Opinião

Impasse sobre afetação de recurso repetitivo paralisa ações indefinidamente

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4 de junho de 2017, 9h00

Com o intuito de frear o ingresso de centenas de milhares de recursos junto às instâncias superiores do Judiciário, foi instituído em 2008 o rito de recursos repetitivos, mediante a inclusão do artigo 543-C, no Código de Processo Civil de 1973, pelo qual, identificando-se a interposição de diversos recursos sobre um mesmo tema, apenas alguns poucos seriam encaminhados para julgamento, enquanto os demais ficariam suspensos até a fixação do entendimento pela Corte. O intuito é evitar-se que uma mesma questão seja julgada diversas vezes pelos tribunais superiores.

Posteriormente, quando da entrada em vigor do Código de Processo Civil de 2015, referido instituto ganhou mais força, uma vez que não mais apenas as ações que possuíam recursos direcionados às instâncias superiores deveriam ser suspensas, mas sim toda e qualquer ação judicial, em qualquer grau de jurisdição, que versasse sobre a questão.

Ocorre que, não obstante o CPC de 2015 prever um prazo máximo de um ano para o julgamento dos recursos representativos, a existência de impasses sobre a mera afetação do tema, ou não, tem gerado a suspensão de processos por tempo indeterminado, como se pode verificar exemplificativamente no caso do Recurso Especial 1.479.864/SP, de relatoria do ministro Paulo de Tarso Sanseverino.

No caso em questão, em decisão publicada em 29 de abril de 2015, o ministro Sanseverino entendeu por bem afetar dois temas relevantes, quais sejam: “(i) distinção entre responsabilidade contratual e extracontratual em danos causados por acidentes ferroviários; (ii) termo inicial dos juros de mora incidentes na indenização por danos morais nas hipóteses de responsabilidade contratual e extracontratual”.

Uma das questões levantadas no recurso interposto pela ré diz respeito à natureza da relação entre esta e a vítima. Ocorre que, entendendo-se que se trata de uma relação extracontratual, os juros de mora devem incidir a partir do evento danoso, ou seja, do acidente. De outra forma, caso acolhida a tese da empresa, de que a responsabilidade seria contratual, os juros incidiriam a partir da citação, conforme art. 400 do Código Civil. No caso do recurso em questão, a diferença entre as datas do fato (1991) e da citação (2007) é de pouco mais de 15 anos, impactando significativamente no valor final a ser apurado.

E o julgamento se mostra relevante à medida que possui o potencial de produzir efeitos em diversos outros processos, envolvendo pedidos de indenização por acidentes ocorridos num ambiente de prestação de serviços, fixando claramente os requisitos que definem a configuração das responsabilidades contratual e extracontratual e a aplicação dos juros de mora para cada caso. A importância, portanto, decorre justamente da usualidade do tema.

Importante pontuar que, da decisão do relator que propõe a afetação do tema, se inicia um prazo de sete dias para os demais ministros da Corte se manifestarem sobre a proposta, conforme dispõe o Regimento Interno do STJ. Ou seja, a decisão sobre a afetação, ou não, do tema, não deveria configurar um obstáculo para que o julgamento ocorresse no prazo máximo estipulado, de um ano.

No entanto, o mérito do recurso foi colocado em segundo plano neste caso, posto que, quando foi levado a julgamento pelo relator, ocasião na qual proferiu o seu voto, em 18 de maio de 2016 — já decorrido o prazo de um ano da afetação, portanto —, um dos demais integrantes da Corte Especial entendeu por bem suscitar a sua inconformidade com a afetação do tema ao rito de recursos repetitivos, muito após o decurso do prazo regimental de sete dias da decisão.

Agora, passados mais de dois anos da decisão que afetou o tema ao rito de recursos repetitivos, a situação atual é que, dos quinze ministros da Corte Especial do STJ, apenas o relator proferiu voto quanto ao mérito, enquanto outros dois votaram apenas no sentido de retirar a afetação do tema. Enquanto isso, encontram-se trancados os recursos que envolvam a matéria, mesmo que também discutam outras questões.

Ou seja, se a demora do julgamento dos recursos nas instâncias superiores já era um fator extremamente negativo na prestação jurisdicional, agora, quando o recurso é representativo de uma controvérsia afetada pelo rito de recursos repetitivos, os efeitos negativos acabam por serem replicados em milhares de outras ações.

Deste modo, ainda que o rito de recursos repetitivos tenha por finalidade a rápida resolução de processos que versem sobre um mesmo tema, o impasse existente quanto ao procedimento a ser adotado e, especialmente a inobservância dos prazos legais e regimentais, acaba gerar efeito inverso, impedindo a tramitação dos processos, prejudicando principalmente as vítimas dos acidentes, que não conseguem ver seus casos julgados, além das próprias instâncias inferiores do Poder Judiciário, que não podem dar andamento nos processos, gerando um acúmulo insuperável.

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