Opinião

Tentativa de integrar indígenas e quilombolas não pode violar direitos

Autor

  • Roberto Lemos dos Santos Filho

    é juiz federal auxiliar da Corregedoria do TRF da 3ª Região titular da 5ª Vara Federal Criminal de Santos (SP) mestre e doutorando pela Universidade Católica de Santos pós-graduado em antropologia USC (Universidade do Sagrado Coração) de Bauru (SP).

14 de julho de 2017, 18h18

No último dia 6 de julho o ministro de estado da Justiça e Segurança Pública editou a Portaria 541/2017, instituindo grupo de trabalho com a finalidade de formular propostas, medidas e estratégias destinadas à integração social das comunidades indígenas e quilombolas.

Esse ato gerou perplexidade entre os estudiosos dos direitos das minorias, uma vez que a Constituição de 1988, em seus artigos 215, § 1º, 216 e 231, reconheceu a multietnicidade do país, pondo fim à superada visão integracionista, excludente das diferenças.

Vale dizer, a Constituição assegura aos índios e quilombolas o direito de serem diferentes e de serem tratados como tais, não sendo possível cogitar, pois, de integração entre culturas próprias, específicas, como são as dos afrodescendentes e dos indígenas.

Em 13 de setembro de 2007, depois de 22 anos de discussões, a Assembléia Geral da ONU aprovou a Declaração Universal de Direitos dos Povos Indígenas (ONU/2007), veiculadora de normas mínimas para a sobrevivência, preservação cultural e do bem-estar dos Povos Indígenas de todo o mundo.

O artigo 5º do diploma referido preconiza que os povos indígenas têm direito a conservar e reforçar suas próprias culturas, enquanto o artigo 8º do mesmo documento estabelece que os povos e as pessoas indígenas têm o direito de não sofrer da assimilação forçada ou a destruição de sua cultura.

O citado artigo 8º da Declaração Universal de Direitos dos Povos Indígenas, no item 2.d, dita que os Estados deverão estabelecer mecanismos para prevenção de todas formas de assimilação e integração forçada. De acordo com o artigo 31 do instrumento normativo em enfoque:

“Artigo 31
1. Os povos indígenas têm o direito a manter, controlar, proteger e desenvolver seu patrimônio cultural, seus conhecimentos tradicionais, suas expressões culturais tradicionais e as manifestações de suas ciências, tecnologias, assim como de suas ciências, tecnologias e culturas, compreendidos os recursos humanos e genéticos, as sementes, os medicamentos, o conhecimento das propriedades da fauna e flora, as tradições orais, as literaturas, os desenhos, os esportes e jogos tradicionais, e as artes visuais e interpretativas. Também têm direito a manter, controlar, proteger e desenvolver sua propriedade intelectual de seu patrimônio intelectual, seus conhecimentos tradicionais e suas manifestações culturais tradicionais.
2. Conjuntamente com os povos indígenas, os Estados adotarão medidas eficazes para reconhecer e proteger o exercício desses direitos.”

A inusitada portaria ministerial levou o Ministério Público Federal, por louvável iniciativa do subprocurador-geral da República Luciano Mariz Maia, Coordenador da 6ª Câmara de Coordenação e Revisão, a incitar o Ministro da Justiça, através do Ofício nº 388/2017/6ª CCR, a esclarecer:

“a) quais fundamentos epistemológicos e normativos subsidiam a criação do referido grupo de trabalho;
b) quais as justificativas fáticas antecedentes para sua criação;
c) quais os critérios para definição da composição do grupo, especialmente para a não participação de índios e quilombolas;
d) quais objetivos concretos estabelecidos para o GT.”

Aguardemos os esclarecimentos do ministro da Justiça, e eventuais correções de diretrizes e de forma de proceder, para que as normas postas em favor da preservação das culturas dos índios e dos quilombolas sejam garantidas e preservadas de forma efetiva e eficaz.

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