Segunda Leitura

Gestão de pessoas no serviço público judiciário é um desafio necessário

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29 de janeiro de 2017, 7h05

“Somente as modificações internas, se
bem que vindas de fora, renovavam
em mim o mundo exterior.”
[1]

O homem do século 21, em decorrência das modificações tecnológicas, passa a viver em um ambiente que oferta capacidade para elevar a quantidade de trabalho prestado em patamares de alta eficiência. A máquina pública passa a deter papel crucial em nosso dia a dia, e o cidadão conclui, acertadamente, ser peça fundamental na entrega do serviço, passando a exercer cobranças com mais ênfase. Nesse passo, um atendimento adequado, com a plena satisfação do consumidor, passa a ser o diferencial nas empresas privadas, exigindo também uma evolução no serviço prestado pelo setor público, cobrado, então, no mesmo nível.           

Na administração pública, a função primordial é a prestação de serviços, buscando alcançar o bem comum. Na seara do Judiciário, a finalidade é a entrega da prestação jurisdicional de modo célere e eficaz. Entretanto, mesmo com o crescimento da máquina pública nos últimos anos, a morosidade, aliada a uma acentuada queda na qualidade dos serviços, vem criando embaraços ao conceito do Judiciário ante a opinião pública. Nota-se, dessarte, a ineficácia do incremento sem a contrapartida de uma efetiva racionalização dos trabalhos, com a adoção de novas rotinas e práticas voltadas ao aceleramento dos serviços, evitando-se majoração de despesas e acentuando uma melhor gestão daqueles, com foco, notadamente, no capital humano, juízes e servidores.

As organizações são constituídas de pessoas e dependem do trabalho delas para o encaminhamento adequado de suas funções, razão pela qual urge o desenvolvimento de técnicas de administração focadas na gestão de pessoas, para uma melhoria na prestação do serviço público, cujo grande desafio é, exatamente, a questão da atividade gerencial, afinal, as demandas sociais são cada vez mais fortes, enquanto os recursos financeiros são mais exíguos, pelo que necessário o desenvolvimento da capacidade de gerenciamento do recurso humano.

Necessária a evolução do pensamento, na certeza de que a distribuição da Justiça, atividade-fim, deve passar por uma maior valorização da atividade-meio, a gestão, com juízes e servidores motivados e satisfeitos em servir ao público. Por sorte, no Judiciário, o Conselho Nacional de Justiça entendeu tal necessidade, como forma de aprimoramento do serviço, e deu ênfase à questão em diversas formas, ao passo que muitas cortes espalhadas pelo país se debruçam de modo mais devagar sobre a questão da gestão por competências, em decorrência de uma variada série de desafios.

Mudanças nunca são simples para o ser humano e encontram mais empecilhos na administração pública, em razão da necessária modificação de métodos de trabalho, por vezes superados, e que passam a mostrar a acomodação de muitos, sobretudo dos que resistem à inovação, em decorrência de conservadorismo ou dificuldade em se deparar com o desconhecido. Nossas instituições públicas, exatamente em razão desse pensamento, estão ultrapassadas. Conforme Peter Ducker, o serviço público “precisa estar organizado para o abandono sistemático de tudo aquilo que é estabelecido, costumeiro, conhecido e confortável, quer se trate de um produto, um serviço ou um processo, um conjunto de aptidões, relações humanas e sociais ou a própria organização”[2].  

Entretanto, na maioria das organizações públicas brasileiras, a área voltada aos recursos humanos não desempenha papel significativo no delineamento das estratégias e diretrizes das instituições. A própria Constituição Federal, em seu artigo 37, por meio da Emenda Constitucional 19/98, abriu caminho à atuação na área de gestão, ao incluir entre os princípios da administração pública a eficiência, passando a enfatizar os meios pelos quais os programas devem ser utilizados.

Curial uma migração, mesmo que lenta, do modelo técnico-burocrático para algo mais moderno, com melhor distribuição de funções e horizontalização do poder interno, que passe a mirar o usuário, preste melhor atendimento e qualifique o serviço. O Judiciário não se pode furtar a tais mudanças, devendo a questão de gestão ser um compromisso do presente e do futuro, mesmo diante da ciência de que as direções das cortes mudam a cada dois anos, porquanto a instituição permanece, pelo que os valores deveriam ser pensados para um período definido, com ajustes pontuais, amoldados à ocupação das cadeiras pelos dirigentes eventuais.

Hodiernamente, quem administra deve lançar mão do possível para o seu aprimoramento, atuando de forma a mobilizar os servidores em torno da necessidade de mudanças que auxiliem na formação de um ambiente de trabalho menos autoritário e com maior enfoque na colaboração. Nesse sentido, o juiz, cada dia mais, atua como um gestor, de modo que, treinado para tanto, deve diminuir a rígida hierarquia por um modelo mais democrático, até porque, para que uma unidade judiciária ande bem, os servidores precisam ter tranquilidade e incentivo para bem desempenhar o seu múnus público.   

No específico caso do Judiciário, a figura central é o juiz, que, grosso modo, é cativo de valores burocráticos, reproduzindo o pouco atuar coletivo na administração de suas unidades, sem observar ser imprescindível moldar os que atuam nas varas para enfrentar novos desafios, uma nova cultura. “Para levar a sua serventia à excelência, o juiz deve ter espírito empreendedor, aceitar desafios, assumir riscos e possuir um senso de inconformismo sistemático.”[3]  

Uma gestão eficaz de pessoas traz consigo a necessidade de reciprocidade, que deve conectar o investimento humano a um retorno nas esferas profissional e pessoal de maneira razoável. Como no serviço público pátrio, a questão remuneratória também não possui qualquer planejamento prévio, urge um alinhamento dos interesses, o que torna ainda mais difícil a atuação gerencial e mais instigante a capacidade de ajustes direcionados a um bom encaminhamento do serviço.  

Caberá ao gestor encontrar uma forma de incentivo não financeiro, eis que, nessa seara, a questão recai sobre a administração central, a fim de que os objetivos individuais sejam uniformes com os da organização. A busca pela eficácia é fator crucial para que o serviço público, mormente o Judiciário, apresente bons resultados ao destinatário maior do seu serviço, a sociedade.


[1] Proust, Marcel. Em Busca do Tempo Perdido. A Prisioneira.
[2] Ducker, Peter F. Administrando em tempos de grandes mudanças. São Paulo: Pioneira Thomson Learnig, 2006, pag 44.
[3] Serra, Luiz Umpierre de Mello. Gestão de Serventias. FGV RIO, 2006, pag 8.

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