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Ministro vilaniza advogados, pois não sabe combater crise, diz OAB

12 de janeiro de 2017, 17h20

Por Sérgio Rodas

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O Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil e o Colégio de Presidentes de Seccionais repudiaram “de forma veemente” a sugestão do ministro da Justiça, Alexandre de Moraes, de gravar conversas de advogados com seus clientes nos presídios federais. Para as entidades, a proposta é uma cortina de fumaça para mascarar a ineficiência do membro do governo de Michel Temer em combater a crise carcerária.

Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil
Alexandre de Moraes afirmou que gravar conversas entre advogados e presos é normal em outros países.
Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil

Segundo o ministro, essa seria uma forma de enfraquecer facções criminosas, que comandaram massacres em presídios de Manaus, Boa Vista e Patos (PB) que deixaram 98 mortos.

Especialistas ouvidos pela ConJur também criticaram a medida, apontando que ela viola a Constituição Federal e o Estatuto da Advocacia (Lei 8.906/1994). O artigo 133 da Carta Magna estabelece que o advogado é “inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão”. Já essa norma, em seu artigo 7º, determina que é um direito do advogado “a inviolabilidade de seu escritório ou local de trabalho, bem como de seus instrumentos de trabalho, de sua correspondência escrita, eletrônica, telefônica e telemática, desde que relativas ao exercício da advocacia”.

De acordo com a OAB, o sigilo das comunicações entre advogado e cliente é “elemento essencial” do Estatuto da Advocacia, “e não pode, a qualquer pretexto, ser violado”. Segundo a entidade, “é preciso que se repila mais essa agressão à advocacia”, que “afronta a democracia e viola direitos básicos e fundamentais”.

A Ordem deixou claro que não compactua com o uso da advocacia para fins criminosos e que, nesses casos, adota as medidas punitivas cabíveis. Contudo, a entidade disse que a generalização apregoada por Alexandre de Moraes não pode ser aceita e será combatida.

“No momento em que ficam evidentes os erros dos governos federal e estadual no enfrentamento das questões que levaram aos atos de barbárie em presídios brasileiros, o ministro da Justiça lança seu olhar sobre a advocacia, em ato de verdadeira tentativa de criar falsos vilões para o problema que não soube enfrentar”, declarou a OAB.

Para a Ordem, o governo federal ignorou os seus avisos sobre os problemas do sistema prisional e a falta de aplicação dos valores do Fundo Penitenciário e agora quer resolver a crise carcerária com “arroubos autoritários” e “soluções de emergência”. Só que essas medidas não resolverão o problema, avaliou a OAB. A instituição ainda aproveitou para cutucar Alexandre de Moraes, dizendo que ele negou pedido de ajuda do governo de Roraima. Sem auxílio federal, um presídio de Boa Vista teve chacina que matou 31 presos.

Criminalização da advocacia
O presidente da Comissão de Prerrogativas da OAB-RJ, Luciano Bandeira, ressaltou à ConJur não ser possível conjugar o contraditório e a ampla defesa com a gravação de conversas entre advogados e presos. A seu ver, a proposta é uma forma de constranger os profissionais da advocacia.

E mais: essa ideia indica que o Estado brasileiro está partindo da premissa inconstitucional de que todos os advogados são criminosos, afirmou. Mas tal ideia é errada, destacou Bandeira. “A advocacia é um verdadeiro instrumento de transformação e aperfeiçoamento social. Se a sociedade não tem respeito pela atividade do advogado, ela corre o risco de parar de avançar.”

Mais presídios
Em reação aos massacres nos presídios, o presidente Michel Temer prometeu repasses de R$ 800 milhões para a construção de, pelo menos, uma nova penitenciária em cada estado, além de cinco novas cadeias federais para criminosos de alta periculosidade.

Na mesma linha de seu chefe, Alexandre de Moraes afirmou em dezembro que lançará em breve um plano de redução de homicídios focado em ações policiais, sem a participação de pastas da área social. Entre as medidas estarão o aumento do tempo necessário para progressão da pena (atualmente, o condenado deve cumprir um sexto de sua punição para ir para outro regime; se cometeu crime hediondo, mas é réu primário, dois quintos; se já tivesse antecedentes, três quintos) e a intensificação do combate às drogas.

Guerra sem sentido
Com os massacres ocorridos em presídios, já são pelo menos 98 detentos mortos desde o começo de 2017. Conjugada com a ineficiência estatal, tudo indica que as execuções resultaram de conflitos entre as facções rivais que controlam paralelamente os presídios. Mas esses assassinatos em penitenciárias só continuam ocorrendo pela insistência na chamada guerra às drogas, que sobrecarrega o sistema carcerário, fortalece as organizações criminosas e não reduz o uso de entorpecentes.

Especialistas ouvidos pela ConJur acreditam que o cenário sanguinário, tanto dentro quanto fora das prisões, só mudará de verdade com a regulamentação de todas as drogas. Com isso, os entorpecentes não seriam mais considerados uma questão de segurança, mas um assunto de saúde pública, como já ocorre com o tabaco e o álcool.