Direito do Agronegócio

A livre concorrência no agronegócio — a regra e algumas exceções admissíveis

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14 de julho de 2017, 8h05

Spacca
Na minha última coluna, tratei do tema da concentração dos mercados e das más escolhas feitas pelos governantes brasileiros nas últimas décadas, dando ensejo às enormes distorções e aos movimentos atípicos nos mercados — em especial naquele da carne bovina —, reconhecidos com maior intensidade nos últimos meses.

A defesa da concorrência livre e com a participação de vários agentes na produção de bens e serviços é a regra, prevista pela legislação que rege a ordem econômica, em especial na Lei 12.529/2011, principalmente em seus artigos 36 e 88 e seguintes.

Podem ser admitidas, contudo, exceções justificáveis a essa norma?

A resposta é positiva, mas, segundo penso, tais exceções devem ser consideradas cum grano salis.

Assim, creio ser adequada a lembrança a algumas delas, cuja existência pode ser validamente defendida num sistema jurídico e econômico que garanta a livre iniciativa e a concorrência útil aos interesses dos consumidores e das empresas.

O primeiro fundamento para excepcionar a regra diz respeito à pesquisa tecnológica. É sabido que, em determinados ramos econômicos que têm na ciência aplicada e avançada o elemento principal, a limitação a um número reduzido daqueles que podem, de modo responsável, atuar de modo seguro e adequado é mesmo incontornável.

É o que se dá, em especial, nos campos da pesquisa genética utilizada no desenvolvimento de novas espécies para a agricultura e pecuária. São, com efeito, áreas de atuação sensível, em especial ao meio ambiente.

Assim, devem ser feitas em cenários controlados e amplamente fiscalizados pelo poder público, considerando a necessidade de minimizar os riscos e de agir com respeito à precaução e prevenção devidas.

Nesse contexto, as empresas dedicadas a tais pesquisas e ao desenvolvimento de cultivares, por exemplo, devem existir em número limitado e relacionado à capacidade de controle e fiscalização dos órgãos do Estado. Além disso, caso ocorra algum dano e considerando a enorme dimensão que ele poderá ter, deverá haver um grau mínimo de capacidade econômica exigido dessas mesmas empresas para que as medidas reparadoras possam ser concretizadas de modo minimamente eficaz.

Também é possível admitir a limitação da concorrência no agronegócio no tocante ao auxílio econômico às pequenas e médias empresas, o que pode ocorrer na forma de financiamentos disponibilizados em condições mais vantajosas em relação àquelas usuais de mercado.

Esse é também um tema sensível nessa área econômica, uma vez que os níveis de rentabilidade da agricultura e da pecuária são, usualmente, baixos. A despeito disso, são várias as unidades de produção, envolvendo um grande número de pessoas que vivem nas áreas rurais.

Ora, a manutenção dessas pessoas e dessas famílias em suas regiões representa um objetivo social, ademais de econômico. Assim, a existência de incentivos que sejam oferecidos a esses estabelecimentos agrícolas, em especial pela existência de financiamentos com juros de alguma forma mais reduzidos, tornou-se, em verdade, uma regra para a maioria das nações.

Restrições à concorrência podem existir, ademais, na forma de criação de barreiras fitossanitárias entre os países ou entre regiões de um mesmo país. Com efeito, o trânsito de produtos agrícolas e pecuários pode ser justamente impedido, proibindo-se a aquisição de bens oriundos de áreas infectadas e que possam representar o risco da propagação de doenças. Para tanto, a tecnologia que permite o rastreamento de produtos é um aliado importante e que garante uma maior eficácia em tais controles.

Regras de segurança alimentar, por outro lado, podem também justificar medidas de restrição ao comércio de gêneros específicos, nos quais baixos padrões de vigilância sanitária ou o uso de componentes nocivos à saúde sejam constatados. Nesse campo, aplicam-se as normas que impõem a rotulagem dos produtos, de modo que o consumidor possa obter informações claras sobre a composição de determinado alimento, seus riscos à saúde e demais características.

Além disso, é possível estabelecer controles à comercialização de gêneros agrícolas relacionados ao emprego de determinadas técnicas de produção que se afastem de práticas reprováveis, tais como o uso indevido do trabalho infantil, o desrespeito às regras básicas das relações trabalhistas, dentre outras.

Por fim, métodos de produção que respeitem normas de proteção ambiental e de bem-estar animal também podem ser impostos como restrições válidas à concorrência empresarial.

De toda forma, aqui vale a máxima segundo a qual exceptiones sunt strictissimae interpretacionis. Assim, devem sempre prevalecer as situações que garantam a possibilidade da circulação de bens e de serviços de modo amplo, a menos que as exceções reconhecidas como válidas e interpretadas de modo estrito tenham a sua aplicação justificada.

Para tanto, nada mais fazem as ditas exceções do que confirmar a regra e o princípio segundo o qual a concentração dos mercados no agronegócio deve ser coibida no limite do possível.

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