Regra matemática

Mudança em indulto permitiu soltura de político preso por exploração sexual

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25 de janeiro de 2017, 19h06

As mudanças do Ministério da Justiça nas regras do indulto de fim de ano (Decreto 8.940/2016) permitiram a soltura do ex-prefeito de Coari (AM) Adail Pinheiro, condenado a 11 anos de prisão por explorar sexualmente crianças e adolescentes. A principal alteração no dispositivo de 2016, se comparado às delimitações de 2015, é a diferenciação entre crimes com grave ameaça ou violência e aqueles promovidos sem essas práticas.

O Poder Executivo tem a prerrogativa de estipular as condições anualmente. Nos anos anteriores, as regras tomavam com base as faixas de penas aplicadas. Em 2016, foram beneficiados presos condenados a até 12 anos de reclusão por crimes sem grave ameaça ou violência, desde que já tenham cumprido 1/4 da pena (primários) ou 1/3 (se reincidente).

Foi justamente essa mudança pretensamente mais rigorosa que garantiu a Pinheiro a liberdade. Esse fato é explicitado tanto no parecer do Ministério Público amazonense quanto pelo juiz responsável pela Vara de Execuções Penais, Luiz Carlos Valois.

“Compulsando o Decreto Prisional 8.940/16, que concede o indulto aos presos que se enquadrem nas suas disposições, verifica-se que de fato o apenado/requerente atende o exigido no referido decreto. Eis que o crime pelos quais foi condenado — art. 227, caput, 228, caput, e 229, caput, esses do CP [Código Penal] e 244-A do ECA [Estatuto da Criança e do Adolescente], não o foram praticados com grave ameaça ou violência, conforme decisão, transitada em julgado para o Ministério Público”, disse o promotor Álvaro Granja Pereira de Souza, que assinou o parecer.

“A pena aplicada e o período de pena cumprido, somados à ausência de infração disciplinar (requisito subjetivo disciplinado no artigo 9º do mesmo decreto) indicam que realmente o apenado preenche os requisitos do decreto, na forma do que já foi esclarecido nos autos, nesta decisão e no parecer do Ministério Público”, escreveu o juiz Valois, ao cumprir as determinações do indulto.

Fórmula clara
Condenado a 11 anos de prisão por exploração sexual de crianças e adolescentes, Pinheiro, segundo o parecer do MP-AM, preencheu os requisitos para passar a cumprir sua pena em regime semiaberto no dia 27 de outubro de 2015. Como a análise da progressão levou um ano, ocorrendo no dia 31 de outubro de 2016, a defesa do ex-prefeito destacou que seu cliente já teria direito ao regime aberto.

O MP-AM, no parecer, destaca que, como a pena foi reduzida para 10 anos e quatro meses porque um dos crimes citados na acusação — induzir alguém a satisfazer a lascívia de outrem (artigo 227 do CP) — prescreveu, o cumprimento de 1/6 da pena exigido para progressão ao regime semiaberto foi efetivado em julho de 2015, o que garante novo alívio da pena em dezembro de 2016.

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Norma pretende ser mais rígida, aplicável a menos casos do que em anos anteriores.
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Menos benefícios
Ao contrário do que mostra esse caso específico, o indulto publicado em dezembro de 2016, assinado pelo ministro da Justiça Alexandre de Moraes, tentou aparentar rigidez na aplicação da Lei Penal. Por exemplo, só receberam benefícios sobre a pena os presos que cometeram crimes graves com penas de até 8 anos.

Nesse caso o decreto determinou duas faixas de pena para concessão do indulto: até 4 anos, desde que cumprido 1/3 (primários) ou metade (se reincidentes); de 4 a 8 anos de reclusão, desde que tenha sido cumprida a metade da pena (primários) ou 2/3 (reincidentes).

Já a concessão de indulto para presos por crimes gravíssimos foi negada. Entram nesse quesito, por exemplo, pessoas com várias condenações por múltiplos homicídios simples ou roubos com uso de arma de fogo. Também foi excluída a comutação, que é a redução da pena quando não são alcançados todos os requisitos para o indulto.

Ficaram de fora ainda pessoas que cumprem penas restritivas de direitos, assim como o perdão para multas.

O indulto também acabou com a diferenciação de cumprimento de penas entre pais e mães. A outra mudança é a idade dos filhos usada como condição para o benefício. Se em 2015 eram liberadas as pessoas com filhos até 18 anos, agora, a idade caiu para 12. A exceção à regra continua condicionada à doença crônica grave ou deficiência que necessite de cuidados diretos.

No ano passado, tiveram indulto os pais presos que cumpriram um terço da pena, quando primários, e metade da pena se reincidentes. Já a regra das mães era de 1/4 da pena, quando primárias ou 1/3 se reincidentes.

Ideia perigosa
À ConJur, o defensor público Carlos Roberto Isa, coordenador do Núcleo de Situação Carcerária da Defensoria Pública de São Paulo, afirmou que as novas regras vão acentuar o encarceramento em massa ao restringirem o número de beneficiados significativamente.

Já a criminalista Maíra Fernandes, que foi presidente do conselho penitenciário do Rio de Janeiro, classificou o decreto divulgado de retrocesso gigantesco, principalmente pelo fim da comutação. “Essa possibilidade de redução da pena era uma esperança para o preso.”

A advogada se disse assustada com o teor do decreto, pois as mudanças restringiram demais a possibilidade de o preso conseguir o benefício. Disse ainda que as imposições do texto mostram desconhecimento do sistema carcerário brasileiro. “Me preocupa como o sistema penitenciário vai receber essa reforma.”

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