Opinião

Primeiro passo para reformar Previdência é entender como ela funciona

Autor

  • Vilian Bollmann

    é juiz federal mestre em Ciência Jurídica pela Universidade do Vale do Itajaí (Univali). É autor dos livros Novo código civil: princípios inovações na parte geral e direito intertemporal; Juizados Especiais Federais: comentários à legislação de regência; Hipótese de Incidência Previdenciária e temas conexos; e Justiça e Previdência.

29 de janeiro de 2017, 6h29

“Por que tenho de contribuir para a Previdência mesmo já sendo aposentado?”, “Contribuí a minha vida inteira com X salários e agora só me aposentei com Y”, “Como pode ter prejuízo na Previdência se os juros de tudo que paguei seriam suficientes para vários anos de benefício?”. Essas são perguntas comuns de leigos (e de alguns juristas não especializados, diga-se) que revelam uma questão fundamental não compreendida sobre a Previdência Pública brasileira. São dúvidas rotineiras, mas que normalmente não recebem as respostas corretas e escondem valores culturais e desconhecimentos práticos que impedem uma discussão racional sobre a Previdência.

Todas elas partem da ideia (infelizmente) equivocada do senso comum de que as contribuições sociais são recolhidas em prol de algum fundo, comum ou individual, que, no futuro, geraria o benefício previdenciário. Isto é: as pessoas imaginam que as contribuições de hoje sustentarão as aposentadorias de amanhã e que os benefícios atuais são consequência das contribuições feitas no passado.

 Porém, não é isso que ocorre. O sistema brasileiro de Previdência Pública válido desde 1960 é o de Repartição Simples, ou seja, as contribuições de hoje pagam os benefícios atuais em manutenção. Quem está trabalhando está pagando os aposentados. As aposentadorias futuras serão pagas por quem estiver trabalhando no mercado formal no futuro. Não existe uma ligação entre passado e presente e nem entre o que alguém recolheu e o que ele vai receber no futuro. É um sistema que se funda na ideia de solidariedade entre quem está na ativa e quem está recebendo aposentadoria ou pensão e não na responsabilidade de gestão individual ou coletiva de um fundo para pagamento futuro dessas despesas.

Assim, para o bem ou para o mal, goste-se ou não do sistema, o que existe é um total arrecadado num mês e o total a ser pago naquele mesmo período. Logo, mesmo que está aposentado, mas ainda trabalha, continua a contribuir com base nesse salário para quem também está recebendo benefício. Como não há essa relação necessária entre contribuição e benefício, o valor deste poderia, em tese e jurídica e economicamente falando, ser inferior àquele, embora moralmente isso talvez fosse indefensável. Além disso, como não há fundo próprio, o déficit ou superávit não tem relação com as contribuições antigas, mas apenas com a quantidade de salários pagas formalmente e o total de aposentados atuais.

Por outro lado, essas perguntas revelam a necessidade de outros dois debates fundamentais que não estão sendo feitos na reforma previdenciária anunciada. O primeiro é mais filosófico e o segundo de cunho jurídico (decorrente do primeiro), mas ambos estão escondidos ou implícitos.

O primeiro é: se pudessem escolher, as pessoas gostariam que existisse essa ligação? Parece haver uma preferência por algum tipo de fundo para o qual as pessoas pudessem recolher e ter conhecimento sobre quando, como e por quanto se aposentarão. Isso refletiria, em certa medida, uma transferência emotiva que reduz a ideia de solidariedade para uma autorresponsabilidade.

A segunda questão é que, se correta a análise acima, deve-se deixar claro que a reforma em discussão no Congresso não adere a este modelo, mantendo o atual de repartição, no qual, em regra, só existem fundos para quem adere a uma Previdência Privada (fundo individual) ou para os servidores públicos atingidos pela Emenda Constitucional 41, de 2003 (fundos coletivos).

A Emenda Constitucional em discussão no Legislativo pretende sanar alegados déficits atuais e futuros reproduzindo o modelo de repartição, que, numa mudança da pirâmide etária e de crescente informalização do mercado de trabalho, podem não ser sustentáveis a longo prazo.

Para evitar prejuízos aos trabalhadores que estão no mercado de trabalho atual, uma alternativa viável que teria regime de transição mais suave seria o de criar um fundo coletivo para os futuros trabalhadores e suas aposentadorias, gerando, para eles, a desejada ligação entre contribuição e benefício. Assim, por exemplo, considerando que os jovens estão ingressando no mercado de trabalho atualmente são, em regra, nascidos após o ano 2000, poderia ser acrescida à reforma a previsão de um regime novo para eles, fundado na capitalização individual de suas contribuições, mantendo-se as demais contribuições sociais para o pagamento dos benefícios em manutenção sob o regime de repartição. Outra alternativa seria a adoção progressiva e híbrida desse modelo, no qual o valor do benefício fosse proporcional ao tempo no regime atual e ao recolhido no fundo coletivo em conta individualizada. Se alguma dessas opções fosse concretizada com a possibilidade de acompanhamento mensal do trabalhador e fiscalização adequada das aplicações dos fundos, haveria não só maior transparência e qualidade de informação para o segurado, como também seriam evitados eventuais desvios orçamentários das contribuições feitas.

De qualquer sorte, independente de qual opção seja a do leitor e de qual reforma venha a ser discutida e eventualmente aprovada, o fundamental neste tema é compreender como o sistema de fato funciona (e não como equivocadamente se imagina) para, então, criticá-lo e aperfeiçoa-lo nos limites impostos pela Constituição.

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    é juiz federal, mestre em Ciência Jurídica pela Universidade do Vale do Itajaí (Univali). É autor dos livros Novo código civil: princípios, inovações na parte geral e direito intertemporal; Juizados Especiais Federais: comentários à legislação de regência; Hipótese de Incidência Previdenciária e temas conexos; e Justiça e Previdência.

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