Ambiente Jurídico

Consórcios públicos ambientais são caminho adequado para municípios

Autor

  • Talden Farias

    é advogado professor associado da Universidade Federal da Paraíba (UFPB) professor adjunto da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e membro da Comissão de Direito Ambiental do IAB.

29 de julho de 2017, 10h53

Spacca
Uma das novidades trazidas pela Lei Complementar 140/2011, que regulamentou a competência administrativa em matéria ambiental, foi a possibilidade de instituição dos chamados consórcios públicos ambientais. Com efeito, cuida-se talvez do mais promissor instrumento de cooperação ambiental trazido por esse diploma legal, que visava exatamente instituir o federalismo cooperativo ao regulamentar o parágrafo único do art. 23 da Constituição Federal.

O consórcio público é o acordo de vontades entre dois ou mais entes federativos que cria uma pessoa jurídica com o intuito de atingir um objetivo comum, que normalmente consiste na prestação de um ou mais serviços de interesse coletivo, de maneira a aliar economicidade e eficiência, na medida em que se ganha economia de escala, se coordenam interesses convergentes e se obtêm benefícios procedimentais.

A grande novidade é a formação de nova pessoa jurídica, passando o consórcio público a ser sujeito de direitos e de obrigações, além de desfrutar da necessária autonomia administrativa que a Administração Pública indireta implica.

Trata-se de figura inserida no art. 241 da Constituição Federal pela Emenda Constitucional 19/98, uma vez que faltava um mecanismo específico para a promoção de atuação conjunta dos entes federativos. Depois de vários anos de espera, a Lei 11.107/2005 finalmente disciplinou a matéria dos consórcios públicos, trazendo as regras gerais do assunto.

No que diz respeito à Lei Complementar 140/2011, a diferença é que o consórcio em questão é um acordo de vontades entre os entes federativos com vistas à implementação de um órgão ambiental intermunicipal, que deverá fiscalizar, impor sanções administrativas e fazer licenciamento ambiental. Em outras palavras, a diferença aqui é o uso do poder de polícia ambiental por meio de um órgão interfederativo[1].

Uma questão que se impõe é se mesmo antes dessa lei o consórcio público ambiental poderia ser criado, uma vez que a Lei 11.107/2005 já poderia dar esteio a isso. Embora em princípio nada impedisse essa interpretação, é pertinente recordar que não existe previsão expressa para a participação de órgãos intermunicipais no Sistema Nacional de Meio Ambiente (Sisnama), o que certamente traria dificuldades.

O problema é que tanto o licenciamento ambiental quanto as sanções administrativas (haja vista o que dispõe o art. 6º da Lei 6.938/81) ambientais são privativos de órgãos integrantes do Sisnama, conforme dispõem as Lei 6.938/81[2] e 9.605/98[3]. Isso, no mínimo, geraria insegurança jurídica para tais órgãos, que certamente teriam seus atos questionados pelos cidadãos e pelos demais órgãos ambientais.

Fica claro, assim, que o município integrante do consórcio público ambiental é, para todos os efeitos políticos e jurídicos, integrante do Sisnama. Daí a Lei Complementar 140/2011 realmente ser o grande marco em matéria de promoção interfederativa da PNMA.

No caso do consórcio público ambiental, seu objetivo é promover a PNMA no âmbito intermunicipal, dando concretude ao Sisnama no que diz respeito ao interesse predominante local. Seus objetivos foram elencados, portanto, no art. 2º da Lei 6.938/81 e no art. 3º da Lei Complementar 140/2011. É possível afirmar, em última análise, que o objetivo maior é contribuir para tornar realidade o caput do art. 225 da Carta Magna, que assegura o direito fundamental ao meio ambiente equilibrado.

Uma questão interessante é se é possível usar o consórcio público ambiental no consórcio com múltiplas finalidades. Com efeito, não existe restrição à criação de consórcios que atuem em várias agendas políticas, embora isso talvez possa atrapalhar o grau de especialidade do serviço prestado. Isso implica dizer que com os consórcios ambientais não existe tal impedimento a priori, sendo possível, por exemplo, que o consórcio responsável pela educação também seja responsável pela proteção do meio ambiente.

Não se recomenda apenas que o consórcio abarque a um só tempo a função de órgão ambiental e de atividade efetiva ou potencialmente poluidora, estando, por consequência, sujeita à própria fiscalização. Nesse diapasão, em que pese a finalidade temática, não seria coerente ao mesmo o consórcio fazer a fiscalização e o licenciamento do aterro sanitário ou da companhia de saneamento quando ele mesmo seria o responsável por isso.

Impende recordar que o autolicenciamento ocorre no âmbito do mesmo ente federativo, mas normalmente quem licencia é um órgão distinto de quem é licenciado, ainda que na esfera da Administração Pública direta.

Por isso, além da fiscalização, das sanções administrativas e do licenciamento ambiental, é recomendável que o consórcio público ambiental se dedique à PNMA no que diz respeito ao interesse predominante local. Nesse sentido, sugere-se a criação e manutenção de Unidades de Conservação, o desenvolvimento de projetos de educação ambiental, o estipulamento de políticas de pagamento por serviços ambientais etc.

O consórcio público existirá e continuará existindo desde que conte com a participação de pelo menos dois entes federativos. Os limites territoriais de sua atuação são a jurisdição dos seus integrantes ou alguma área específica caso assim seja determinado no contrato de consórcio público.

É evidente, no entanto, que no caso do consórcio público ambiental não faz sentido haver restrição seja de conteúdo ou de território, uma vez que o controle ambiental deve ser o mais efetivo possível. Todavia, juridicamente restrições desse naipe são possíveis.

Com relação à saída de membro integrante, é importante que haja a previsão do pagamento de multa significativa e de perda dos investimentos feitos a fim de desestimular a prática. Não é possível esquecer que pode a saída colocar em xeque a própria existência do consórcio e, por conseguinte, a própria continuidade do Sisnama no âmbito dos municípios envolvidos.

Trata-se também de uma cautela contra práticas políticas nefastas culturalmente arraigadas, uma vez que, por exemplo, a indicação de um presidente de um partido ou de um grupo político adversário pode fazer com outros prefeitos tomem a decisão de rompimento. É que, dentro da realidade política brasileira, o prefeito tem dificuldade de aceitar que é cogestor de um órgão ambiental cujo presidente é alguém não afinado pessoal e/ou politicamente. Esse é certamente o maior obstáculo à consolidação dos consórcios públicos, e em especial aos consórcios públicos ambientais.

Com relação à criação das taxas de licenciamento ambiental a serem cobradas, vale destacar que a mesma deve ser prevista em lei aprovada por cada uma das Câmaras dos Vereadores envolvida.

O consórcio público ambiental deverá levar em conta as eventuais diferenças normativas existentes entre os municípios que o integram, seja no que diz respeito à legislação ambiental ou à legislação urbanística. Desse modo, é possível que uma conduta seja autuada em um município e em outro não, ou que uma atividade seja licenciada em um e em outro não.

A competência será a mesma dos municípios que dele fazem parte, já que estes podem delegar somente as atribuições que lhe forem originárias. Em vista disso, o consórcio público intermunicipal só poderá atuar nas matérias de competência da União ou dos Estados quando houver delegação formal.

Não há dúvidas de que, na hipótese de omissão do consórcio público ambiental, caberá ao Estado atuar, haja vista o que determina a Lei Complementar 140/2011[4]. A dúvida diz respeito à possibilidade de o município atuar supletivamente diante da inércia do consórcio. Por um lado, se o ente local adere ao consórcio é porque ele não teve condições de criar e de manter um órgão ambiental capacitado, de maneira que não parece razoável a hipótese.

Realmente, se o intuito da Lei Complementar 140/2011 é evitar a sobreposição de esforços, seria totalmente absurdo a duplicidade de atuações do mesmo âmbito federativo. Todavia, como cumpre responder que do ponto de vista jurídico é possível sim, desde que a adesão ao instrumento tenha deixado claro tal possibilidade.

O que parece mais razoável é a possibilidade de existência dos conselhos ambientais municipais, que poderão fiscalizar e sugerir medidas em relação ao consórcio público ambiental. Isso garante a participação local, notadamente naqueles casos em que o consórcio envolver muitos integrantes ou envolver integrantes dotados de grandes extensões territoriais.

Por outro lado, nada impede que haja também um conselho ambiental intermunicipal, que faça parte da estrutura administrativa do próprio consórcio, e que por isso terá melhores condições de contribuir para o seu aperfeiçoamento, podendo servir também como segunda instancia administrativa para análise dos recursos interpostos em face dos atos dele.

Como a maioria dos municípios brasileiros enfrenta dificuldades financeiras e técnicas, foi preciso apontar uma solução capaz de descentralizar as políticas públicas de meio ambiente. Os consórcios públicos despontam como a solução adequada porque permitem a economia de escala e a troca de informações, viabilizando a fiscalização, as sanções administrativas e o licenciamento ambiental no âmbito local.

Trata-se, na verdade, do caminho previsto pela lei em comento para suprir as deficiências citadas e promover de fato a descentralização da gestão ambiental, um passo indispensável para a consolidação do Sisnama e do direito ao meio ambiente equilibrado.

 


[1] “É uma alternativa para o exercício de competências materiais reservadas a estes entes federados por um único órgão licenciador e fiscalizador. A conjugação de esforços dos entes consorciados pela repartição de despesas de manutenção de uma estrutura administrativa especializada permitiria, em tese, uma fiscalização mais eficiente de todo o território abrangido pela associação pública e maior agilidade no processamento de licenças e autorizações ambientais, com a profissionalização de servidores concursados em tais autarquias intermunicipais.” (FIGUEIREDO, Guilherme José Purvin de. Curso de Direito Ambiental. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012, p. 158).

[2] Art. 17-L. As ações de licenciamento, registro, autorizações, concessões e permissões relacionadas à fauna, à flora, e ao controle ambiental são de competência exclusiva dos órgãos integrantes do Sistema Nacional do Meio Ambiente.

[3] Art. 70. Considera-se infração administrativa ambiental toda ação ou omissão que viole as regras jurídicas de uso, gozo, promoção, proteção e recuperação do meio ambiente. § 1º São autoridades competentes para lavrar auto de infração ambiental e instaurar processo administrativo os funcionários de órgãos ambientais integrantes do Sistema Nacional de Meio Ambiente – Sisnama, designados para as atividades de fiscalização, bem como os agentes das Capitanias dos Portos, do Ministério da Marinha.

[4] Art. 15. Os entes federativos devem atuar em caráter supletivo nas ações administrativas de licenciamento e na autorização ambiental, nas seguintes hipóteses: I – inexistindo órgão ambiental capacitado ou conselho de meio ambiente no Estado ou no Distrito Federal, a União deve desempenhar as ações administrativas estaduais ou distritais até a sua criação; II – inexistindo órgão ambiental capacitado ou conselho de meio ambiente no Município, o Estado deve desempenhar as ações administrativas municipais até a sua criação; e III – inexistindo órgão ambiental capacitado ou conselho de meio ambiente no Estado e no Município, a União deve desempenhar as ações administrativas até a sua criação em um daqueles entes federativos.

Autores

  • Brave

    é advogado e professor da UFPB, mestre em Ciências Jurídicas (UFPB), doutor em Recursos Naturais (UFCG) e em Direito da Cidade (Uerj). Autor do livro “Licenciamento ambiental: aspectos teóricos e práticos” (5ª ed. Belo Horizonte: Fórum, 2015).

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!