Direito do Agronegócio

Quais receitas são tributadas pelo Funrural na pessoa jurídica?

Autor

  • Fábio Pallaretti Calcini

    é doutor e mestre em Direito do Estado pela PUC-SP pós-doutorando em Direito pela Universidade de Coimbra (Portugal) ex-membro do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) professor da FGV-Direito SP e Ibet e sócio tributarista da Brasil Salomão e Matthes Advocacia.

2 de junho de 2017, 9h00

Spacca
caricatura Fábio Calcini [Spacca]Neste texto pretendemos tratar da tributação do agronegócio sobre a comercialização da produção pelas pessoas jurídicas reconhecidas como produtora rural — em geral, agropecuárias — e agroindústria.

Mais especificamente discutiremos a base de incidência das contribuições previdenciárias para tais pessoas jurídicas.

Embora não exista uma expressa noção legal, podemos afirmar que produtor rural pessoa jurídica — agropecuária — seria aquela constituída sob a forma de firma individual ou de sociedade empresária tendo como finalidade apenas o exercício da atividade de produção rural (artigo 165, I, “b”, IN 971/2009) [1], salvo se, além de referida atividade, prestar serviços a terceiros em condições que não caracterize atividade econômica autônoma, ou exerce outra atividade econômica autônoma [2], seja comercial, industrial ou de serviços, em relação à remuneração de todos os empregados e trabalhadores avulsos.

Por sua vez, considera-se agroindústria a pessoa jurídica que desenvolve atividade de produção rural e de industrialização desta, seja própria, como também adquirida de terceiros (artigo 165, I, “b”, IN 971/2009).

Tais pessoas jurídicas sofrem uma tributação quanto às contribuições previdenciárias de modo diferenciado, que denominamos de Funrural da pessoa jurídica ou da agroindústria [3].

Neste sentido, dispõe a Lei 8.870/94 quanto à pessoa jurídica produtora rural [4]:

“Art. 25. A contribuição devida à seguridade social pelo empregador, pessoa jurídica, que se dedique à produção rural, em substituição à prevista nos incisos I e II do art. 22 da Lei 8.212, de 24 de julho de 1991, passa a ser a seguinte:

I – dois e meio por cento da receita bruta proveniente da comercialização de sua produção;

II – um décimo por cento da receita bruta proveniente da comercialização de sua produção, para o financiamento da complementação das prestações por acidente de trabalho.

§ 3º Para os efeitos deste artigo, será observado o disposto no § 3º do artigo 25 da Lei 8.212, de 24 de julho de 1991, com a redação dada pela Lei 8.540, de 22 de dezembro de 1992..
(…)
§ 5º O disposto neste artigo não se aplica às operações relativas à prestação de serviços a terceiros, cujas contribuições previdenciárias continuam sendo devidas na forma do artigo 22 da Lei 8.212, de 24 de julho de 1991.

Portanto, para as pessoas jurídicas produtoras rurais temos, em substituição à folha de salário (artigo 22, I e II, da Lei 8.212/91), uma contribuição no percentual de 2,6% (2,5% + 0,1% RAT/SAT) sobre a receita bruta proveniente da comercialização de sua produção. Esta substituição, conforme exceção prevista expressamente em lei, não se aplicaria às operações relativas à prestação de serviços a terceiros, que são mantidas segundo tributação sobre a folha de salários.

Por sua vez, no caso a agroindústria, assim preceitua o artigo 22-A, da Lei 8.212/91 [5]:

“Art. 22A. A contribuição devida pela agroindústria, definida, para os efeitos desta Lei, como sendo o produtor rural pessoa jurídica cuja atividade econômica seja a industrialização de produção própria ou de produção própria e adquirida de terceiros, incidente sobre o valor da receita bruta proveniente da comercialização da produção, em substituição às previstas nos incisos I e II do artigo 22 desta Lei, é de:

I – dois vírgula cinco por cento destinados à Seguridade Social;

II – zero vírgula um por cento para o financiamento do benefício previsto nos artigos 57 e 58 da Lei 8.213, de 24 de julho de 1991, e daqueles concedidos em razão do grau de incidência de incapacidade para o trabalho decorrente dos riscos ambientais da atividade.

1º (Vetado)

2º O disposto neste artigo não se aplica às operações relativas à prestação de serviços a terceiros, cujas contribuições previdenciárias continuam sendo devidas na forma do artigo 22 desta lei.

3º Na hipótese do 2º, a receita bruta correspondente aos serviços prestados a terceiros será excluída da base de cálculo da contribuição de que trata o caput.

4º O disposto neste artigo não se aplica às sociedades cooperativas e às agroindústrias de piscicultura, carcinicultura, suinocultura e avicultura.

(…)

6º Não se aplica o regime substitutivo de que trata este artigo à pessoa jurídica que, relativamente à atividade rural, se dedique apenas ao florestamento e reflorestamento como fonte de matéria-prima para industrialização própria mediante a utilização de processo industrial que modifique a natureza química da madeira ou a transforme em pasta celulósica.

§ 7º Aplica-se o disposto no § 6º ainda que a pessoa jurídica comercialize resíduos vegetais ou sobras ou partes da produção, desde que a receita bruta decorrente dessa comercialização represente menos de um por cento de sua receita bruta proveniente da comercialização da produção.”

Deste modo, no caso da agroindústria, em substituição à folha de salário (artigo 22, I e II, da Lei n. 8.212/91), temos contribuição no percentual de 2,6% (2,5% + 0,1% RAT/SAT) sobre a receita bruta proveniente da comercialização de sua produção, que será decorrente da industrialização de produto rural próprio e/ou de terceiro.

Esta substituição, conforme exceção prevista expressamente em lei, não se aplicaria: (i) – às operações relativas à prestação de serviços a terceiros; (ii) – sociedades cooperativas e às agroindústrias de piscicultura, carcinicultura, suinocultura e avicultura; (iii) – pessoas jurídicas que, relativamente à atividade rural, se dedique apenas ao florestamento e reflorestamento como fonte de matéria-prima para industrialização própria mediante a utilização de processo industrial que modifique a natureza química da madeira ou a transforme em pasta celulósica, salvo se a receita bruta decorrente dessa comercialização represente mais de um por cento de sua receita bruta proveniente da comercialização da produção.

Tais considerações iniciais são relevantes para se discutir a base de incidência de tais contribuições (Funrural). Equivale dizer: o que se considera “receita bruta proveniente da comercialização de sua produção”? A revenda ou comercialização de produtos não decorrentes da atividade rural ou mesmo da industrialização da produção própria ou de terceiros sofreriam tal tributação? E as demais receitas como as financeiras? E o ICMS-ST, descontos incondicionais, bonificações, entre outros?

Como forma de demonstrar a relevância do tema, a Receita Federal do Brasil na Solução de Consulta COSIT 34, de 11 de abril de 2016, assim se posicionou:

“CONTRIBUIÇÕES SOCIAIS PREVIDENCIÁRIAS AGROINDÚSTRIA. REGIME SUBSTITUTIVO. ENQUADRAMENTO. BASE DE CÁLCULO. Agroindústria é a produtora rural pessoa jurídica, que desenvolve atividades de produção rural e de industrialização da produção rural própria ou da produção rural própria e da adquirida de terceiros. Produção rural são os produtos de origem animal ou vegetal, em estado natural ou submetidos a processos de beneficiamento ou de industrialização rudimentar, bem como os subprodutos e os resíduos obtidos por esses processos. “Industrialização”, para fins de enquadramento do produtor rural pessoa jurídica como agroindústria, é a atividade de beneficiamento, quando constituir parte da atividade econômica principal ou fase do processo produtivo, e concorrer, nessa condição, em regime de conexão funcional, para a consecução do objeto da sociedade. Se a atividade exercida pela consulente preencher os elementos do conceito analítico de agroindústria, ainda que em dado mês não utilize madeira de produção própria, a mesma não deixará de ser, nesse mês específico, agroindústria. A receita obtida com o exercício de atividade econômica diversa das atividades rural ou industrial, como aquela decorrente da revenda de mercadorias, integra a base de cálculo da contribuição social previdenciária substitutiva (incidente sobre a receita bruta), exceto no caso das operações praticadas pela consulente relativas à prestação de serviços a terceiros.”

Possível notar que, para a Receita Federal, a pessoa jurídica submetida ao Funrural — no caso da consulta uma agroindústria — sofrerá a tributação sobre a receita bruta, mesmo que se trate de uma atividade econômica diversa da agroindustrial.

Tem-se, assim, a interpretação no sentido de que, a partir da caracterização como produtor rural pessoa jurídica sujeita ao Funrural, toda e qualquer receita bruta há de ser tributada de tal modo, salvo quando a lei excepcionar e mantiver a folha como hipótese de incidência.

Entendemos, todavia, que há grave equivoco em referida interpretação que confunde dois momentos ou situações distintas da legislação, quais sejam, quem está submetido a este formato de tributação, com a própria base de incidência.

A partir do momento que a pessoa jurídica — agropecuária ou agroindústria — estiver submetida, por força de lei, à contribuição previdenciária nos termos dos artigos 25 da Lei 8.870/94 ou 22-A, da Lei 8.212/91, caberá somente ao interprete analisar qual é a base de incidência. Nada mais.

Ora, a base de incidência será o “valor da receita bruta proveniente da comercialização da produção”. Portanto, no caso da pessoa jurídica produtora rural o faturamento dos produtos desta atividade, enquanto no caso da agroindústria, aquele decorrente da comercialização de sua industrialização com produtos próprios ou de terceiros.

Não há duvida, assim, que somente há de se tributar para tais contribuições sobre o resultado da operação de comercialização — faturamento —, que tem noção restrita e não permite a inclusão de “qualquer outro tipo de receita”, como, por exemplo, as receitas financeiras, bonificações, ICMS-ST, IPI, descontos incondicionais.

Reconhecendo esta noção restrita, já decidiu o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais que não haveria incidência de Funrural no caso de transferência de estoque para integralização de capital:

“TRANSFERÊNCIA DE ESTOQUE PARA INTEGRALIZAÇÃO DE CAPITAL SOCIAL. CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA SOBRE COMERCIALIZAÇÃO DA PRODUÇÃO RURAL. ATIPICIDADE DA CONDUTA NO CASO VERTENTE.

A integralização de capital social mediante transferência de estoque, embora constitua alienação, não pode ser equiparada à comercialização de produção própria. Quando o legislador, para responder a estratégias normativas, pretende adjudicar a algum velho termo, novo significado, diverso dos usuais, explicita-o mediante construção formal do seu conceito jurídico-normativo (voto do Ministro Cezar Peluso por ocasião do julgamento do RE 346.084-6). Assim, se pretendesse o legislador dar amplitude maior ao termo “comercialização”, teria utilizado a expressão “alienação” ou teria feito, expressamente, a equivalência daquela a esta. Ausente esta postura do legislador, deve-se tomar o termo em seu sentido vernacular. Se o comércio é “atividade que consiste em trocar, vender ou comprar produtos, mercadorias, valores etc., visando, num sistema de mercados, ao lucro” e comercializar é tornar algo comerciável ou comercial” ou mesmo “fazer entrar no processo de distribuição comercial; pôr no fluxo do comércio” (dicionário eletrônico Houaiss), uma operação societária não lhe pode equivaler.

Se o objeto social da empresa é comercializar produção rural e não participar em sociedades, a integralização de ações em outra sociedade figura como meio para a realização do objeto social (ato societário) e não o próprio desenvolvimento do objeto social (empresa), razão pela qual a transferência de estoque figurou como um ato societário e não como a própria atividade empresarial. Nesse sentido, estabeleceu o STF que “a incorporação de bens ao capital social é um ato típico, não equiparável a ato de comércio” (Recurso Extraordinário 95.905, Relator Ministro Cordeiro Guerra, DJ de 01/10/82). [6]

Mas o tema não se esgota no reconhecimento de que outras receitas que não tenha a natureza jurídica de comercialização ou não estejam vinculadas ao faturamento da produção rural estão fora do campo de incidência de tais contribuições.

Ora, mesmo que seja a comercialização no sentido de faturamento, somente será possível exigir o Funrural se esta operação mercantil se der: (i) – no caso de produtor rural pessoa jurídica, com produto por este produzido na atividade rural; ou (ii) – na hipótese de agroindústria, quando for decorrente de sua industrialização a partir de sua produção própria ou de terceiros na atividade rural.

Isto significa dizer que, apesar de ficarem submetidos à tributação pelo Funrural, não sofrendo a incidência sobre a folha ou remuneração, toda e qualquer operação, inclusive de filiais, que não seja a comercialização de produção rural própria (agropecuária) ou decorrente da industrialização de produção rural própria ou de terceiros, ficará fora do âmbito de incidência das contribuições previdenciárias. Daí a razão para não se tributar a revenda.

Neste sentido recente decisão do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf):

PRODUTOR RURAL PESSOA JURÍDICA. CONTRIBUIÇÃO SOBRE A RECEITA BRUTA DA COMERCIALIZAÇÃO DE SUA PRODUÇÃO RURAL. CONTRIBUIÇÃO SENAR. REVENDA. AVES MATRIZES. DEVOLUÇÃO DE NOTAS FISCAIS.

São devidas pelo produtor rural pessoa jurídica, as contribuições incidentes sobre a receita bruta proveniente da comercialização de sua produção rural, em substituição às contribuições incidentes sobra à folha de pagamento.

Devem ser afastadas da base de cálculo das referidas contribuições o que foi objeto de comercialização, porém a produção comercial foi de outrem, como no caso de revendas, bem como quando do descarte de aves matrizes.

Com a comprovação de que houve devolução de mercadorias, igualmente devem ser afastadas da base de cálculo tais receitas.” [7]

Embora não seja o escopo de nosso estudo no momento, vale lembrar ainda que, como o Funrural para tais pessoas jurídicas incide sobre a receita e possui natureza jurídica de contribuições sociais, há de se aplicar o artigo 149, § 2º, I, da Constituição Federal [8], que confere imunidade para as receitas de exportação [9].

Em tais condições, diante da base de incidência estabelecida pelos artigos 25, da Lei 8.870/94 e 22-A, da Lei 8.212/91, sobretudo, à luz do artigo 195, I, b, da Constituição Federal, não há possibilidade de se tributar o Funrural para as pessoas jurídicas produtora rural e/ou agroindústria quando inexiste faturamento (exemplo, receitas financeiras) ou operação com produção rural própria ou sua respectiva industrialização, como é o caso da revenda de produtos.


1 A respeito da produção rural vejamos Lei n. 8.023/90.

2 “XXII – atividade econômica autônoma a que não constitui parte de atividade econômica mais abrangente ou fase de processo produtivo mais complexo, e que seja exercida mediante estrutura operacional definida, em um ou mais estabelecimentos.” (art. 165, XXII, da IN 971/2009).

3 Sobre o tema: CALCINI, Fábio Pallaretti. Funrural. Aspectos Constitucionais e Legais. Direito Tributário e os novos Horizontes do Processo. SOUZA, Priscila (org.) CARVALHO, Paulo de Barros. (coord.). São Paulo: NOESES, 2015. P. 473-505.

4 Referida contribuição aguarda posicionamento a respeito de sua constitucionalidade: “CONTRIBUIÇÃO – SEGURIDADE SOCIAL – ARTIGO 25, INCISOS I E II, DA LEI Nº 8.870/94 – INCONSTITUCIONALIDADE PROCLAMADA NA ORIGEM – RECURSO EXTRAORDINÁRIO – REPERCUSSÃO GERAL CONFIGURADA. Possui repercussão geral a controvérsia acerca da constitucionalidade do artigo 25, incisos I e II, da Lei nº 8.870/94, que instituiu contribuição à seguridade social, a cargo do empregador produtor rural, pessoa jurídica, incidente sobre a receita bruta proveniente da comercialização da produção rural.” (STF, RE 700922 RG, Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO, julgado em 09/05/2013, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-101 DIVULG 28-05-2013 PUBLIC 29-05-2013).

5 Referida contribuição aguarda julgamento de constitucionalidade: “DIREITO TRIBUTÁRIO. CONTRIBUIÇÕES PREVIDENCIÁRIAS. ARTIGO 22A DA LEI Nº 8.212/91. REDAÇÃO CONFERIDA PELA LEI Nº 10.256/01. CONTRIBUIÇÃO DEVIDA PELA AGROINDUSTRIA. PRODUTOR RURAL PESSOA JURÍDICA. INDUSTRIALIZAÇÃO DE PRODUÇÃO PRÓPRIA OU DE PRODUÇÃO PRÓPRIA E ADQUIRIDA DE TERCEIROS. RECEITA BRUTA PROVENIENTE DA COMERCIALIZAÇÃO DA PRODUÇÃO. EXIGIBILIDADE. EXISTÊNCIA DE REPERCUSSÃO GERAL.” (STF, RE 611601 RG, Relator(a): Min. DIAS TOFFOLI, julgado em 03/06/2010, DJe-110 DIVULG 17-06-2010 PUBLIC 18-06-2010 EMENT VOL-02406-05 PP-01051 LEXSTF v. 32, n. 379, 2010, p. 227-236 )

6 – CARF, 2ª Seção, Ac. 2302-003.339,j. 14/08/2014.

7 – CARF, 2ª Seção, Ac. 2202-003.765, j. 04/04/2017.

8 – “§ 2º As contribuições sociais e de intervenção no domínio econômico de que trata o caput deste artigo: I – não incidirão sobre as receitas decorrentes de exportação;”.

9 – No caso de exportações indiretas o tema da imunidade para a agroindústria é objeto de repercussão geral no STF: “Possui repercussão geral a controvérsia a respeito da aplicação, ou não, da imunidade prevista no art. 149, § 2º, I, da Constituição às exportações indiretas, isto é, aquelas intermediadas por "trading companies". (STF, RE 759244 RG, Relator(a): Min. ROBERTO BARROSO, julgado em 19/09/2013, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-021 DIVULG 30-01-2015 PUBLIC 02-02-2015 )

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    é advogado tributarista, sócio do Brasil Salomão e Matthes Advocacia. É doutor e mestre em Direito do Estado pela PUC-SP, pós-doutorando em Direito pela Universidade de Coimbra (Portugal) e ex–membro do Carf.

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