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Pai de vítima da boate Kiss é absolvido da acusação de caluniar promotores

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24 de julho de 2017, 13h53

O pai de uma das vítimas do incêndio em 2013 na boate Kiss, em Santa Maria (RS), foi absolvido das acusações de calúnia e difamação. Em artigo publicado no jornal Diário de Santa Maria, em abril de 2015, o réu afirmou que os promotores que cuidam do caso seriam coniventes com o prefeito da cidade, apesar dos indícios de irregularidades na concessão de autorizações para funcionamento do estabelecimento.

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Incêndio na boate Kiss, em 2013, em Santa Maria (RS), matou 242 pessoas.

"O absurdo é observar o silêncio (esclarecedor) dos promotores responsáveis pelo caso Maurício Trevisan e Joel Dutra e saber que os promotores do Ministério Público de Santa Maria, mesmo com todos os indícios de envolvimento do prefeito e de seus secretários, pediram o arquivamento do processo de improbidade administrativa", afirmou.

O réu criticou o poder público, acusando-o de se proteger por meio de suas três esferas (Executivo, Legislativo e Judiciário): "Temos o cheiro podre do protecionismo entre os poderes, tão relatado nas esferas federais dos grandes escândalos".

A defesa alegou que em nenhum momento o réu imputou aos promotores a prática de qualquer crime, se limitando a questionar o porquê de existirem provas e nada ser feito contra os fiscais. Disse ainda que seu cliente apenas externou seu sofrimento e indignação, falando em âmbito nacional.

Em depoimento, o promotor Joel Dutra disse que ficou magoado quando suas filhas, todas maiores de idade, o questionaram sobre o que "ele tinha feito", porque as pessoas estavam lhe acusando de ser corrupto.

Disse que ficou sabendo que falavam que ele favorecia entes públicos, que teria deixado as pessoas da prefeitura livres de qualquer procedimento. Reiterou que se sentiu bastante ofendido e atacado porque é promotor de Justiça há 20 anos e nunca se portou de modo que fosse contra sua consciência. E que não poderia suportar, em nome de uma dor, que espalhassem inverdades a respeito de sua honra.

Os promotores afirmaram ainda que durante todo o tempo sempre se reuniam com os pais da Associação dos Familiares das Vítimas e Sobreviventes de Santa Maria (AVTSM), da qual o réu é diretor jurídico, para manter clareza em relação ao caso. Que as inconformidades dos pais eram manifestadas nesses encontros, mas que todas eram compreensíveis.

De acordo com Mauricio Trevisan, a partir de um determinado período, as manifestações começaram a mudar e ficaram mais enfáticas, levando fotos de cartazes e manifestações a audiências. Afirmou ainda que o ponto de tolerância foi ultrapassado com a publicação do artigo e com as manifestações feitas na internet.

Mera crítica
O juiz Leandro Sassi, titular da 2ª Vara Criminal da Comarca de Santa Maria, ao absolver o réu, explicou que, embora a acusação alegue que os promotores foram ofendidos, apontando que teriam praticado delito de prevaricação, se trata apenas de uma mera crítica quanto à atuação dos membros do MP.

"Aliás, trazida apenas nos dois primeiros parágrafos do texto publicado no jornal, o acusado Paulo limitou-se a questionar suas atuações no processo, referindo que, em seu entender, deveriam ter os promotores maior determinação na produção da prova e apuração das responsabilidades pela tragédia, mas em nenhum momento indica que tenham feito isto para satisfazer qualquer interesse pessoal escuso", disse o juiz.

Para o magistrado, a calúnia não pode ser confirmada com base em uma declaração infeliz, colérica ou leviana, sendo aceita somente a declaração conscientemente falsa. 

"Disse Paulo o que pensava. Não tinha dolo de imputar, falsamente, nenhum fato desabonatório a ninguém. (…) Agora, mesmo que a opinião de Paulo fosse equivocada, não vejo como não ser dado a ele o direito de expô-la", justificou.

Com esse mesmo argumento, o magistrado também absolveu o réu da acusação de difamação. "Percebe-se que a crítica contida nos textos do réu Paulo não traz uma ofensa dirigida à pessoa determinada, mas sim uma crítica a atuação institucional do Ministério Público, o que obsta a punição pelo tipo penal da difamação. Queria o réu, assim como a maioria dos familiares que todos fossem responsabilizados, pois aos olhos desses pais, mães e de boa parte da população, a responsabilidade não se restringiria a três ou quatro pessoas."

"Quantas vezes dizemos o que pensamos e vemos ao fim o quão errado estávamos, mas mesmo assim, deve sempre nos ser resguardado o sagrado direito de dizer. Sombrios os tempos em que as liberdades eram tolhidas, os textos censurados, os pensadores exilados, os corajosos torturados e 'desaparecidos'. Oxalá esse tempo nunca mais volte!", concluiu o magistrado. Com informações da Assessoria de Imprensa do TJ-RS.

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