Controle da pauta

Carf muda regimento e recria turmas especiais para julgar casos menores

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7 de julho de 2017, 16h25

O Ministério da Fazenda fez mais uma minirreforma do Regimento Interno do seu Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf). Segundo portaria publicada no Diário Oficial da União desta sexta-feira (7/7), o presidente do órgão fica com mais poder sobre o conselho, e os conselheiros representantes dos contribuintes ficam em situação ainda menos isonômica em relação aos representantes do Fisco.

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Carf volta a ter turmas especiais para julgar casos que discutem valores baixos.

A principal mudança foi a criação das turmas extraordinárias. Cada seção terá uma, composta de quatro conselheiros suplentes, para julgar processos que discutem autuações de até 60 salários mínimos. Por ordem do presidente, o limite pode ser esticado para até 120 salários. Considerando o salário mínimo para 2017, de R$ 937, as extraordinárias julgarão processos de até R$ 56,2 mil.

Foi uma recriação das turmas especiais, extintas na reforma de 2015 do regimento do Carf depois da deflagração da operação zelotes para investigar denúncias de corrupção e venda de decisões no Carf. Entre os fatos descobertos, afirma o MPF em suas denúncias, está o uso das turmas especiais para emplacar teses favoráveis a empresas e criar precedentes favoráveis e forçar a subida de recursos ao Conselho Superior de Recursos Fiscais (CSRF), órgão máximo do Carf.

Pelas regras do conselho, o CSRF só pode julgar recursos se houver conflito jurisprudencial nas câmaras baixas. As turmas especiais, segundo o MPF, eram usadas para criar precedentes favoráveis, mas que passavam despercebidos — elas só julgavam casos que discutissem menos de R$ 1 milhão.

Com as novas turmas extraordinárias, a Fazenda tentou se precaver. Além de ter reduzido os valores máximos, a reforma desta sexta também estabeleceu que as decisões das extraordinárias não poderão ser usadas como precedente para admissibilidade de recursos no CSRF, observa o tributarista Breno Vasconcelos, sócio do Mannrich, Senra e Vasconcelos Advogados, ex-conselheiro do Carf e professor da Fundação Getulio Vargas.

Segundo ele, a reforma desta sexta deixou claro que o estoque venceu. O Carf fechou 2016 com 120,7 mil processos pendentes de julgamento, o que corresponde a R$ 633,5 bilhões em crédito tributário, segundo o Relatório de Gestão 2016 do Carf, divulgado em abril. Só que metade desse acervo são casos que discutem menos de R$ 25 mil. E 93% do acervo total são processos administrativos de menos de R$ 15 milhões. Os casos acima de R$ 1 bilhão são apenas 100.

“Parece uma solução inteligente para o estoque”, comenta Vasconcelos: criou-se uma forma de atacar os processos que mais pressionam o acervo enquanto libera as turmas ordinárias para julgar os casos mais relevantes. “Mas me preocupa a forma como isso será julgado. A portaria proíbe a concessão de vista, sob a justifica de que o voto do relator será publicado alguns dias antes. Isso é de uma violência à atividade jurisdicional tão grande”, lamenta o advogado.

O tributarista Ricardo Messetti, do Lavocat Advogados, também não gosta da medida. “Criaram o juizado especial do Carf”, diz, em referência ao limite do dinheiro para discussões nos juizados especiais federais. “Seria mais inteligente voltar com as turmas especiais, com o limite maior, para desafogar as turmas ordinárias desses processos menos relevantes.”

Concurso público
Outra mudança importante foi a previsão de “certame” para escolher os conselheiros dos contribuintes. Essa prova será convocada pelo presidente do Carf toda vez que as confederações responsáveis por indicar candidatos a conselheiros demorarem a fazê-lo. Não há mais detalhes sobre como esse “certame” vai funcionar.

Foi outra resposta. Hoje, os representantes dos contribuintes são indicados pelas confederações da sociedade civil, como a CNI, da indústria, ou a CNF, do mercado financeiro. As indicações são feitas por meio de listas tríplices, e os conselheiros são escolhidos por uma comissão de seleção, interna do Carf.

Mas as confederações não têm indicado candidatos a suprir as vagas, o que tem deixado as turmas de julgamento desfalcadas. O resultado foi o ajuizamento mandados de segurança na Justiça Federal reclamando da falta de paridade dos colegiados, já que faltam conselheiros dos contribuintes. Em alguns casos, houve liminares determinando a retirada de pauta de processos.

Pela regra da reforma, o presidente poderá convocar o concurso sempre que a falta de conselheiros por culpa das confederações. Antes disso, o Carf havia publicado um levantamento de todas as cadeiras vagas no conselho, e quem era o responsável por elas, numa forma de se defender das acusações de que a Fazenda estava influindo na composição do órgão para forçar vitórias.

"Ficou clara a intenção de tirar das confederações o controle sobre o processo de indicação de conselheiros", analisa Messetti. "Interessante é que para os representantes da Fazenda não há previsão de concurso. Mais uma vez, um tratamento não isonômico."

Breno Vasconcelos reclama também da falta de transparência da reforma desta sexta. “Fomos informados por meio do Diário Oficial de que o regimento interno mudou”, afirma. A reforma de 2015 foi feita por meio de consulta pública: o Ministério da Fazenda publicou uma minuta e sugestões podiam ser enviadas pela internet. Muitas delas foram aceitas, e artigos chegaram a ser descartados por causa de comentários feitos à minuta de regimento.

Clique aqui para ler a portaria que reforma o regimento do Carf.

*Texto editado às 19h17 do dia 7 de julho para correção de informação. O Regimento Interno do Carf já prevê a possibilidade de conselheiros aplicar a jurisprudência consolidada do Supremo.

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