Provas tardias

TSE desconsidera delações da Odebrecht e mantém Michel Temer na Presidência

Autores

9 de junho de 2017, 20h46

Reprodução
Sem delações, não seria possível provar abusos de chapa que elegeu Temer.
Reprodução

Por 4 votos a 3, o Tribunal Superior Eleitoral decidiu manter o presidente Michel Temer no cargo, ao não cassar a chapa que o elegeu como vice-presidente de Dilma Rousseff em 2014. O principal argumento foi a falta de prova de que houve abuso de poder econômico da chapa Dilma-Temer. As provas para isso teriam relação com as delações feitas por executivos da construtora Odebrecht, mas a maioria dos ministros decidiu, nesta sexta-feira (9/6), que tais depoimentos não poderiam ser levados em conta, pois foram incluídos no processo depois de seu início.

As oitivas de executivos ligados à Odebrecht e dos marqueteiros da campanha de Dilma e Temer foram aprovadas pelo Plenário da corte, mas no julgamento desta semana, os ministros consideraram que as provas extrapolavam o objeto da ação, sendo fatos estranhos à petição inicial, apresentada pelo PSDB. 

O voto vencedor partiu do ministro Napoleão Nunes Maia Filho, que foi acompanhado pelos ministros Gilmar Mendes, Admar Gonzaga, e Tarcísio Vieira.

O relator, ministro Herman Benjamin, ficou vencido. Segundo ele, em busca da "verdade real" dos fatos, o juiz eleitoral pode determinar a produção de provas durante a instrução processual e ampliar o escopo da investigação. Seu entendimento foi acompanhado pelos ministros Luiz Fux e Rosa Weber. 

Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil
Justiça Eleitoral não pode trabalhar de olhos fechados, ignorando fatos públicos e notórios, disse Herman Benjamin.
Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil

Benjamin garantiu que se prendeu aos fatos relativos à petição inicial, pois ela citava contratos da Petrobras com a Odebrecht e outras empreiteiras. O ministro garantiu ter observado o princípio da estabilização da demanda. O relator afirmou ainda que a Justiça Eleitoral não pode trabalhar de olhos fechados, ignorando fatos públicos e notórios, e que ele recusava o papel de "coveiro da prova viva". “Posso até participar do velório, mas não carrego o caixão”, declarou.

Já nesta quinta-feira (8/6) os ministros haviam indicado como se posicionariam ao final do julgamento. Naquela ocasião, a defesa de Temer comemorava as colocações da maioria no sentido de rejeitar o alargamento da causa de pedir, principal tese dos advogados do chefe do Executivo.

Momento de unanimidade
O único momento de unanimidade foi quando o Ministério Público Eleitoral pediu o impedimento do ministro Admar Gonzaga Neto, rejeitado pela corte. A questão foi proposta pelo vice-procurador-geral eleitoral, Nicolao Dino. Para ele não poderia votar no caso porque foi advogado da chapa em 2010. 

O presidente do tribunal, Gilmar Mendes, acusou o MP de surpreender o TSE, coisa que não deveria fazer por dever de lealdade processual. Para Mendes, o MP fez jogo midiático ao pedir o impedimento de Admar. O ministro Luiz Fux afirmou que o pedido não poderia ser considerado porque Admar não participou das ações que estão sendo julgadas pelo tribunal, que acusam a chapa eleita em 2014 de cometer abuso de poder econômico no pleito.

Dia longo
Primeiro a votar após o relator, o ministro Napoleão entendeu que as acusações feitas pelo PSDB não foram comprovadas no processo. Por isso, votou pela improcedência total da ação. O ministrou afirmou também que a inclusão por Herman de fatos relacionados à delação da Odebrecht na ação extrapolou o que foi pedido na inicial.

“O juiz deve se pautar pelos limites da causa de pedir das partes”, disse, acrescentando que magistrado não pode fazer essa ampliação por vontade própria. Em outras palavras, o juiz não pode decidir sobre fatos não alegados, incluindo novos elementos no processo, porque isso fere o devido processo legal. Em tom jocoso, deu um exemplo exagerado. Segundo ele, seria o mesmo de a ação tratar de despejo e o juiz decretar a separação de casamento.

Gustavo Lima/STJ
Juiz deve se pautar pelos limites da causa de pedir, afirmou ministro Napoleão.
Gustavo Lima/STJ

Napoleão disse ainda que delações não servem como prova, e que as informações devem ser provadas com documentos e provas que comprovem as declarações.  Para o ministro, os depoimentos ao TSE prestados por Marcelo Odebrecht, Mônica Moura e João Santana repetem as declarações dadas por eles nas colaborações que fecharam com o Ministério Público.

O ministro aproveitou para fazer duras críticas ao modo como as delações têm sido feitas, onde integrantes do Ministério Público solicitam a delatores que denunciem uma determinada pessoa e, em troca, oferecem benefícios aos réus confessos em acordos de colaborações premiadas. Ele mesmo diz ter sido alvo disso na operação "lava jato". 

Napoleão afirmou a ação foi proposta pela chapa que perdeu a eleições. Ele não citou nominalmente o PSDB, mas disse que o partido queria reverter na Justiça Eleitoral o resultado do pleito. “Isso não é democrático. O voto do povo deve ser respeitado”. 

O ministro Admar Gonzaga acompanhou Napoleão e acusou o Ministério Público de tentar constrangê-lo, pedindo seu impedimento. Ele disse ser necessário ter “triplicada cautela” com os depoimentos de delatores. O ministro lembrou que o Direito Eleitoral não permite abrir nenhuma ação quando há apenas uma prova testemunhal singular. E fez questão de ressaltar, no início de sua fala, que não iria se debruçar sobre “provas produzidas após a estabilização da demanda”, ou seja, não considerou os depoimentos da Odebrecht nem dos marqueteiros João Santana e Mônica Moura.

O ministro Tarcísio Vieira, por sua vez, disse não “vislumbrar gravidade para autorizar sanção de cassação do mandato eletivo”. Segundo ele, com a finalização da instrução probatória, “não ficou evidenciado ultraje material nas condutas imputadas”. Ou seja, explicou: "não houve lesão aos bens jurídicos protegidos pela norma, normalidade e legitimidade das eleições, bem como isonomia entre os concorrentes”.

Ele também destacou que, dentro do objeto da ação, não está comprovado suposto benefícios ilegais recebidos pela chapa. “Se o doador obteve recursos de formas ilícitas, essa ilicitude não se projeta sobre os donatários. Até porque as empreiteiras doaram para campanhas de diversos partidos”, afirmou o ministro.

"Robustas provas"
A ministra Rosa Weber foi a que menos falou durante todo julgamento, mas, no início de seu voto, pediu paciência aos colegas porque demoraria em expor sua posição pela importância do debate em curso.

Ela disse que não teria como “não endossar a leitura dos autos feitas pelo relator”, pois, segundo ela, há “robustas provas” da relação espúria entre a Odebrecht e a Petrobras, “iniciada muitos anos antes de 2014”. “Essa relação surpreendentemente organizada e praticamente institucionalizada, a ponto de empresas a descreverem como a regra do jogo, viabilizava contratos ilícitos em troca de propina”.

Rosa também defendeu que os poderes instrutórios do juiz e argumentou que é “natural” durante a colheita de provas “num processo amplo como esse” que testemunhas e fatos relevantes que não estão na lide apareçam. Isso, disse, não implica na ampliação do objeto da demanda.

"Premissa ultrapassada"
Os fatos relatados nas oitivas são “gravíssimos e insuportáveis”, afirmou o ministro Luiz Fux. Ele disse que não se sentiria confortável em usar uma premissa processual “ortodoxa e ultrapassada” para desconhecer a realidade fática e os depoimentos. “Eu não teria a paz necessária que deve ter um magistrado se eu não pudesse afrontar esses fatos”, revelou.

Segundo ele, a legislação é clara ao afirmar que, se surgiu algum fato constitutivo ou modificativo depois da propositura de uma ação, cabe ao juiz analisar o mérito de considerar ou não aquelas novidades. Fux leu trechos das oitivas e destacou a gravidade das condutas relatadas pelas testemunhas.

O magistrado também ressaltou a crise política e de representatividade vivida no país. “Dirão alguns que prova tem que ser produzida de forma rápida em nome da soberania popular, como se a vontade do eleitor fosse eleger gente financiada ilicitamente A partir do momento que o eleitor descobrir que elegeram seus representante através de vias informais e irregulares, eles não atribuem a menor credibilidade e legitimidade a esses representantes”, disse.

Nelson Jr./ASICS/TSE
Gilmar afirmou que este foi o julgamento mais importante da história do TSE.

"Dia histórico"
Último a votar, por ser presidente da corte, Gilmar Mendes afirmou que este foi o julgamento mais importante da história do TSE. Responsável por dar o voto de Minerva, ele afirmou que a soberania popular deve ser respeitada e não cabe ao tribunal resolver crise política. Em resposta ao ministro Luiz Fux, que afirmou que o TSE não era um avestruz para enfiar a cabeça no chão para ignorar provas, ele disse que os magistrados não devem esquecer a realidade, mas têm de interpretar a Constituição "à luz da realidade de um mandato outorgado pelo povo".

Sobre a ampliação da causa de pedir, Gilmar citou irregularidades relatadas por testemunhas em eleições anteriores e falou do risco em considerar provas que não estavam no objeto inicial, pois poderiam levar ao julgamento e à eventual nulidade de atos de presidentes da República desde a época dos atos ilícitos descritos nos depoimentos.  

*Texto alterado às 22h26 do dia 9 de junho de 2017 para acréscimos.

Autores

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!