Visão conservadora

MP-RJ discutirá "idolatria a bandidos"
e como "desencarceramento mata"

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20 de julho de 2017, 12h16

Em meio a uma crise de segurança no Rio de Janeiro, o Ministério Público do estado quer discutir o problema a partir de conceitos como “desencarceramento mata” e “bandidolatria”. Estes são os temas de alguns dos painéis do evento A Segurança Pública como Direito Fundamental, que ocorrerá em 15 de setembro na sede do MP-RJ.

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O aluno de Direito Kim Kataguiri foi convidado pelo MP-RJ para falar sobre "Segurança Pública e Justiça"
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A programação do evento ainda prevê um debate com a visão da sociedade sobre o "Segurança Pública e Justiça". Para representar a população, o MP-RJ escalou o blogueiro Alexandre Borges, diretor do Instituto Liberal e colunista do site Reaçonaria; o engenheiro e ativista Roberto Motta; e o aluno de Direito Kim Kataguiri, coordenador do Movimento Brasil Livre e defensor do fim do regime semiaberto.

A abertura será feita pelo procurador-geral de Justiça Eduardo Gussem e o evento ainda inclui um painel sobre o Direito Penal da Vítima, com a promotora Patrícia Chambers Ramos, que vai falar sobre "indiferença penal, proposta legislativa, Direito Comparado e o drama da vida transformada". Na sequência, uma vítima de violência fará seu relato.

O procurador Marcelo Monteiro e a juíza Yedda Assunção vão discutir as consequências da interpretação da lei na Segurança Pública. Os problemas decorrentes das medidas que reduzem a população carcerária serão apresentados pelo promotor do MP-RS Fabio Costa no painel "Desencarceramento mata".

O evento do MP-RJ também vai marcar o lançamento do livro Bandidolatria e democídio – ensaios sobre garantismo penal e criminalidade no Brasil, em um painel de mesmo nome, dos promotores do MP gaúcho Diego Pessi e Leonardo Gardin de Souza. Nele, os autores argumentam que a alta criminalidade brasileira se deve à impunidade dos autores de delitos, que seria impulsionada por uma cultura jurídica que tende a preservá-los demais.

A contracapa do livro traz uma descrição assinada por Benê Barbosa, presidente da ONG Movimento Viva Brasil, que defende o porte de armas pela população: “Os autores abandonam o politicamente correto e o humanismo bocó, nos apresentando uma obra que poderá mudar toda a visão sobre a criminalidade e apontando quais as ferramentas necessárias para restaurar a ordem.”

Falsas premissas
A iniciativa do MP-RJ é criticada por outros profissionais do Direito. Para Breno Melaragno Costa, presidente da Comissão de Segurança Pública da seccional da Ordem dos Advogados do Brasil no RJ, as políticas criminais em debate pelo MP-RJ já se mostraram ineficazes. “Endurecer a repressão não dá resultado. Basta ver os 27 anos que se passaram desde a Lei dos Crimes Hediondos”.

Em 1990, ano em que a norma entrou em vigor, a taxa de homicídios por 100 mil habitantes era de 22,2 no país e cresceu para 29,1 em 2016, conforme o Mapa da Violência. No estado do RJ este índice, segundo o Instituto de Segurança Pública, chegou a 37,6/100 mil em 2016 — o maior desde 2010.

Em sua página no Facebook, o ex-promotor do MP-RJ Afrânio Silva Jardim declarou ser “ingenuidade acreditar na eficácia intimidativa da pena em uma sociedade onde as pessoas vivem em estado de pobreza e não ocorre uma maior distribuição de renda”. Além disso, ele lembrou que o Brasil não prende pouco – tanto que há 622.202 detentos no país, que tem a quarta maior população carcerária do mundo.

Ao contrário do que sugere o painel do evento, o superencarceramento mata mais do que o desencarceramento, opinaram especialistas à ConJur. O juiz João Batista Damasceno apontou que as péssimas condições das penitenciárias matam muitos presos de doenças já erradicadas da sociedade, como tuberculose.

E a lotação excessiva dos presídios também força os detentos a se filiarem a facções criminosas, destacou Breno Costa. Dessa maneira, segundo o advogado, quem é encarcerado sai da prisão pior do que entrou.

“Não há relação entre encarceramento e homicídios — são variáveis que não se relacionam entre si. Se encarceramento resolvesse o problema da segurança publica, já estaríamos vivendo no paraíso”, avaliou Luciana Boiteux, professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro.

Debate midiático
Os profissionais do Direito ouvidos pela ConJur também manifestaram suas ressalvas sobre as pessoas escolhidas para falarem em nome da população. Para eles, Kim Kataguiri, Alexandre Borges e Roberto Motta não representam a visão da sociedade sobre segurança pública. “A convocação deles só denota o viés populista e superficial do evento do MP-RJ”, disse Costa.

Nessa mesma linha, Luciana ressaltou que nenhum dos três tem vivência ou aprofundamento teórico para discutir o assunto a sério. De acordo com a professora da UFRJ, há diversos outros pesquisadores de segurança pública conservadores que poderiam contribuir mais para o debate. Ela ainda disse que se o Brasil quiser evoluir no tema, precisa usar dados. “Sendo assim, por que não convocar integrantes do Fórum de Segurança Pública?”, indaga.

Por sua vez, o juiz Damasceno declarou que não só Kataguiri, Borges e Motta não representam a sociedade como o evento não traduz o pensamento do MP, que tem correntes defensoras dos direitos fundamentais. E estes, a seu ver, devem ser preservados a todo custo. “Não existem direitos fundamentais apenas para alguns, os ‘cidadãos de bem’. Quem mais precisa dessas garantias são os acusados. É assim que funciona uma democracia”.

Outro lado
Procurado pela ConJur, o MP-RJ não quis se manifestar sobre o evento. Em nota, o órgão afirmou que o objetivo “é fomentar mais um debate sobre a grave crise de segurança pública pela qual passa o país e com mais intensidade o Rio de Janeiro".

Além disso, o MP-RJ ressaltou que "somente neste ano, a instituição já sediou encontros que envolvem segurança pública e direitos humanos, como O Papel do Sistema de Justiça na Efetivação dos Direitos Humanos (06/04), Mulheres com deficiência em situação de Violência Doméstica (13/03), o Conflitos e Intolerância no Sistema de Justiça (02/06), Justiça Restaurativa: Um Olhar Para o Ato Infracional (09/06), Sistema Penitenciário e o Conselho da Comunidade (22/06), entre outros".

*Texto alterado às 14h58 do dia 20/7/2017 para acréscimo de informações.

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