Questão de ética

Pagamento de taxa de indicação de cliente entre escritórios gera polêmica nos EUA

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22 de julho de 2017, 6h54

Há duas práticas na advocacia americana que dividem os advogados em polos opostos e inamistosos: fazer anúncios de seus serviços e cobrar ou pagar taxas de indicação de clientes. Há regras da American Bar Association (ABA) e de suas seccionais nos estados que procuram conter essas práticas, mas elas são solenemente ignoradas por parte dos advogados, porque a força coercitiva das entidades é muito limitada.

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Prática de pagar taxa de indicação de clientes divide advogados americanos.
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No que se refere ao pagamento de taxas de indicação de clientes, muitos advogados consideram essa prática inaceitável na advocacia, porque é um atentado à ética profissional. No entanto, muitos advogados contam com essa “renda” extra para compor a receita do escritório. E não abrem mão dela. Isso cria, praticamente, duas classes de advogados no país.

Para os opositores, esse é um problema muito parecido com a prática de médicos que ganham comissões sobre a indicação de pacientes para colegas de outras especializações e sobre a prescrição de exames de laboratório. Se um mesmo paciente consultar dois médicos, um pode prescrever um exame laboratorial, e outro pode prescrever cinco, para ganhar mais em comissões. Muitos pacientes sabem disso, e a prática gera uma desconfiança da população que afeta toda a classe.

Nos EUA, o valor das taxas de indicação varia de uma jurisdição para outra e de uma área de atuação para outra. As “ovelhas negras” da classe são os advogados que se especializam em mover ações de indenização por lesões corporais (em caso de acidentes, por exemplo) e por má prática médica. Eles fazem anúncios publicitários e pagam taxas de indicação de clientes. A “oferta” é de um terço do que receberem ao final do processo.

Em outras áreas, a taxa de indicação é um percentual do valor do contrato com o cliente ou mesmo uma taxa fixa. Em alguns casos, a taxa de indicação é paga assim que o contrato com o cliente é assinado. Em outros, só é paga depois que o caso for resolvido, de acordo com o site Lawyerist.

Questão ética
Embora a indicação remunerada de clientes entre advogados seja uma prática comum em algumas áreas, isso ocorre, provavelmente, em violação da ética, diz a advogada e consultora Allison Shields, em um artigo para o Lawyerist. Ela destaca algumas regras do Código de Ética da ABA, seguido pela maioria das seccionais dos estados:

A divisão de honorários entre advogados que não pertencem à mesma banca só pode ocorrer se:

1. A divisão equivale a uma proporção dos serviços prestados por cada advogado ou cada advogado assume conjuntamente a responsabilidade da representação;

2. O cliente concorda com o acordo que inclui a participação que cada advogado vai receber e o acordo é confirmado por escrito;

3. O total dos honorários é razoável.

A primeira questão é se o pagamento de uma taxa de indicação é realmente considerado em uma divisão de honorários. A maioria das taxas de indicação é calculada como uma percentagem dos honorários pagos ao advogado contratado para a representação. Assim, parece claro que os honorários pagos ao advogado contratado pelo cliente estão sendo divididos com o advogado que fez a indicação, diz a consultora.

Em muitos casos, os advogados não pagam a taxa de indicação simplesmente pela indicação. Uma taxa de indicação só é paga, geralmente, se o advogado contratado recebe os honorários por seus serviços, seja o valor combinado da representação ou seja uma percentagem do dinheiro recebido em uma ação indenizatória.

Uma vez determinado que a regra sobre a divisão de honorários se aplica, os advogados devem considerar e o pagamento da taxa de indicação é permissível. De acordo com o Código de Ética, a divisão só é permissível em duas instâncias nos EUA:

1. Os advogados podem concordar em dividir o trabalho envolvido na representação e dividir os honorários com base na proporção de trabalho realizado por cada um;

2. Ambos devem aceitar a responsabilidade conjunta pela representação [o código não estabelece como os honorários devem ser divididos se os advogados assumem responsabilidade conjunta pela representação].

“A responsabilidade conjunta deve ser tomada com seriedade, particularmente porque a indicação de um cliente a outro advogado ocorre quando a matéria está fora da área de especialização de quem indica. A responsabilidade conjunta significa que ambos podem ser responsabilizados por má prática. Assim, o cliente do advogado contratado é também cliente do advogado que faz a indicação, com todas as obrigações advogado-cliente associadas”, diz a consultora.

As regras do Código de Conduta Profissional da seccional da ABA no estado de Nova York estabelece: “A responsabilidade pela representação implica responsabilidade financeira e ética pela representação, como se os advogados estivem associados em uma sociedade”. Não há “uma parcela” de responsabilidade.

Nem todas as seccionais estaduais seguem as regras da ABA. Mas, mesmo nos estados em que o pagamento de taxa de indicação é permitido, outras regras da ética se aplicam. Por exemplo, o advogado pode ser obrigado a notificar o cliente de que uma parcela dos honorários será destinada ao advogado que o indicou. Regras que cobrem a competência dos advogados também se aplicam: os advogados só podem indicar outros advogados que sejam profissionalmente competentes.

Melhor abordagem
Cobrar ou pagar taxa de indicação de clientes equivale a transitar em um campo minado, em termos de possibilidades de violação da ética profissional. Pode gerar responsabilização de um advogado que simplesmente indicou o cliente a um colega — mas ele é responsável por haver recebido parte dos honorários.

Portanto, o melhor curso de ação é evitar fazê-lo, diz a consultora. Ela sugere que a melhor abordagem, nesse caso, é criar um ambiente de boa vontade, em que os advogados se ajudam e, ao mesmo tempo, ajudam o cliente, que sempre conta com o melhor serviço. Ela cita um advogado que diz:

"Gosto muito de saber que outros advogados podem ajudar meus clientes a conseguir soluções para seus problemas, de forma eficiente e eficaz. Meus clientes ficam felizes com o ótimo serviço que recebem. Eu fico feliz porque posso me concentrar nas questões que fazem parte do meu nicho, sabendo que a outra questão está em boas mãos. E o outro advogado fica feliz porque consegue mais trabalho. É uma situação ganha-ganha".

O advogado que indica um colega especialista a seu próprio cliente, sem cobrar por isso, ganha em termos de confiança e fidelização do cliente. Ele passa a ser a única fonte de soluções de problemas jurídicos, não importa quais sejam eles. O cliente sabe que o advogado vai resolver seu problema ou vai conseguir alguém que possa fazê-lo.

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