Momento crítico

Citando direitos humanos, juiz determina prisão domiciliar para 19 detentos no AM

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13 de janeiro de 2017, 15h02

Ressaltando o “caráter excepcional” do momento pelo qual passa o sistema prisional do Amazonas — que enfrentou uma massacre já no primeiro dia do ano — e que o cumprimento de pena deve conter elemento educativo e não promover ainda mais sofrimento que a privação da liberdade, o juiz de Direito Luis Cláudio Cabral Chaves determinou a prisão domiciliar a 19 detentos que cumpriam pena em regime semiaberto no município. A decisão abrange presos com histórico de bom comportamento e que não oferecem risco à sociedade.

Na decisão, o juiz, que é titular da 1ª Vara do município de Tefé (AM), frisou, ainda, que as penas criminais devem ter caráter repressivo, mas também reeducativo. “Diante da situação consolidada e das milhares de pessoas presas no país, é preciso jurisdicionar e buscar de todas as formas uma redução no dano prisional, para isso continuando a acreditar que a pena possui primordialmente um caráter reeducativo, de tentativa, no mínimo, de resgate da dignidade”, disse.

Para fundamentar a decisão, o julgador invocou os direitos fundamentais do preso, citando o que sedimentou a Organização das Nações Unidas (ONU) com as chamadas Regras de Mandela.

Desse documento da ONU, Cabral Chaves ressaltou uma regra segundo a qual o encarceramento e outras medidas que excluam uma pessoa do convívio com o mundo externo são aflitivas e que o sistema prisional não deverá agravar o sofrimento inerente a tal situação.

Outra regra da ONU aponta que os objetivos de uma sentença de encarceramento ou de medida similar restritiva de liberdade são, prioritariamente, de proteger a sociedade contra a criminalidade e de reduzir a reincidência e que tais propósitos só podem ser alcançados se o período de encarceramento for utilizado para assegurar, na medida do possível, a reintegração de tais indivíduos à sociedade após sua soltura, para que possam levar uma vida autossuficiente, com respeito às leis.

O juiz destacou situações precedentes do Supremo Tribunal Federal, como o Habeas Corpus 113.334, em que foi concedida prisão domiciliar por falta de vaga em regime aberto. Também relembrou sentença do Superior Tribunal de Justiça no HC 230.082.

PCC x FDN
rebelião no presídio que resultou na morte de 56 detentos em Manaus começou na tarde do dia 1º e terminou na manhã do dia seguinte. Segundo o governo estadual, a chacina é resultado da rivalidade entre duas organizações criminosas que disputam o controle de atividades ilícitas na região amazônica: a Família do Norte (FDN) e o Primeiro Comando da Capital (PCC).

Agentes penitenciários da empresa terceirizada Umanizzare e 74 presos foram feitos reféns. Parte desses detentos foram assassinados, e ao menos seis, decapitados. Corpos foram arremessados por sobre os muros do complexo.

Aliada ao Comando Vermelho (CV), do Rio de Janeiro, a FDN domina o tráfico de drogas e o interior das unidades prisionais do Amazonas. Desde o segundo semestre de 2015, líderes da facção criminosa amazonense vêm sendo apontados como os principais suspeitos pela morte de integrantes do PCC, grupo que surgiu em São Paulo, mas já está presente em quase todas as unidades da federação.

Punitivismo é a causa
Em entrevista à ConJur, os ministros Marco Aurélio e Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, além de juízes e advogados, afirmaram que as mortes em Manaus têm como causa, em última instância, o punitivismo do Estado.

Questionado pela ConJur sobre o caso de Manaus, Marco Aurélio lembrou da ADPF 347, na qual a corte proibiu a União de contingenciar o dinheiro do Fundo Penitenciário Nacional: "[O Estado] Deve atentar para a obrigação constitucional de preservar a integridade física e moral do preso que um dia voltará ao convívio social. É dele a responsabilidade pelo estado de coisas inconstitucional existente, como ressaltei em voto na ADPF da qual sou relator".

Entidades se manifestam 
A Anistia Internacional no Brasil pediu que as autoridades façam uma investigação imediata, independente e completa do massacre. A seccional amazonense da Ordem dos Advogados do Brasil também se envolveu e entrou com um processo contra o estado do Amazonas por causa das péssimas condições de seu sistema penitenciário. A entidade argumenta em ação civil pública que o problema está na ausência de ações emergenciais concretas.

Entidades que representam a magistratura divergem sobre a melhor forma de evitar novos massacres em unidades prisionais. Enquanto a Associação dos Juízes Federais do Brasil propõe mais investimentos em presídios federais — “verdadeiras ilhas de excelência em um sistema falido” —, a Associação Paulista de Magistrados declarou que essa seria uma forma de enfraquecer o Judiciário estadual. Com informações da Assessoria de Imprensa do TJ-AM. 

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