Opinião

Teori tinha a desafetação intelectual de quem sabe o que está falando

Autor

  • Luís Roberto Barroso

    é ministro do Supremo Tribunal Federal professor titular de Direito Constitucional da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e professor visitante do Centro Universitário de Brasília (UniCEUB).

22 de janeiro de 2017, 10h40

*Artigo originalmente publicado no jornal Folha de S.Paulo deste domingo (22/1) com o título Uma trapaça da sorte.

"Quem faz grandes coisas,
E delas não se envaidece,
Esse realiza o céu em si mesmo"
Lao Tsé, Tao Te Ching

É muito difícil fugir do lugar comum nos momentos de perdas trágicas. A impermanência é o símbolo maior da nossa humanidade. A morte, a única certeza plena dessa vida. Pode acontecer a qualquer um, a qualquer momento. Mas nunca é hora. O Brasil, o Supremo e os amigos não estavam preparados para viver sem Teori Zavascki.

Subitamente, nos demos conta de como precisávamos dele. Discreto, avesso a holofotes, Teori ficaria imensamente incomodado com a comoção que causou e a atenção que está recebendo.

Não foram poucas as decisões emblemáticas que passaram por suas mãos em tempos recentes. Entre elas, a possibilidade de execução da pena após a condenação em segundo grau; o afastamento da presidência da Câmara dos Deputados de parlamentar sob acusações graves; a prisão de um senador da República acusado de interferir com investigação em curso. Para citar as que tiveram mais visibilidade.

O Brasil vive um momento difícil e grave. Parece haver uma conspiração de circunstâncias negativas. Mas é possível, também, interpretar os acontecimentos como uma virada histórica na direção de um país melhor e maior.

Teori tinha essa percepção, e supervisionava a operação "lava jato" aristotelicamente: com virtude, razão prática e coragem moral. Continuar o trabalho de mudar o patamar ético do Brasil, com a mesma determinação e serenidade, será a forma mais digna de homenageá-lo.

Teori foi também um professor de primeira linha, que ensinou por muitos anos na Universidade Federal do Rio Grande do Sul e produziu alguns livros clássicos. Há poucos meses, por insistência minha, ele havia se integrado ao Programa de Pós-Graduação do Centro Universitário de Brasília (UniCEUB), onde lecionaríamos juntos. Também lá fará uma falta imensa.

Enfim, caberá ao noticiário enumerar os fatos da sua vida pública e de sua trajetória como magistrado e acadêmico. Aproveito o espaço que resta para um breve depoimento pessoal.

Éramos amigos próximos, mas recentes. Fomos nomeados para o Supremo Tribunal Federal com poucos meses de distância. Antes de virar juiz, estive despachando com ele diversas vezes, postulando direitos que me pareciam legítimos.

Admirava-o tanto pela cortesia e consideração com que tratava advogados anônimos quanto pela nossa fraterna e espirituosa convivência no tribunal. A gente na vida ensina sendo. Teori Zavascki era um bom exemplo disso.

Teori tinha a simplicidade das pessoas profundas. O senso de humor de quem é verdadeiramente sério. A desafetação intelectual de quem sabe bem do que está falando. Amigo é a pessoa com quem você pode simplesmente ficar calado, contar uma derrota ou chorar mágoas. Seguro de ouvir uma palavra de alento de um interlocutor de boa-fé.

Teori era mais de prudências do que de ousadias. Mais de tradições do que de modernidades. Talvez, por isso mesmo, de uma forma dialética e afetuosa, nos completávamos.

Não faz muitas semanas que eu disse a ele, em plenário: "O país teve muita sorte de tê-lo como relator da 'lava jato'". Com o estilo de sempre, e um sorriso maroto, respondeu: "Quem não teve sorte fui eu". Olhando agora, a constatação é inevitável: nenhum de nós teve.

Sentado em um restaurante longe de casa, devastado de tristeza, a comida esfriando na minha frente, escrevo essas palavras como quem chora. Com tinta, em vez de lágrimas. Ajude-nos aí de cima, amigo.

Autores

  • Brave

    é professor titular de Direito Constitucional da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e professor visitante da Universidade de Brasília (UnB). Mestre em Direito pela Yale Law School, Doutor e Livre-Docente pela UERJ, e Visiting Scholar – Harvard Law School (2011).

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