Federação contra-ataca

Estados americanos peitam governo Trump e "aderem" ao Acordo de Paris

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8 de junho de 2017, 10h51

Na terça-feira (6/6), o Havaí foi o primeiro estado americano a aprovar uma lei que alinha seu território aos objetivos do Acordo de Paris de reduzir as emissões de gases causadores de efeito estufa na atmosfera, para frear o aquecimento global. A medida faz parte de uma “rebelião” de diversos estados americanos contra a retirada dos Estados Unidos do Acordo de Paris, anunciada pelo presidente Trump no dia 1º de junho.

Domingo (4/6), nove estados americanos anunciaram a formação da Aliança dos Estados Unidos para o Clima (United States Climate Alliance), com o objetivo de implementar as metas do Acordo de Paris, entre as quais a de cortar as emissões de gás carbônico em 28%, localmente.

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Trump anunciou saída do Acordo de Paris, e principais estados dos EUA decidiram assinar o documento de maneira independente.
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Formaram a Aliança, além do Havaí, os estados da Califórnia, Nova York, Massachusetts, Washington, Connecticut, Rhode Island, Vermont e Oregon. Coletivamente, esses estados representam um quarto da população americana e produzem 30% do PIB anual do país.

Imediatamente, outros 10 dos 50 estados americanos anunciaram que iriam aderir à aliança, para cumprir o compromisso do povo americano com o Acordo de Paris. Também estão contribuindo com a aliança, desde seu início, 187 prefeitos de grandes cidades, entre eles os prefeitos de Los Angeles, Boston, Nova York e Chicago, que se denominaram “prefeitos do clima”.

Em 2 de junho, o ex-prefeito de Nova York, Michael Bloomberg, que é atualmente o enviado especial das cidades americanas e da mudança do clima no Secretariado Geral da ONU, declarou que estados, cidades e corporações irão trabalhar em um projeto chamado “America’s Pledge” (compromisso americano).

Fazem parte do grupo governadores, prefeitos, 80 reitores de universidades e mais de uma centena de corporações — incluindo empresas do setor de energia. O grupo, que deverá ganhar mais adesões, irá operar independentemente do governo dos EUA — o que expressa a mensagem: quem precisa de governo?

Bloomberg anunciou, no mesmo dia, que sua entidade beneficente, a Bloomberg Philanthropies, se comprometeu a pagar US$ 15 milhões para honrar as obrigações financeiras dos Estados Unidos com o Acordo, que agora Trump está se recusando a cumprir. Em uma declaração, ele disse: “Os americanos irão honrar e cumprir o Acordo de Paris, liderando esse esforço de baixo para cima, e não há nada que Washington possa fazer para nos impedir”.

Federação de verdade
Não há nada, efetivamente, que o governo federal possa fazer para conter a “rebeldia” dos estados (e também cidades), em vista do alto grau de soberania de cada estado. Nos EUA, a “federação” é muito mais forte do que em muitos países. Cada estado é um “estado federativo” com grande autonomia para cuidar de sua vida e gerir seu destino. E é membro de uma “União de Estados”, que formam os Estados Unidos. Alguns estados já foram países independentes (como o Havaí, o Texas e Vermont).

A população do país é, obviamente, formada por cidadãos americanos. Mas, na vida cotidiana, cada pessoa vive como uma cidadã do estado em que reside. Por exemplo, uma carteira de motorista (ou de identidade) da Flórida só vale para esse estado — e ela identifica a pessoa como cidadã da Flórida, com todos os direitos e obrigações que o estado oferece.

Com ela, a pessoa possa viajar para todos os estados — desde que volte logo para casa. Isto é, se a pessoa se mudar para a Califórnia (ou se for transferida pela empresa para trabalhar na Califórnia), terá um prazo (de um a três meses, dependendo do estado) para tirar nova carteira de motorista e se tornar uma cidadã da Califórnia.

Da mesma forma, cada estado tem suas leis próprias e sua própria estrutura judiciária, com tribunais de todos os níveis. As leis estaduais e os tribunais estaduais convivem com as leis federais e com os tribunais federais. Assim, um réu pode ser processado por tráfico de drogas em um tribunal federal (porque o tráfico é matéria federal) e ser processado por porte de uma quantidade de maconha para consumo pessoal em um tribunal estadual, em um estado que não admite o porte e consumo de qualquer droga.

Os estados (e as cidades, normalmente com bênção do governo estadual) também têm autonomia para “peitar” o governo federal. Há pouco tempo, por exemplo, Trump iniciou uma guerra contra as cidades rotuladas de “cidade-santuário”. Uma cidade-santuário é a que não persegue imigrantes ilegais. Ao contrário, os apoia (porque a economia precisa deles, principalmente).

Através de um decreto-presidencial, Trump ordenou a essas cidades (mais de 200 grandes cidades dos EUA) que coloquem a polícia local a serviço dos órgãos de imigração, passando a pedir documentos de cada cidadão abordado por policiais e prendendo os ilegais, sob pena de não receberem fundos federais. As cidades declararam que não vão fazer isso — e não fizeram. Em uma ação na justiça, um juiz federal decidiu que reter os fundos das cidades é inconstitucional. Por enquanto, Trump não falou mais nisso.

No que se refere ao clima, muitas decisões independentes podem ser tomadas. Afinal, de 70% a 80% das leis ambientais são aprovadas e executadas em nível de estado ou de município. A Califórnia, por exemplo, liderou esforços nacionais para reduzir emissões de gás carbônico de veículos, quando o governo federal se opunha à medida.

Bloomberg disse ao New York Times que o esforço concentrado dessa nova coalisão de estados e cidades poderá cumprir — e até mesmo exceder — o compromisso dos EUA, assinado pelo ex-presidente Obama, de reduzir as emissões de efeito estufa na atmosfera em 26%, com base nos níveis de 2005, até 2025.

A lei do Havaí declara que as metas do Acordo de Paris são as metas do estado. Uma das metas é a de manter o aquecimento global em dois graus Celsius (ou menos) acima dos níveis pré-industriais.

O governador do Havaí David Ige disse, em uma declaração, que a lei também prevê a criação de uma força-tarefa agrícola para reduzir as emissões de carbono. O grupo vai estudar o uso da agricultura e da aquicultura como meio para capturar o gás carbônico e armazená-lo por longo prazo. “O projeto visa melhorar a saúde do solo e promover o sequestro do gás carbônico”, ele declarou.

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