Opinião

A incidência do IOF em operações de cessão de crédito pro solvendo

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23 de janeiro de 2017, 12h15

Em 23 de novembro de 2016, a Receita Federal do Brasil, por meio do Ato Declaratório Interpretativo número 11, declarou as operações de cessão de crédito pro solvendo celebradas com Instituições Financeiras sofrem incidência do imposto sobre Operações de Crédito, Câmbio e Seguros ou Relativas a Títulos ou Valores Mobiliários (IOF), vulgarmente e erroneamente denominado como Imposto sobre Operações Financeiras. Declara o ato infra legal:

Art. 1º A operação de cessão de direitos creditórios na qual figure instituição financeira na qualidade de cessionária sujeita-se à incidência do Imposto sobre Operações de Crédito, Câmbio e Seguros ou Relativas a Títulos ou Valores Mobiliários (IOF) sobre operações de crédito, estejam os créditos cedidos corporificados ou não em títulos de crédito, sempre que a operação seja realizada com o intuito de fornecer crédito ao cedente. Parágrafo único. Deve estar presente no contrato de cessão de crédito cláusula de coobrigação ou, ausente tal cláusula de maneira expressa, o arranjo jurídico e negocial estabelecido entre as partes deve ter sido configurado de tal forma que o cedente responderá, ao final, pela eventual inadimplência do sacado/devedor original.

Art. 2º Ficam modificadas as conclusões em contrário constantes em Soluções de Consulta ou em Soluções de Divergência emitidas antes da publicação deste Ato Declaratório Interpretativo (ADI), independentemente de comunicação aos consulentes.

Antes mesmo deste ato, havia outro ato infralegal, Solução de Consulta número 25, de 23 de janeiro de 2014:

ASSUNTO: IMPOSTO SOBRE A RENDA DE PESSOA JURÍDICA – IRPJ CESSÃO DE CRÉDITOS. INSTITUIÇÃO FINANCEIRA. INCIDÊNCIA. REFORMA A SOLUÇÃO DE CONSULTA SRRF08/DISIT Nº 110, DE 2008. Não incide o IOF nas operações de cessão, sem coobrigação, de direitos creditórios decorrentes de vendas a prazo, quando o cessionário for instituição financeira. Todavia, quando do estabelecimento de cláusula de coobrigação do cedente (ou seja, em operações de cessão de direitos creditórios a instituição financeira com coobrigação), incide o IOF/Crédito sempre que restar a operação caracterizada como desconto de títulos, na forma estabelecida pela Solução de Divergência Cosit no 16, de 2011. Dispositivos Legais: Decreto nº 6.306, de 14 de dezembro de 2007, art. 2o, inciso I, alíneas "a" e "b" e art. 3o, §3o; Lei nº 9.532, de 10 de dezembro de 1997, art. 58; Lei nº 9.249, de 26 de dezembro de 1995, art.15, §1º, inciso III, alínea d.

As manifestações administrativas não surpreendem, dois são os motivos, em primeiro, a classificação de que o tributo sobre operações de crédito, cambio, seguro e valores ou títulos mobiliários é extrafiscal, isto é, é um tributo criado para estimular ou desestimular a economia, este entendimento, muitas vezes, motiva a administração pública a vê-lo como um tributo pode tudo.

Em segundo lugar, derivado da primeira razão, é a utilização do tributo como meio de melhorar a arrecadação e a fiscalização dos contribuintes, por meio dele a administração acaba obtendo um meio, não completo, muito menos legal, mas eficiente, em obter o faturamento dos contribuintes, bem como, em períodos de crise, cobrir quedas de arrecadação em outros tributos de maior complexidade.

Adiciona-se outro fator para contribuir com a extrapolação legal da administração tributária, a pouca relevância no estudo cientifico do tema; erroneamente denominado como imposto sobre operações financeiras.

O professor Roberto Quiroga[1], ao descrever o Imposto instituído pelo artigo 153, inciso V[2], adverte, o tributo do dito artigo, na realidade, são quatro: i. imposto sobre operação de crédito; ii. operação de cambio; iii. imposto sobre operação de seguro e; iv. operações com títulos ou valores mobiliários.

Ou seja, não se trata de uma tributação indistinta a toda operação financeira. Deveriam ser objeto de tributação as operações contidas na exação constitucional[3].

No entanto, conforme o dito popular, o uso do cachimbo entorta a boca, parece ter ganhado contornos máximos no caso do IOF. Contribuindo dia a dia para o equivoco nas conclusões sobre o tema.

O saudoso professor Geraldo Ataliba, sempre manteve uma máxima em suas palestras e livros, o estudioso do Direito Tributário inicia o estudo a partir do Código Tributário Nacional, uma inversão observada em pareceres, sentenças, artigos, trata-se de uma indisciplina mental, uma subversão do sistema.

Sorte do professor não presenciar a utilização de normas infralegais para permearem e balizarem o estudo do Direito Tributário. Atualmente o estudo do direito tributário se inicia em portarias, consultas, instruções normativas, atos declaratórios e interpretativos.

Foi este raciocínio equivocado que gerou a frase absurda: “não temos provas, mas temos convicção”. Foi o direito tributário, por meio da sua linguagem adequada que tornou o fato X em hipótese Y. Por quê? Porque o estado brasileiro trabalha com presunções, porque o estado brasileiro é uma entidade preguiçosa, porque o estado brasileiro é inoperante, porque o estado brasileiro não se importa com regras — não se pode falar em norma, algo que para o estado brasileiro é taxado de utopia —, porque o estado brasileiro não tem um plano, não tem estratégia, não tem objetivo.

O estado brasileiro trabalha como o carnaval de rua, faz assim, se não der certo tentamos assado só que de outra forma, recendo o questionamento, qual o objetivo? E o organizador do estado responde, não sei, só sei que é assim[4].

Isto é, não há a menor ideia de qual caminho seguir, qual o objeto seguir. Lógico, alguém dirá, mas a Constituição de 1988 estabelece o objeto da Nação Brasileira. Ora, a Constituição de 1988 nunca foi e nunca será objetivo para um estado que diante de uma anormalidade admite a exceção, trata situações excepcionais com medidas excepcionais. Quando o instituidor das regras age a margem delas em busca de um bem maior, nada, absolutamente nada, contido neste documento solene poderá salvar a população.

Exemplo expresso desse caos sistemático foi observado em 1998, o Governo brasileiro, achou injusto o IOF não incidir sobre operações de cessão de crédito celebradas com empresas de factoring[5], já que os bancos poderiam ser prejudicados com a concorrência, portanto, de forma Jaboticabal, o governo, mesmo sem a previsão constitucional, instituiu o Imposto sobre Operações de Cessão de Crédito celebradas com a empresa de factoring, há quem defenda se tratar de empréstimo, a nomenclatura das operações e a sua colocação no sistema demonstram que não é o caso.

Passados anos, o governo brasileiro, analisando a cessão de crédito celebrada entre pessoas físicas/pessoas jurídicas e instituições financeiras (bancos) entendeu que, “na verdade”, existindo coobrigação do cedente em adimplir a obrigação, é uma operação de crédito, ou seja, um empréstimo simulado.

O tema mereceria um tratado de direito para explicar que cessões de crédito são contratos típicos e os contratos de empréstimo (mutuo) também, as suas naturezas jurídicas são diametralmente opostas, a função social é distinta, as partes são distintas, mas o estado brasileiro resolveu por linguagem inadequada que era um empréstimo.

Além disso, seria de bom tom, neste tratado, descrever aos administradores fiscais deste país sobre a impossibilidade do direito tributário alterar naturezas jurídicas, alterar conceitos, alterar fatos por meio da linguagem administrativa inadequada.

No entanto, seria debater com o personagem de Ariano Suassuna; isso eu não sei, só sei que é assim; portanto, deveríamos debater no judiciário, afinal, o sistema depende deste Poder para ser estável, e quem melhor do que o Supremo Tribunal Federal[6] para determinar a supremacia das normas constitucionais, não podendo o Poder Executivo tergiversar o sistema para atender aos seus interesses ou prejudicar os interesses do seu adversário, para beneficiar este grupo de empresários “amigos” ou prejudicar os empresários “amigos” do seu adversário, há esperança, mesmo que remota.

Isto demonstra a falência do sistema jurídico brasileiro, iniciada no direito tributário e alçando voos para outros feixes do direito, é mister estancar as feridas, urgentemente, sob pena de entrarmos definitivamente no direito pré-histórico, no direito de vingança, no direito da moral e dos bons costumes. Alguns consideram que já estamos neste momento, com otimismo, acredita-se que há juízes, promotores, advogados e membros da sociedade dispostos a frear o direito dos resumos, o direito superficial, o direito do “botequim”, o direito, que no final, é o baluarte do autoritarismo.

Assim, não é possível concordar com os estudiosos do direito tributário crentes na saída pela mitigação da legalidade, posição oposta deve prevalecer, surgindo mais legalidade, mais normas cogentes, sob pena, de tentar beneficiar a economia e a arrecadação, o sistema se torna uma arma — acredito que já é uma realidade — poderosa nas mãos de administradores que não são gênios e santos, parafraseando Augusto Becker[7], e pior, tal escola mitigadora de direitos transbordam o direito tributário e atingem o direito constitucional, gerando a instabilidade do sistema inteiro, tudo porque desejava uma arrecadação maior, uma presunção inverídica ou uma discricionariedade mais larga.

Ao anunciar que a cessão de crédito pro solvendo é uma operação que compõe os requisitos constitucionais, a administração pública tributária, margeando o texto constitucional, cria nova hipótese de incidência por meio de ato administrativo, neste ato, a Receita Federal revogou o artigo 153, inciso V, da Constituição da República, bem como revogou os artigos 286 até 298, seção que trata da Cessão de Crédito, no Código Civil e os artigos 586 até 592, seção que trata do mutuo, no Código Civil.

Espera-se, abertas as portas do Poder Judiciário para dirimir eventuais demandas sobre o tema, o objeto de analise do órgão judicante seja a Constituição, o Código Tributário Nacional, o Código Civil, e não a inversão combatida desde o inicio do estudo do direito tributário brasileiro, por Geraldo Ataliba e Augusto Becker, aquela inversão mental abjeta, motivando subjetivismos, gerando o combatido e sempre não desejável autoritarismo.


[1] Tributação no mercado financeiro e de capitais. São Paulo, Dialética, 1998.
[2] Art. 153. Compete à União instituir impostos sobre: (…)V – operações de crédito, câmbio e seguro, ou relativas a títulos ou valores mobiliários;
[3] Destaca-se a falta do adjetivo financeiro do negócio jurídico de seguro e cambio, pois apesar de vulgarmente serem denominadas operações financeiras, parece não existir o adjetivo qualificador financeira nestas operações.
[4] Frase dita a exaustão na obra Auto da Compadecida, de Ariano Suassuna, 1955.
[5] Elaborarei um artigo sobre o tema em breve.
[6] Adin 1763, julgamento unanime pelo indeferimento da liminar, julgado no ano de 1998 e até hoje não se decidiu o mérito: EMENTA: IOF: incidência sobre operações de factoring (L. 9.532/97, art. 58): aparente constitucionalidade que desautoriza a medida cautelar. O âmbito constitucional de incidência possível do IOF sobre operações de crédito não se restringe às praticadas por instituições financeiras, de tal modo que, à primeira vista, a lei questionada poderia estendê-la às operações de factoring, quando impliquem financiamento (factoring com direito de regresso ou com adiantamento do valor do crédito vincendo – conventional factoring); quando, ao contrário, não contenha operação de crédito, o factoring, de qualquer modo, parece substantivar negócio relativo a títulos e valores mobiliários, igualmente susceptível de ser submetido por lei à incidência tributária questionada.
[7] Teoria Geral do Direito Tributário.

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