Anuário da Justiça

STJ racionaliza trabalho para acelerar decisões e valorizar a jurisprudência

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6 de junho de 2017, 7h07

*Reportagem especial do Anuário da Justiça Brasil 2017, lançado na última quarta-feira (31/5) no Tribunal Superior Eleitoral.

Em 2016, o Superior Tribunal de Justiça se preocupou internamente em racionalizar o seu trabalho para acelerar os julgamentos, tentar reduzir o estoque e valorizar a jurisprudência e os precedentes firmados. Aprendeu também que lidar com demandas de massa exige uso de inteligência de gestão para fazer triagens e identificar questões que envolvam muitos processos.

Pensando nisso, ao chegar à Presidência, a ministra Laurita Vaz, primeira mulher a assumir o cargo, além de pacificar o tribunal depois de uma administração pouco amistosa de Francisco Falcão, reestruturou o Núcleo de Análise de Recursos Repetitivos, o antigo Nurer, responsável por analisar, antes da distribuição, a admissibilidade dos recursos especiais e dos agravos em recursos especiais. O trabalho do núcleo, vinculado à Presidência, impediu a distribuição de 38% de todos os recursos que chegam ao Superior Tribunal de Justiça por inépcia ou vícios processuais. Em outras palavras, sobrou mais tempo para os ministros se dedicarem aos recursos que efetivamente deveriam tramitar no tribunal.

José Roberto/SCO/STJ
Laurita Vaz, primeira mulher a presidir o STJ: filtros contra os processos de massa. José Roberto/SCO/STJ

Laurita Vaz também implantou o Núcleo de Gerenciamento de Precedentes (Nugep), órgão encarregado de identificar matérias passíveis de serem afetadas e apoiar seu processamento de acordo com o rito dos recursos repetitivos e de assunção de competência. Criou ainda a Comissão Temporária Gestora, substituída depois pela Comissão Permanente Gestora de Precedentes, encarregada de orientar o trabalho do Nugep.

Outro exemplo de medida para reduzir o número de feitos no tribunal foi a formalização de uma “força-tarefa”, também ligada à Presidência, para auxiliar os gabinetes mais sobrecarregados. O grupo, que já trabalhou nos gabinetes dos ministros Raul Araújo e Gurgel de Faria, separa os processos e elabora minutas de decisões. De acordo com a Resolução 3/2017, os julgadores auxiliares estão autorizados a atuar por três meses em cada gabinete que solicitar a ajuda. Os números parecem provar o êxito dessas ações da gestão de Laurita Vaz. Entre setembro de 2016 e março de 2017, a redução do acervo do tribunal foi de quase 25 mil processos (de 390 mil para 365 mil).

STJ
Depois de meses de debate interno entre os ministros, o tribunal alterou seu Regimento Interno para tornar o Plenário Virtual uma realidade. Foram criados órgãos na Corte Especial, em seções e em turmas do tribunal para julgamento não presencial de recursos, com exceção dos processos de natureza criminal. Poderão ser submetidos ao julgamento virtual embargos de declaração, agravos internos e regimentais. A ideia é que o julgamento de processos por via eletrônica melhore o fluxo de pauta e reserve ao julgamento tradicional os casos de maior complexidade.

Também foi regulamentado o prazo para pedidos de sustentação oral e disciplinado o dos casos de preferências. Segundo a Emenda Regimental 25/2016, o advogado interessado em sustentar da tribuna deverá fazer o pedido à Coordenadoria do Órgão Julgador até dois dias úteis após a publicação da pauta de julgamento. Com base na experiência da 1ª Seção, a mudança buscou aperfeiçoar a gestão, organização, eficiência e celeridade nas sessões da corte, diante do “imenso número” de feitos pautados, cuja realização em uma única sessão de julgamento tem se mostrado “inviável”. Terão preferência para a sustentação oral os advogados com necessidades especiais, as gestantes e as lactantes, enquanto durar o período de amamentação. A regra vale também para advogadas que adotaram ou que deram à luz dentro do prazo de 120 dias. Os idosos com idade igual ou superior a 60 anos têm também prioridade.

Ao mesmo tempo, o tribunal alterou seu regimento para continuar a incorporar as novidades do Código de Processo Civil, em vigência desde março de 2016. Criou o centro de soluções consensuais de conflitos para estimular a mediação e a conciliação. E regulamentou a suspensão dos processos em caso de incidente de demanda repetitiva. Após essas atualizações, foi registrada a primeira mediação bem-sucedida, ocorrida em setembro de 2016, tendo por objeto o Recurso Especial 1.593.118-SP. E o primeiro pedido de suspensão em Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas, recebido em dezembro de 2016, instaurado no Tribunal de Justiça do Distrito Federal. O caso discute a possibilidade de inversão da cláusula penal moratória em desfavor da construtora, na hipótese de atraso na entrega do imóvel, bem como o acúmulo de indenização por lucros cessantes com a cláusula penal, em caso de inadimplemento. Com o julgamento da ação, a corte decidirá sobre a suspensão em todo o país das ações que tenham objeto idêntico.

STJ
Para o ministro Humberto Martins, vice-presidente do STJ, da mesma maneira que o Código de Processo Civil deu mais racionalidade à prestação jurisdicional, fixando o mesmo prazo para grande parte dos recursos e privilegiando o julgamento de mérito das demandas, teve grande impacto na rotina de tramitação dos processos no STJ, especialmente em razão da contagem de prazos em dias úteis. Por isso, ele observa, houve aumento no tempo para a conclusão dos processos.

Fora dos seus domínios, a corte ainda atua no Congresso Nacional para alterar a Constituição e criar um filtro para admissão de recursos especiais. O último capítulo dessa batalha legislativa foi a aprovação pelo Plenário da Câmara, em segundo turno, da Proposta de Emenda à Constituição 209/2012. Com a mudança, caberá ao recorrente demonstrar a relevância das questões de direito infraconstitucional discutidas no caso. O recurso poderá ser recusado por 2/3 dos ministros que compõem o órgão competente para o julgamento. Em outras palavras, os ministros poderão escolher o que julgar. O texto está agora no Senado para análise. Os ministros avaliam que a adoção pelo STJ de uma barreira, nos moldes da repercussão geral do Supremo Tribunal Federal, poderá resolver de forma definitiva o problema da “avalanche de recursos” que chegam ao tribunal e resgatar o papel principal da corte, que é a tutela da legislação infraconstitucional. Dizem que esse desvirtuamento faz com que o STJ se ocupe muito mais em resolver casos do que teses, prejudicando a sociedade pela demora para decidir. Advogados, porém, não concordam com essa avaliação e veem a PEC com desconfiança. Dizem que o filtro é mais uma barreira para não se prestar a jurisdição. E que o propósito da PEC não é julgar menos para julgar melhor, mas pura e simplesmente julgar menos. Em suma, para eles, a proposta, se aprovada, vai institucionalizar a chamada jurisprudência defensiva.

Preocupado com o que se chama de ativismo judicial, o STJ estuda a iniciativa de enviar relatórios anuais ao Congresso Nacional apontando incoerências e lacunas na legislação infraconstitucional. Também devem ser incluídas sugestões de alterações nas leis. Os ministros têm conversado sobre a ideia, que pode sair do papel já em 2017. Eles acreditam que o projeto poderá melhorar a interpretação de normas e códigos, além de diminuir os atritos decorrentes de invasões de competência, já que o tribunal tem como função uniformizar a interpretação da lei federal infraconstitucional. A preocupação tem fundamento. Ministros avaliam que não seria adequado para o tribunal, uma corte que se diz de precedentes, legislar em suas decisões. Agindo dessa maneira, o STJ vai em direção contrária ao caminho escolhido pelo Supremo Tribunal Federal e o Tribunal Superior Eleitoral, que cada vez mais adotam o ativismo abertamente.

Mesmo assim o STJ não fica indiferente à evolução do Direito e da tecnologia. Exemplo disso é a decisão da 5ª Câmara, que invocou o Pacto de São José da Costa Rica para determinar que a criminalização do desacato a funcionário público, prevista no Código Penal de 1940, “está na contramão do humanismo, porque ressalta a preponderância do Estado – personificado em seus agentes – sobre o indivíduo”. E prossegue: “A existência de tal normativo em nosso ordenamento jurídico é anacrônica, pois traduz desigualdade entre funcionários e particulares, o que é inaceitável no Estado Democrático de Direito”, escreveu o ministro Ribeiro Dantas em seu voto. A decisão foi unânime.

A presidente da corte, ministra Laurita Vaz, tem sido elogiada por seus pares por ser pacificadora, privilegiar o diálogo internamente e primar pela transparência. Mas ela também está buscando falar para fora do tribunal, com os outros poderes e a sociedade, posicionando o Superior Tribunal de Justiça no debate público. Essa é uma mudança de postura em relação aos presidentes anteriores, que pouco se posicionavam, ficando restritos às questões do dia a dia da corte. Isso faz com que o tribunal seja visto como interlocutor para resolver problemas importantes como a superlotação dos presídios.

Anuário da Justiça Brasil 2017
Editora:
ConJur
Páginas: 330 páginas
Preço: R$ 40 (versão impressa); R$ 20 (versão on-line)
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