Opinião

Honorários em ações envolvendo
Fazenda Pública e o CPC/2015

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28 de julho de 2017, 9h42

Todos sabemos que o valor dos honorários está diretamente ligado à valorização profissional. O advogado é indispensável à administração da Justiça, nos termos da Constituição Federal, e a sua remuneração deve estar de acordo com a responsabilidade da atividade exercida. De Plácido e Silva define honorário como sendo “tudo que é dado por honra”[1] e tal definição vem a calhar com o que buscamos diariamente: honrar e valorizar nosso trabalho por meio de honorários condizentes com o trabalho que realizamos.

O Código de Processo Civil de 2015 consagrou diversas conquistas relativas aos honorários advocatícios. E, passado pouco mais de um ano da vigência do CPC/2015, já é possível verificar como estão sendo interpretadas as novas disposições da lei processual pela jurisprudência. Mas, antes disso, importante identificar quais foram as principais alterações trazidas pelo Novo Código, especialmente nas causas em que estiver envolvida a Fazenda Pública.

Na vigência do CPC/1973 existiam basicamente duas situações distintas: quando a Fazenda Pública era vencida e quando a Fazenda Pública era vencedora das ações. Havendo êxito por parte da Fazenda Pública, o valor dos honorários seguia a regra geral do mínimo de 10% e máximo de 20% sobre o valor da condenação. Do contrário, quando a Fazenda Pública era derrotada, o valor dos honorários deveria ser fixado conforme apreciação equitativa do Juiz.

Essa situação se alterou e atualmente, nos casos em que a Fazenda Pública for parte (vencedora ou vencida), o cálculo dos honorários deve respeitar percentual de escalonamento, oscilando entre 1% e 20% do valor da condenação ou proveito econômico. A aplicação se dá sempre respeitando o percentual da faixa anterior, de maneira semelhante ao que ocorre no Imposto de Renda. A ideia é evitar que os advogados que patrocinem causas com proveito econômico muito próximo dos limiares sejam beneficiados ou prejudicados pela aplicação de um único percentual. E o juiz aplicará os percentuais analisando com base no trabalho desenvolvido pelo advogado, seu grau de zelo e dedicação ao processo, não se falando mais na aplicação equitativa do juízo.

A apreciação equitativa, portanto, tem lugar somente quando for inestimável ou irrisório o proveito econômico ou, ainda, quando o valor da causa for muito baixo; não se aplica mais indiscriminadamente em todas as causas nas quais for vencida a Fazenda Pública, tal como ocorria sob a égide do CPC/1973.

Feitas tais considerações iniciais a respeito das inovações trazidas pelo CPC/2015 no campo dos honorários advocatícios nas causas em que a Fazenda Pública for parte, questiona-se: a partir de quando se consideram vigentes todas essas alterações?

A interpretação dos artigos 14, 1.045 e 1.046, caput, da nova lei processual nos diz que as novas regras se aplicam imediatamente aos processos em curso. Já o Plenário do Superior Tribunal de Justiça, em março de 2016, aprovou o Enunciado Administrativo 7, segundo o qual "somente nos recursos interpostos contra decisão publicada a partir de 18 de março de 2016, será possível o arbitramento de honorários sucumbenciais recursais, na forma do art. 85, § 11, do novo CPC”.

A respeito da vigência do CPC/2015 já houve grande divergência da jurisprudência. Em duas decisões proferidas pelo Tribunal Regional Federal da 5ª Região, em abril de 2016, com três dias de diferença entre elas – portanto depois do Enunciado Administrativo do STJ – foram dadas interpretações completamente opostas à aplicação e vigência do Novo CPC. É o caso dos processos ns. 08088296220154058300 e 559590/AL, que levaram o Prof. Hugo de Brito Machado a escrever um artigo sobre a vigência da lei processual.

A primeira decisão aplicou o CPC/2015, enquanto a segunda aplicou o antigo CPC. Todavia, conforme preveem os artigos 1.045 e 1.046, o CPC/2015 entrou em vigor após decorrido um ano da data da sua publicação oficial e suas disposições são aplicáveis desde logo aos processos pendentes, ficando revogada a lei processual anterior. Com isso, a conclusão do Professor Hugo de Brito Machado foi bastante clara:

 

Assim, e como as regras do novo Código de Processo Civil relativas à fixação do valor dos honorários de sucumbência a serem pagos pela Fazenda Pública não foram objeto de exceção, que teria de ser expressa, não temos dúvida de que as regras do Código de Processo Civil de 2015, que tratam da fixação do valor dos honorários da sucumbência, inclusive daqueles a serem pagos pela Fazenda Pública, estão em pleno vigor e são, portanto, aplicáveis aos processos em curso (sem grifos no original)[2].

 

Outras situações peculiares também foram encontradas na jurisprudência, merecendo análise específica dos casos que as embasaram. Recentemente o Tribunal Regional Federal da 4ª Região, na Apelação Cível n. 5001330-92.2015.4.04.7203, aplicou o CPC/2015 para majorar os honorários advocatícios que haviam sido fixados em R$ 2.000,00. Tratava-se de causa com valor superior a R$ 800 mil, mas o Juízo de primeiro grau considerou que o trabalho prestado no feito não havia demandado maiores esforços, tendo em vista que se tratava de Execução Fiscal, cuja prescrição foi reconhecida em sede de Exceção de Pré-Executividade, à qual não houve oposição da Fazenda Pública.

O tribunal considerou que "na sistemática do novo CPC, a apreciação equitativa não tem espaço para aplicação quando o valor da causa ou o proveito econômico forem elevados", tal como fundamentado no voto do Relator, Juiz Convocado Roberto Fernandes Junior, diante do que ele reformou a decisão, fixando os honorários nos percentuais mínimos previstos no escalonamento do novo Código. É uma decisão digna de aplausos. A avaliação do juízo quanto aos quesitos fixados pelo § 2º do artigo 85 do CPC/2015 (grau de zelo do profissional, lugar de prestação do serviço, natureza e a importância da causa e trabalho realizado pelo advogado e o tempo exigido para o seu serviço) deve se dar para fins de fixação do percentual dos honorários, dentro dos parâmetros do § 3º e seguindo o escalonamento previsto no § 5º, e não para fins de uma fixação de quantia fixa, a menos que não possa ser mensurado o proveito econômico obtido, o que não era o caso dos autos.

Na linha contrária da decisão mencionada, o Tribunal Regional Federal da 4ª Região também já proferiu julgamento fixando os honorários por meio de apreciação equitativa em um caso cujo proveito econômico, a princípio, poderia ser determinado. Trata-se de uma ação de medicamentos em que houve a substituição do fármaco utilizado pela demandante e, em razão disso, a ação foi extinta sem julgamento do mérito (Apelação Cível n. 5005244-46.2015.404.7113). Nesse caso, o Desembargador Luís Alberto D'Azevedo Aurvalle fundamentou sua decisão dizendo que os medicamentos eram de alto custo e o que estava em jogo era o direito à saúde, cujo valor não pode ser mensurado. Em razão disso, por apreciação equitativa, determinou honorários no valor de R$ 3.000,00.

Na verdade, percebe-se que o Desembargador buscou uma maneira de não onerar ainda mais a pessoa doente e que já tem altos gastos com o sustento do seu tratamento. Foi uma decisão humana, ainda que não tenha aplicado a melhor técnica trazida pela lei processual.

No âmbito do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, outras três decisões merecem destaque. A primeira delas foi no Agravo de Instrumento 70073756579, de relatoria do Desembargador Irineu Mariani, que majorou para 10% os honorários que haviam sido fixados pelo juízo de primeiro grau em 5%, ressaltando que os 5% não eram compatíveis com a dignidade do profissional da advocacia.

Em outro caso (Embargos de Declaração 70072954217), o Desembargador Newton Luís Medeiros Fabrício determinou a fixação de honorários pela apreciação equitativa num caso de Embargos à Execução de IPTU, cujo proveito econômico pode ser facilmente mensurável. Ou seja, parece haver uma resistência dos julgadores a se desvincular da apreciação equitativa. Num caso de Embargos à Execução de IPTU, sendo extinta a execução, o proveito econômico equivale ao quanto era executado, não havendo motivos para que a fixação dos honorários se dê com base em apreciação equitativa. E, compulsando a decisão proferida, vê-se que os honorários foram fixados em 15% sobre o valor do proveito econômico, observando o que dispõe o artigo 85, § 3º, inciso I, do CPC/2015. Na verdade, portanto, não houve apreciação equitativa, mas sim análise do trabalho desenvolvido nos autos e fixação dos honorários conforme a nova lei processual. Ainda assim, como dito, parece haver resistência dos julgadores a se desvincular da ideia de apreciação equitativa nos casos em que for vencida a Fazenda Pública, mesmo que, na prática, estejam aplicando as regras do CPC/2015.

O terceiro caso que merece destaque é de relatoria do desembargador Marcelo Bandeira Pereira, que aplicou de maneira bastante questionável o CPC/2015. Trata-se da Apelação Cível 70073229361, envolvendo uma licitação, cujo valor anual do processo licitatório era de R$ 6.250.197,60. O juízo de primeiro grau fixou honorários em R$ 1 mil e o Tribunal majorou para R$ 4 mil, entendendo que, no caso, era inestimável o valor do proveito econômico, porquanto não se trataria do valor do objeto da licitação ou mesmo o valor anual do contrato. Além disso, o valor da causa havia sido irrisório frente ao valor do certame. Ocorre que, tratando-se de matéria de fundo relativa a dinheiro – pois toda licitação envolve diretamente o dinheiro – não parece impossível estimar o proveito econômico, sobre o qual deveriam ter sido fixados os honorários.

Portanto, ao que se vê, a jurisprudência ainda é bastante diversificada a respeito das inovações trazidas pelo CPC/2015. O certo é que a advocacia alcançou grandes e significativas conquistas com o regramento nos honorários previsto na nova lei processual, as quais se aplicam imediatamente, inclusive aos processos em trâmite, tal como previsto na própria lei. Em que pese algumas decisões contrárias e resistentes às inovações do CPC/2015, as alterações já vêm sendo aplicadas e existem bons precedentes para estudo.


[1] SILVA, De Plácido e. Vocabulário Jurídico, 18.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2001, p. 400.
[2] MACHADO, Hugo de Brito. Vigência da lei processual no tempo e os honorários de sucumbência no Novo CPC. Revista de Estudos Tributários, Porto Alegre, n. 110, Edição Especial: Os Impactos do Novo CPC no Processo Tributário, p. 372-377.

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