar os sistemas de controle e prevenção de lavagem de dinheiro, a explicação natural é a de que assim procedem porque os recursos envolvidos têm natureza e origem criminosa.

Alex Ferro/ Rio 2016
Sérgio Cabral ainda responde a outras nove ações penais na "lava jato" no Rio
Alex Ferro/ Rio 2016

Essa foi a explicação do juiz Sergio Moro, da 13ª Vara Federal de Curitiba, ao condenar o ex-governador do Rio de Janeiro Sérgio Cabral (PMDB) a 14 anos e 2 meses de prisão por corrupção passiva e lavagem de dinheiro. Moro também condenou o ex-secretário de Governo do Rio Wilson Carlos (10 anos e 8 meses) e o sócio de Cabral Carlos Miranda (12 anos) pelos mesmos delitos.

No entanto, por falta de provas de autoria, o juiz federal absolveu a ex-primeira-dama do Rio Adriana Ancelmo das acusações por tais crimes. Pelo mesmo motivo ele isentou a mulher de Wilson Carlos, Mônica Carvalho.

Mas o Ministério Público Federal não gostou da sentença, e informou que irá recorrer da decisão para pedir penas mais altas para Cabral, Wilson Carlos e Carlos Miranda. Os procuradores também questionarão as absolvições de Adriana e Mônica, por entender que as provas produzidas demonstram que elas "participaram dos crimes cometidos de forma consciente".

Propina no Comperj
Cabral é réu em outras nove ações penais na Justiça Federal no Rio e está preso desde novembro. Nesse processo, o ex-governador foi acusado de receber, junto com Wilson Carlos e Carlos Miranda, R$ 2,7 milhões de propina da Andrade Gutierrez.

Seis delatores declararam que a empreiteira pagou esse valor pelo contrato de terraplanagem do Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro (Comperj). O ex-diretor da Petrobras Paulo Roberto Costa, o primeiro colaborador da operação “lava jato”, foi quem acertou o esquema. Ele disse ter tratado das propinas em reunião, em 2008, com Cabral, o vice dele à época e atual governador do Rio, Luiz Fernando Pezão (PMDB), e Wilson Carlos.

Depois disso, Costa cobrou da Andrade Gutierrez o pagamento de 1% do valor do contrato de terraplanagem. Rogério Nora de Sá, ex-presidente da Construtora Andrade Gutierrez, declarou que a empresa fazia tais repasses por receio de ser retaliada pelo governo e perder obras públicas no estado.

Ao julgar o caso, Sergio Moro ressaltou que seis colaboradores diferentes contaram a mesma história e lembrou que ex-executivos da Andrade Gutierrez apresentaram provas para corroborar seus depoimentos, como comprovantes da ida de Carlos Miranda à sede da empreiteira, supostamente para receber dinheiro, e uma planilha de pagamentos.

No entanto, a maior prova, de acordo com o juiz federal, são compras, no valor de R$ 2,67 milhões, feitas por Cabral, Wilson Carlos e Carlos Miranda. O que atesta a prática dos delitos não é o alto valor, ressaltou Moro, e sim a forma como foram feitas tais transações: sempre em dinheiro vivo e em depósitos fracionados beirando os R$ 10 mil, mas inferiores a esse limite. Isso porque qualquer operação que ultrapasse esse patamar tem que ser informada ao Banco Central, que investiga se ela é lícita.

“A realização dos gastos extravagantes, em espécie e, em parte, com expedientes de lavagem, constitui prova de corroboração dos depoimentos dos colaboradores quanto à prática do crime de corrupção, tendo este originado os recursos criminosos. Afinal, trata-se do rastreamento do produto da corrupção, sendo ele utilizado para gastos na aquisição de bens pelos acusados. De certa forma, é o equivalente a ser encontrada a integralidade do produto do crime ocultada em conta secreta no exterior”, avaliou Moro, rechaçando o argumento de que os repasses foram feitos como caixa dois de campanha eleitoral.

O juiz da “lava jato” também disse ser “inaceitável” o álibi de Cabral de que as compras foram feitas com sobras de suas campanhas eleitorais, sem que sua defesa tenha apresentado prova da origem desses recursos.

“Quem teria doado valores que teriam sobrado? Quando isso aconteceu e em qual montante? Nada disso foi esclarecido pelo acusado, tornando o álibi vago e, por conseguinte, de inviável acolhimento”, destacou Moro.

Segundo ele, Cabral, por si só, lavou R$ R$ 436,5 mil com compras de móveis, vestidos de festas, ternos e blindagem.

Bronca política
Na sentença, Sergio Moro aproveitou para ressaltar que o esquema de corrupção comandado por Sérgio Cabral contribuiu para a atual crise econômica que o estado do Rio de Janeiro enfrenta.

“Não se pode ainda ignorar a situação quase falimentar do governo do Estado do Rio de Janeiro, com sofrimento da população e dos servidores públicos, e que ela, embora resultante de um série de fatores, tem também sua origem na cobrança sistemática de propinas pelo ex-governador e seus associados, com impactos na eficiência da Administração Pública e nos custos dos orçamentos públicos. A corrupção com pagamento de propina de dois milhões e setecentos mil reais e tendo por consequência prejuízo equivalente aos cofres públicos e até transcendentes merece reprovação especial.”

A seu ver, a culpa de Cabral é elevada por ele ter recebido propina enquanto comandava o estado fluminense. “Não pode haver ofensa mais grave do que a daquele que trai o mandato e a sagrada confiança que o povo nele deposita para obter ganho próprio. Ademais, as aludidas circunstâncias da cobrança da vantagem indevida, que se inserem em um contexto maior de cobrança de propina sobre toda obra realizada no Rio de Janeiro, indicam ganância desmedida, o que também merece reprovação especial.”

Absolvição de Adriana
Entretanto, Sergio Moro afirmou que não há provas de que Adriana Ancelmo cometeu corrupção passiva e lavagem de dinheiro. Embora tenha deixado claro considerar que ela e seu marido tivessem um padrão de vida “acima do normal e inconsistente com os rendimentos lícitos” dos dois, o juiz disse não ter ficado demonstrado que ela se envolveu no recebimento indevido de recursos da empreiteira ou participou da estruturação dos pagamentos para dificultar o rastreamento pelo Banco Central.

Na visão de Moro, é “reprovável” que a advogada tenha usado dinheiro da corrupção para comprar bens de luxo. Mas isso, por si só, não configura crime de lavagem de dinheiro, analisou o juiz federal.

Adriana Ancelmo aguarda, em prisão domiciliar, julgamento de Embargos Infringentes que opôs contra decisão que determinou seu retorno ao complexo penitenciário de Bangu.

*Texto alterado às 17h45 do dia 13/6/2017 para acréscimo de informações.

Clique aqui para ler a íntegra da decisão.
Clique aqui para ler outras sentenças da operação “lava jato”.

Processo 5063271-36.2016.4.04.7000

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