Olhar Econômico

A prevenção de ilícitos antitruste deve ser incentivada

Autor

  • João Grandino Rodas

    é sócio do Grandino Rodas Advogados ex-reitor da Universidade de São Paulo (USP) professor titular da Faculdade de Direito da USP mestre em Direito pela Harvard Law School e presidente do Centro de Estudos de Direito Econômico e Social (Cedes).

8 de junho de 2017, 8h30

Spacca
João Grandino Rodas [Spacca]O direito antitruste surgiu nas duas últimas décadas do século XIX (Act for the Prevention and Suppression of Combinations Formed in Restraint of Trade – Canadá, 1889 e Sherman Act – Estados Unidos da América, 1990), para fazer face a atos tendentes à eliminação de concorrentes, que viriam a ser tipificados e penalizados como infrações ao direito antitruste; tendo posteriormente surgido a preocupação de controlar as fusões e aquisições de empresas. Os assuntos mais encontradiços, tanto na doutrina, quanto na mídia, relativamente ao direito concorrencial são os cartéis, espécie mais conhecida e mais insidiosa das infrações de direito antitruste; e as concentrações econômicas. Cartéis[1] e concentrações disputam o tempo dos órgãos que aplicam o direito concorrencial nos Estados e nos blocos econômicos de integração regional[2]. Várias reformas foram feitas, para tentar circunscrever a notificação de atos de concentração àqueles que sejam necessários, para não atravancar tais órgãos em detrimento do julgamento dos atos ilícitos anticoncorrenciais.

Atestando a recorrência de concentrações de peso no Brasil, presentemente está em pauta no Cade, a fusão entre duas entidades educacionais de grande porte. Daí o valor de estudos acadêmicos que contribuam ao avanço do tema. Chamou-me a atenção dissertação de mestrado, defendida, há poucos dias, na Faculdade de Direito da USP, intitulada: Estudo Jurídico Comparativo sobre Controle de Concentração de Empresas: Brasil, França e México, de autoria de Eric R. Cezaretti [3]. Trata-se de estudo comparativo do controle de concentração no Brasil, França e México; bem como, complementarmente, nas organizações internacionais intergovernamentais de integração econômica de que tais países participam, respectivamente, Mercosul, União Europeia e Nafta.

Nas palavras do autor o “método comparativo procura, de maneira sistemática, por intermédio do cotejo, determinar correlações entre fatos, indivíduos, classes ou fenômenos, que possibilitarão a indicação de semelhanças e diferenças, com o intuito de se chegar a um objetivo. Tal método, no campo jurídico, tornará possível confrontar, quer dois ou mais ordenamentos jurídicos, considerados em sua totalidade — macro comparação — quer entre institutos afins de dois ou mais sistemas jurídicos diversos — micro comparação —, com objetivo finalístico, isto é colaborar para o fortalecimento da cultura jurídica”[4].

Nesse estudo micro comparativo sincrônico de três ordenamentos jurídicos pertencentes ao ramo da família romanística, foram estudados a lei, a doutrina e a jurisprudência dos Estados escolhidos, assim como verificadas as influências dos blocos já referidos sobre seus países-membros. Após estudo individualizado de cada um dos três países, foram efetuadas comparações com referência a: antecedentes da preocupação concorrencial; legislação concorrencial; evolução das leis concorrenciais e relativas à concentração; notificação prévia dos atos de concentração; evolução dos órgãos antitruste; órgãos atuais da concorrência; procedimento de controle de concentração; leis concorrenciais vigentes e sua regulamentação, guias etc.; doutrina e jurisprudência. Igualmente, findo o estudo de cada um dos três blocos econômicos, realizaram-se comparações sobre: objetivos dos blocos econômicos, preocupação antitruste nos blocos, influência dos blocos nos países membros e notificação prévia dos atos de concentração.

Como de praxe nos estudos comparatísticos, as conclusões da dissertação demonstraram semelhanças e diferenças. Similitudes foram notadas nos textos legais materiais e processuais sobre concentração nos três países; no fato de os três países e a União Europeia possuírem fases de controle apropriados para concentrações de menor e maior complexidade; no aspecto formal das decisões dos órgãos antitruste, apesar da maior formalidade e apego ao texto legal por parte do órgão mexicano; e no papel dos blocos econômicos na disseminação e no balizamento da legislação anticoncorrencial de seus Estados-membros. Essa semelhança sucedeu por ter a matriz do ramo antitruste do direito originado-se, em tempos relativamente recentes, em um único local — a América do Norte — e daí, ter-se espraiado pelo mundo; bem como pelo papel indutor dos blocos econômicos, junto a seus membros, no respeitante à existência e à interpretação do direito concorrencial; pelo incentivo do FMI e entidades congêneres na adoção do ramo do direito em tela, por parte dos Estados; e pelo trabalho da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e da Rede Internacional de Concorrência (ICN) nas indicações e listagens de “boas práticas” com relação ao direito antitruste.

Embora a Lei 8.884/1994 permitisse tanto a apresentação prévia, quanto a posteriori do ato de concentração, a praxe da notificação após sua realização foi tamanha, a ponto de a principal discussão, por vários anos, que antecedeu a promulgação da Lei 12.529/2011 ter-se cifrado, mormente, na obrigatoriedade de se apresentar o ato de concentração ex ante. Com o disposto, nesta lei, o Brasil passou a compor a corrente, já perfilhada antes, pela França e pelo México, entre outros, de que a concentração pode ser levada a cabo unicamente depois da autorização do órgão competente.

O trabalho comparativo permitiu verificar, fundadamente, os pontos positivos e os negativos da lei brasileira sobre concentração econômica. Sobressai, como ponto positivo o Cade ter a decisão final, no âmbito administrativo, referentemente às matérias de sua competência; enquanto que na França é possível ao Ministro da Economia avocar e decidir diferentemente do órgão administrativa, desde que se utilize de fundamentos outros que não os do direito concorrencial. Dentre os pontos a serem melhorados figuram: aumentar a produção de resoluções, guias etc. por parte do Cade, para poder ombrear-se com a França e mesmo o México, fortes no afã orientativo; explicitar os pressupostos de que se devem revestir o candidato a conselheiro do Cade, emulando as legislações francesa e mexicana, muito mais exigentes nesse aspecto; verificar a duração do mandato dos referidos conselheiros, ainda menor do que a de seus homólogos franceses e mexicanos; e fazer com que o recurso judicial das decisões do Cade seja remetido para o Superior Tribunal de Justiça, semelhantemente ao que acontece na França.

No respeitante aos blocos econômicos, viu-se, comprovadamente, que quanto mais ambicioso é o objetivo do organismo de integração, mais seu direito antitruste é intrusivo com referência ao de seus Estados-membros, moldando-os praticamente, como aconteceu na União Europeia; que a falta de vontade política e a regra de aprovação por unanimidade é responsável pelo marasmo jurídico concorrencial de bloco, cujo exemplo é o Mercosul.

Observação que deve estar na mente de todos os que realizam trabalhos juridico-comparativos foi colocado como fecho da dissertação: “Um estudo de direito comparado é útil, tanto para proporcionar certeza científica a hipóteses altamente prováveis, quanto para comprovar hipóteses que não eram de antemão imaginados. Seu sucesso, portanto, independe do número ou da grandiosidade de seus achados, pois sempre mostrará um caminho com menos erros e mais acertos”.[5]

O estudo da vertente preventiva do direito concorrencial continua em voga e indispensável. Vem sendo preocupação de órgãos internacionais do naipe da OCDE e do ICN, que em dezembro passado, em Paris, fizeram importante mesa científica sobre o limiar das concentrações e acerca da revisão de operações fundamentadas nas turnover transactions, próprias dos mercados farmacêutico e digital. Quer sejam trabalhos coletivos de envergadura internacional, quer sejam dissertações acadêmicas como a ora resenhada, urge valorizar o estudo dessa parte do direito antitruste, que tem o condão de diminuir o número e a periculosidade dos ilícitos antitruste.


[1] Rodas, João Grandino, Nem todo contato entre concorrentes visa a cartelização, Revista Eletrônica Consultor Jurídico, 6 de outubro de 2016; Cartel internacional hard core é desafio a ser enfrentado, Ibidem, 17 de março de 2016; Acordos da “lava jato” propiciaram tomografia de um suposto cartel, Ibidem, 18 de junho de 2015.
[2] Rodas, João Grandino, Integração econômica deve servir ao bem da humanidade, Revista Eletrônica Consultor Jurídico, 29 de outubro de 2015.
[3] Cezaretti, Eric R., Estudo Jurídico Comparativo sobre Controle de Concentração de Empresas: Brasil, França e México, São Paulo. s.c.p., 2017. 221 páginas.
[4] Obra citada, p. 11.
[5] Obra citada, p. 217.

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    é professor titular da Faculdade de Direito da USP, presidente do Centro de Estudos de Direito Econômico e Social (CEDES) e sócio do escritório Grandino Rodas Advogados.

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