Opinião

Com derrubada de vetos, novo ISS beira a insanidade tributária

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2 de junho de 2017, 6h06

Como se não bastasse toda turbulência vivida pelo empresariado brasileiro, no último dia 30 o Congresso Nacional em sessão conjunta da Câmara e do Senado derrubou vetos presidenciais no Projeto de Lei Complementar 157/2016, iniciada no Senado como Projeto de Lei Complementar 366/2013 de autoria do Senador Romero Jucá. 

Ainda que tenha havido a derrubada dos vetos do Presidente da República, haverá a votação de destaques ainda em sessão a ser designada para tal sorte. 

Além de incomum a derrubada de veto presidencial, que encontra amparo no artigo no artigo 66 §4° da Constituição Federal, é medida extremamente complexa do ponto de vista legislativo e exige maioria absoluta de senadores e deputados, tendo assim ocorrido. A decisão tomada pelos senadores e deputados impede que o Presidente de República mantenha o veto, tanto assim que o texto constitucional determina que seja enviado o projeto para promulgação, e não o fazendo caberá ao Presidente do Senado fazê-lo (§5° e §6° do artigo 66 da Constituição Federal).

Ainda que em um esforço sintético podemos afirmar que temos um quadro bastante preocupante. A nova lei do ISSQN (imposto sobre serviços qualquer natureza) que trouxe temas muito controvertidos do ponto de vista constitucional – como términos de isenções com limitações de alíquotas mínimas em 2%; possiblidade de qualificação como improbidade administrativa ao agente público que desrespeitar tais regras, dentre outras importantes alterações – que ao menos uma análise preliminar tem discutível entrosamento com a natureza do imposto e sua matriz constitucional, simplesmente altera a forma até aqui praticada para recolhimento e própria hipótese de incidência do imposto sobre serviços, situação que além de instabilidade deve preocupar e muito o mercado. 

O artigo 3° da Lei Complementar 157 de 2016 trazia em seu texto originário exceções à regra então vigente. Passava-se da regra da aplicação de alíquota – termo utilizado de forma singela, referindo-se à própria hipótese de incidência tributária – do estabelecimento do prestador de serviços para algumas exceções em que se aplica as regras fixadas pelo domicílio dos “clientes” nas operações com cartão de crédito e débito, leasing e planos de saúde. Situação que escandaliza um tratamento tributário diferente a contribuintes do mesmo fato imponível.

O veto presidencial fundamentou-se na possiblidade de queda de arrecadação e possibilidade de aumento dos custos das empresas que seriam repassados aos consumidores, assertiva na forma de fundamentação de veto que seria defendida por qualquer ser com mínimo de capacidade intelectiva e com igual grau de conhecimento econômico. Veto derrubado, prevalecerá a verdadeira aleivosia jurídica que é alteração da regra de incidência já antecipada. 

Nunca demais relembrar que os municípios embora entes derradeiros da arrecadação com o ISSQN não detém autonomia absoluta sobre a instituição dos fatos imponíveis. Cabe à lei complementar, e, portanto, na esfera de atuação do ente político da União tratar dos fatos imponíveis, reflexos da opção do constituinte brasileiro pela adoção de um sistema rígido quanto a organização das limitações do poder de tributar. Ainda que não caiba um estudo aprofundado sobre o tema das competências tributária não poderíamos passar in albis sobre a necessária organização constitucional. 

Ainda que o artigo 155 da Constituição Federal, em seu inciso XII alínea “d” determine que cabe à lei complementar “fixar para efeito de cobrança e definição do estabelecimento responsável, o local das operações relativas à circulação de mercadorias e das prestações de serviços”; tal enunciado não é um cheque em branco dado pelo constituinte ao legislador infraconstitucional, ainda que sob o manto de rigidez típico da tramitação de leis complementares. 

A matriz constitucional do imposto continua a existir, bem como, impossível não observar a completa destruição de qualquer forma de avaliação da regra matriz de incidência tributária do imposto sobre serviços de qualquer natureza após a alteração da base territorial – em termos de prospecção dos efeitos da lei – nas operações atingidas por consumidores de serviços em município diverso daquele do prestador de serviços. 

Passemos a alguns aspectos econômicos e de funcionamento do sistema tributário após irradiar seus efeitos a nova sistemática. 

O brasil tem atualmente 5570 municípios, e não houve nenhum parlamentar que tenha escondido ter votado em prol de um pleito dos municípios. E a defenderem suposta igualdade social na distribuição do ISS podem causar verdadeiro caos ao sistema tributário de tal espécie de imposto. 

Diante da exorbitante quantidade de municípios criou-se uma forma obrigação tributária aos prestadores de serviços, que terão não somente os regramentos dos municípios em que estão sediados seus estabelecimentos; mas caso tenham uma abrangência nacional, terão 5570 regramentos, direta ou indiretamente a serem observados. 

É algo impensável. Cria-se a possibilidade de fiscalização por diversos municípios, e uma inesgotável burocracia para formatação de novos negócios, que com o advento da evolução tecnológica encurta barreiras territoriais para a prestação de serviços, e é extremamente afetada pela incerteza e especialmente pela necessidade de controle tributário que pode inviabilizar certos negócios. 

Fez-nos relembrar o que o Professor Ives Gandra da Silva Martins que já em 1990 decantava com o brilhantismo de sempre como absurditas juris quanto ao erro interpretativo quanto ao alargamento das limitações de tributar entre a união e os municípios em matéria de imposto sobre serviço de qualquer natureza.  

Ainda que não nos caiba julgar a intenção do legislador, assumindo meramente a função de “lógico, semântico e pragmático da linguagem do direito” função que cabe ao jurista ou interprete de norma; em matéria tributária sempre há que relembrar que “norma válida é aquela que mantém relação de pertinencialidade com o sistema”conforme ensina o mestre Paulo de Barros Carvalho. 

Atender aos municípios significou neste caso não atender ao país. A geração de riqueza não depende de uma suposta igualdade –  e neste caso há patente desigualdade na medida em que se destina receita advinda de imposto a município completamente avesso, estranho à relação obrigacional tributária – e com a criação de burocracias insustentáveis, especialmente às pequenas empresas. 

Alterou-se a relação jurídico-tributária, com sensíveis releituras sobre domicilio, conceito de estabelecimento, e até a votação dos destaques ainda há esperança para que de alguma forma, as discussões em sede de enunciação surtam algum tipo de efeito, ainda que se afunile o temadado o avanço da matéria e derrubada do veto consolidada. 

É mais uma oportunidade de contemplarmos o verdadeiro analfabetismo em uma leitura do direito pelo viés econômico, tão necessário e difundido mundialmente. O legislador brasileiro não tem apreço pelas ciências econômicas, situação que implica diretamente em uma leitura das estruturas legais – necessárias ao funcionamento racional do país especialmente em matéria tributária – com certa torpeza que assusta aos crentes na prosperidade brasileira.

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  • Brave

    é advogado em São Paulo e Brasília. Consultor Jurídico. Pós-graduado em direito tributário pela PUC-SP; Pós-graduado pela Escola Judiciária Eleitoral Paulista do Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo.

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