Mudança de paradigma

Operadores do Direito e sociedade civil se unem para reduzir número de presos no RJ

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27 de janeiro de 2017, 19h35

Com o objetivo de reverter o crescimento da população carcerária do Rio de Janeiro, entidades de profissionais do Direito, grupos de estudos de universidades e movimentos sociais lançaram nesta quinta-feira (26/1), na capital fluminense, a Frente Estadual pelo Desencarceramento.

Flavia Freitas
Maíra Fernandes e Pedro Strozenberg defenderam a redução da população carcerário do Estado do Rio de Janeiro
Flavia Freitas

Entre as instituições que integram a coligação estão a seccional do Rio de Janeiro da Ordem dos Advogados do Brasil; o Instituto dos Advogados Brasileiros; a Associação Juízes para a Democracia; a Ouvidoria da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro; a Subcomissão Estadual da Verdade na Democracia; a Justiça Global; o Conselho Penitenciário do Estado do Rio de Janeiro; a Comissão de Defesa dos Direitos Humanos e Cidadania da Assembleia Legislativa fluminense, bem como seu presidente, o deputado estadual Marcelo Freixo (Psol).

Em seu manifesto, a organização afirma que os massacres e rebeliões ocorridos em prisões de Manaus, Boa Vista e Natal “desnudaram a lastimável situação em que se encontra o Sistema Penitenciário Brasileiro”. Atrás das grades, as pessoas “sobrevivem em condições desumanas, sem acesso à água potável, cama, vestimenta limpa, itens de higiene pessoal, atendimento médico e jurídico, remédios, atividades físicas ou intelectuais, dentre outras precariedades”.

Diante desse cenário, é preciso que o “modelo superencarcerador” do Brasil seja revisto, aponta a frente, destacando que essa readequação deve girar em torno de uma política de desocupação das prisões. Segundo a entidade, a superlotação do sistema carcerário brasileiro se deve mais ao “uso desmedido da pena de prisão como primeira e única resposta à ocorrência de fatos tidos por criminosos” do que à insuficiência de varas em penitenciárias.

O Rio de Janeiro é um exemplo disso. De acordo com a Frente Estadual pelo Desencarceramento, entre janeiro de 2004 e dezembro de 2016, foram criadas 9.521 vagas em unidades prisionais do estado, o que deveria ser suficiente para compensar o déficit de 6.341 postos existentes no fim de 2003 e fazer frente ao crescimento da população carcerária no período, se este tivesse acompanhado o do povo brasileiro.

Contudo, a entidade ressalta que o número de detentos do Rio subiu de 24.062, no final de 2003, para 50.482, um aumento de 109,8%, “ou quase 10 vezes a taxa de crescimento vegetativo da população fluminense em geral, que, segundo o IBGE, teria sido de 11,8%”.    

“Portanto, não há como se falar, no caso específico do estado do Rio de Janeiro, de inércia por parte do Poder Público na expansão de seu parque penitenciário. Ao contrário, o que se viu por aqui, com especial ênfase a partir do ano de 2011, foi um incremento sem precedentes na taxa de encarceramento adulto e juvenil, produto de uma política de segurança pública quase que exclusivamente pautada na repressão penal, e que vem consumindo fatias cada vez maiores do orçamento público, sem qualquer ganho em termos de redução da criminalidade”, argumenta a frente.

O problema é que seriam necessários R$ 900 milhões para zerar esse excedente de presos, conforme estimativa do Ministério Público do Rio de Janeiro. Esse valor é R$ 100 milhões superior ao que o governo federal prometeu repassar para a construção de um novo presídio em cada estado. Pior: como cerca de 5 mil pessoas passam a integrar a população carcerária fluminense anualmente, seria preciso construir seis cadeias por ano para manter o sistema funcionando razoavelmente, diz a Frente Estadual pelo Desencarceramento.

“Portanto, além de inútil para o propósito de combater a criminalidade, a simples construção de novas unidades prisionais apenas contribuiria para levar o estado a uma situação financeira ainda mais grave do que aquela em que ele já se encontra, principalmente se considerarmos o elevado custo associado à manutenção desses novos milhares de presos, num contexto em que os que lá já estão mal têm condições de comer e beber de forma suficiente para sobreviver.”

Dessa forma, a coligação sustenta que, a curto prazo, a única maneira de alterar esse quadro é decretando uma moratória no sistema prisional fluminense. Assim, só seriam aceitos novos detentos conforme outros deixassem as penitenciárias. A médio e longo prazo, seriam fixadas metas de redução da população carcerária até que o número de presos se igualasse ao de vagas hoje existente.

Propostas de ação
A Frente Estadual pelo Desencarceramento lista 22 propostas de ação em sua carta base de princípios. Entre elas o desmembramento da Vara de Execuções Penais, a expansão das audiências de custódia e a reativação dos conselhos da Comunidade do Rio de Janeiro e Niterói.

Outras sugestões são o fortalecimento das centrais de Penas e Medidas Alternativas, a substituição do modelo manicomial de medidas de segurança pelo antimanicomial, e a proteção da população feminina e LGBT nos presídios.

Além disso, o grupo deseja promover um debate crítico sobre a guerra às drogas, “de modo a avançar no sentido do fim de tal falida e danosa política, principal causa do encarceramento massivo e da violência”. Atualmente, 28% dos encarcerados são acusados de tráfico de drogas, conforme dados do Ministério da Justiça.

Evento
A criminalista Maíra Fernandes, ex-presidente do Conselho Penitenciário do Estado do Rio de Janeiro, afirmou à ConJur que a Frente Estadual pelo Desencarceramento visa melhorar as condições dos detentos e mudar a cultura punitivista baseada quase que exclusivamente na pena de prisão.

“A Frente Estadual pelo Desencarceramento surge da angústia de entidades e organizações diante do caos carcerário em todo o país e, especialmente, no Rio de Janeiro. Não podemos ficar de braços cruzados diante de um quadro tão preocupante, de superlotação carcerária e consequente ausência de condições mínimas de sobrevivência nos presídios fluminenses. Falta tudo: saúde, água, alimentação adequada, higiene e, claro, segurança. Nossa intenção é contribuir para que medidas urgentes sejam tomadas pelos Poderes Executivo e Judiciário em nosso estado, e todas passam pelo necessário desencarceramento, pela discussão sobre as excessivas prisões provisórias, pela lentidão para concessão de benefícios previstos em lei, pela política de drogas altamente encarceradora, dentre outros aspectos que sinalizamos na carta, com 90 assinaturas”, declarou a advogada.

Representando o IAB e a Caixa de Assistência dos Advogados do Estado do Rio de Janeiro, ela abriu o evento de lançamento da Frente Estadual pelo Desencarceramento na sede deste órgão da OAB-RJ ao lado do ouvidor da Defensoria Pública do Rio, Pedro Strozenberg. Este, por sua vez, disse à ConJur que a plataforma servirá para melhorar a reinserção dos presos na sociedade e a estrutura da Justiça Penal.

"Esperamos poder contribuir de forma crítica e qualificada com a agenda pública pelo desencarceramento, aportando sugestões, dados e percepções da sociedade civil neste campo. Dois caminhos já despontaram: uma especial atenção às contribuições de egressos e familiares do sistema penal e socioeducativo, e o diálogo e o acompanhamento da comissão formada pelos órgãos do sistema de Justiça, conversando e pressionado por medidas estruturantes e transformadoras", analisou Strozenberg.

Já a integrante da Subcomissão Estadual da Verdade na Democracia – Mães de Acari Noelle Resende avaliou que a força da frente está na atuação coletiva de diversos profissionais, ativistas e entidades que vêm lutando pela preservação dos direitos humanos de detentos.

"Todos esses atores estão se unindo para confrontar o superencarceramento, que é fruto de uma politica de segurança publica estruturalmente racista", apontou Noelle.

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Evento também teve a participação de Luiz Eduardo Soares, um dos autores do livro que virou o filme Tropa de Elite.
Flávia Freitas

Também participaram da cerimônia, entre outros, o ex-secretario Nacional de Segurança Luiz Eduardo Soares, a ex-diretora do Sistema Penitenciário do Rio de Janeiro Julita Lemgruber, o presidente da Caarj, Marcello Oliveira, a membro da Justiça Global Monique Cruz e a integrante do Mecanismo Estadual de Prevenção à Tortura Patricia Oliveira.

Clique aqui para ler a íntegra do manifesto de fundação e da carta base de princípios da Frente Estadual pelo Desencarceramento.

*Texto alterado às 21h49 do dia 28/1/2017 para acréscimo de informações.

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