Responsabilidade civil

Vizinhos atingidos por incêndio têm direito a indenização por danos materiais

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6 de junho de 2017, 8h31

O artigo 938 do Código Civil diz que quem habita prédio responde por dano proveniente das coisas que dele caírem ou forem lançadas em lugar indevido. Com base nesse dispositivo, que aborda a responsabilidade civil pelo fato da coisa, a 9ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul acolheu apelação de um casal de idosos que teve a residência parcialmente destruída por incêndio ocorrido num prédio vizinho. O dono do imóvel onde começou o fogo pagará R$ 19 mil a título de danos materiais.

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TJ-RS entendeu que casal de idosos que teve casa atingida por incêndio deve receber indenização de vizinho.
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Os autores ajuizaram ação indenizatória contra o vizinho devido a prejuízos materiais e morais. A reparação dos danos materiais, estimados em R$ 21,8 mil, serve para cobrir os gastos com reparos e consertos. Os danos morais, para amenizar o sofrimento da mulher, que, ao se assustar com as chamas, sofreu um acidente vascular cerebral (AVC), tendo de se submeter a duas cirurgias cardíacas.

Em sua defesa na 13ª Vara Cível, no Foro Central de Porto Alegre, o réu — cujo imóvel foi totalmente destruído — alegou que não deu causa ao incêndio. Como os técnicos do Instituto-Geral de Perícias não apontaram a origem do fogo, afirmou, ele não poderia ser responsabilizado na esfera cível em ação reparatória.

Sentença improcedente
A juíza Fernanda Carravetta Vilande acolheu a tesa da defesa e, com base no artigo 487, inciso I, do Código de Processo Civil, julgou a demanda improcedente. A seu ver, a culpa pelo resultado do incêndio não pode ser atribuída ao réu, por não haver comprovação do nexo causal entre dano e a conduta dele, liame necessário à imputação. Afinal, o processo não traz a real causa do fogo.

‘‘Incumbe mencionar que sequer a notícia jornalística que publicizou o fato indicou sua origem, consoante se infere do documento da fl.39, que apenas menciona que ‘o excesso de materiais como papel e madeira seca dificultou o combate ao fogo’, nada considerando sobre a sua possível causa. Diante do exposto, o caminho que se impõe é o da improcedência dos pedidos exordiais’’, definiu a juíza.

O relator da apelação na corte estadual, desembargador Eugênio Facchini Neto, reformou integralmente a sentença. Para ele, ficou claro que o fogo teve início na residência do réu, precisamente no segundo pavimento da casa. E que o laudo da perícia constatou que o ‘‘calor radiante do incêndio’’ danificou a casa dos autores — basicamente, canos, persianas e uma antena de satélite, que se fundiu pelo intenso calor.

Processualmente falando, discorreu no voto, os autores cumpriram com o seu dever, mas o réu, não, pois não conseguiu demonstrar que os danos decorreram de caso fortuito ou de força maior. E que não guardavam qualquer relação causal entre a coisa de sua propriedade e o dano sofrido pelo vizinho. Para Facchini Neto, o IGP, embora não tenha verificado anomalias na rede elétrica, não descartou o uso de substâncias inflamáveis ou explosivas no local.

‘‘A isso soma-se que os autores claramente não contribuíram para a ocorrência dos danos na sua residência, o que também restou demonstrado, já que os danos reclamados na presente demanda foram identificados como tendo sido causados pela irradiação do calor do incêndio no imóvel lindeiro. Sofreram, portanto, os autores, dano injusto, considerado este como sendo aquele para o qual a vítima não deu causa, nem contribuiu, por qualquer forma, para sua ocorrência, podendo tal dano ser imputado à conduta, comissiva ou omissiva, de alguém’’, registrou no voto.

Dever de não causar lesão
Conforme Facchini, a responsabilidade civil contemporânea coloca sua ênfase sobre a vítima, e não sobre o causador dos danos. Logo, tratando-se de dano injusto, cabível a reparação/compensação. Assim, alguém terá de indenizar os prejuízos sofridos pelos autores — no caso concreto, o réu. Isso porque é dever do proprietário do imóvel adotar as medidas necessárias à sua conservação e segurança, de modo a não prejudicar terceiros.

‘‘Na hipótese, tem-se a violação, por parte do réu, do dever geral de não lesar, o que determina a sua responsabilidade pelos danos causados aos autores. Note-se que o réu, no boletim de ocorrência, atestou que as instalações elétricas da propriedade eram ‘muito velhas’. Vizinho seu atestou que a propriedade não era adequadamente conservada. Tudo isso revela que o demandado contribuiu, com o seu descaso para com o imóvel, para que o evento tivesse ocorrido, devendo responder pelas consequências de sua conduta omissiva.’’

Toda essa fundamentação fático-jurídica, segundo o relator, atrai a aplicação do artigo 938 do Código Civil, já que é a normativa que bem demonstra a responsabilidade civil pelo fato da coisa, de natureza objetiva. Nesse caso, segundo a doutrina de Carlos Roberto Gonçalves, frisou, a vítima só tem de provar a relação de causalidade entre o dano e o evento.

O desembargador só negou o pagamento de danos morais, por entender que os problemas de saúde da autora, então com 85 anos, não decorreram diretamente do incêndio. Então, não se poderia falar em violação dos direitos de personalidade, abrigados no artigo 5º da Constituição. O acórdão foi lavrado na sessão de 29 de março.

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