Pesquisador x academia

Desenvolvedor da "pílula contra o câncer" enfrenta ataques da USP na Justiça

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16 de janeiro de 2017, 11h55

Responsável por desenvolver a fosfoetanolamina sintética, conhecida como “pílula contra o câncer”, o químico Gilberto Chierice vem enfrentando, na Justiça, ataques da Universidade de São Paulo. A proeminência que Chierice angariou nacionalmente por conta da produção da substância que alegava auxiliar no tratamento do câncer incomodou a instituição: a reitoria abriu uma ação acusando o professor de curandeirismo e abriu processo administrativo para cassar sua aposentadoria.

O químico trabalhou como professor e pesquisador na instituição por 37 anos e se aposentou em 2013. Por enquanto, venceu nas duas batalhas contra a USP no Judiciário. A 3ª Vara Criminal da Comarca de São Carlos (SP) arquivou processo que corria em segredo de Justiça no qual a reitoria da universidade denunciou para a Polícia e Ministério Público que Chierice praticaria curandeirismo.

Quanto ao processo administrativo, a 4ª Vara da Fazenda Pública da Comarca de São Paulo, acaba de conceder liminar suspendendo, por fundamentação insuficiente, o processo administrativo disciplinar, instaurado pelo reitor, para cassar a aposentadoria do professor.

Segundo informações do site Direto da Ciência, ao conceder a liminar que suspendeu o processo, o juiz Antonio Augusto Galvão de França considerou insuficientes as informações da portaria do reitor Marco Antonio Zago, da USP, que instaurou o processo. “A portaria inicial do procedimento administrativo é lacônica, notadamente quanto às circunstâncias da conduta imputada ao impetrante”, afirmou o juiz em sua decisão.

Entre os argumentos apresentados em sua petição, a USP alegou que durante a realização do processo não havia nenhum risco iminente de aplicação de pena administrativa, que só se concretizaria com decisão da reitoria após a conclusão dos trabalhos da comissão processante.

A saga da pílula 
A fosfoetanolamina sintética promoveu um intenso debate científico e jurídico ao longo dos últimos dois anos. Tratava-se de uma substância ainda na fase de testes que ganhou notoriedade após diversos pacientes em tratamento de câncer relatarem melhoras significativas na qualidade de vida com o uso dela. Mesmo sem aprovação da  Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), a pílula era distribuída gratuitamente pelo Instituto de Química da Universidade de São Paulo de São Carlos (SP), ligado à USP.

Em outubro de 2015, o ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal, liberou a substância a uma paciente com câncer do Rio de Janeiro, justificando a medida devido à “excepcionalidade” da situação.

Após essa decisão, diversas sentenças de varas pelo Brasil todo passaram a obrigar a USP ou até mesmo secretarias de saúde a fornecer a droga para pacientes que entravam com ação na Justiça. A  2ª Turma Recursal da Fazenda Pública de Porto Alegre arbitrou multa diária de R$ 1,2 mil em caso de descumprimento da medida. 

Em São Paulo, o Órgão Especial do TJ cassou todas as liminares que obrigavam a USP a fornecer a substância. O entendimento foi que sua eficácia no combate ao câncer não está comprovada. 

Em Goiás, o secretário de saúde quase foi preso. O juiz Wilson Safatle Faiad determinou o estado de Goiás tinha 48 horas para  providenciar a fosfoetanolamina e estipulou a pena de prisão do secretário em caso de descumprimento. Porém, a USP, que não era parte na ação, afirmou que só pode fornecer a substância se estiver no polo passivo da ação. 

O debate enfim chegou ao Congresso. O Projeto de Lei da Câmara 3/2016 previa a liberação da produção sem registro da Anvisa. Foi aprovado na Câmara e no Senado

Até que o Plenário do Supremo Tribunal Federal decidiu suspender a lei. Por seis votos a quatro, os ministros seguiram o voto do relator, ministro Marco Aurélio, para quem é inconstitucional a distribuição do remédio sem estudos que comprovem sua eficácia.

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