Opinião

Apenas criar vagas no sistema prisional não é suficiente

Autor

  • Thiago Colnago Cabral

    é juiz de Direito da 3ª Vara de Tóxicos Crime Organizado e Lavagem de Capitais de Belo Horizonte (MG) doutor e mestre pela USP e mestrando na Universitat di Girona (Espanha).

10 de janeiro de 2017, 5h17

As recentes rebeliões fizeram ressurgir debate, baseado no mais puro empirismo, aqui citado em oposição à cientificidade, quanto à importância de criação de vagas no sistema prisional.

É verdade. No cenário nacional, de cerca de 600 mil pessoas recolhidas em pouco mais de 300 mil vagas, permeado pela pendência de cumprimento de mais de 300 mil ordens de prisão, a conclusão de que é necessária a criação de vagas em unidades prisionais para diminuição do déficit se revela evidentemente óbvia.

Não é necessária nenhuma especialização técnica ou conhecimento aprofundado para concluir que é inviável manter 600 mil pessoas onde cabem pouco mais de 300 mil, em condições ruins, sobretudo se pendentes ordens de prisão de mais 300 mil pessoas.

Deve se exigir, todavia, um exame um pouco mais profundo das autoridades. É passada a fase do empirismo na gestão do sistema de justiça criminal. O país precisa ir para além do óbvio, ingressando na cientificidade.

Para tanto, premissa importante é a percepção de que, entre 1990 e 2014, a população prisional brasileira subiu de 90 mil para mais de 600 mil detidos, em índice superior a 570%.

O mencionado aumento, deve ser frisado, decorre de opção do Congresso Nacional de endurecer o tratamento penal, tais como a edição da lei dos crimes hediondos e a ampliação deste rol, o aumento da pena para o tráfico e a exigência de parcelas maiores de penas a serem cumpridas para fins de progressão de regime prisional.

Não restam dúvidas de que foram implantadas medidas despenalizadoras no período, todavia, ainda assim, a evolução da população prisional comprova que o endurecimento da legislação penal foi bem mais enfático do que as medidas de abrandamento da política criminal.

Não é difícil concluir pela absoluta inviabilidade econômica de fazer frente ao citado aumento da população carcerária: a economia brasileira não experimentou, entre 1990 e 2014, avanço que viabilizasse majoração dos investimentos no sistema prisional em percentual minimamente aproximado dos 570% de aumento da população encarcerada.

O que mais preocupa, entretanto, é a verificação de que EUA, China e Rússia, únicos países do mundo que mantém detidos em números absolutos superiores ao Brasil, adotaram, em sentido diametralmente oposto, medidas de desencarceramento, tais como a antecipação de soltura de mais de 6 mil presos promovida pela US Sentencing Commission em 2015, amplamente divulgada pela BBC.

Assim, enquanto estes países reduziram seus índices de encarceramento entre 8% e 24% no período entre 2008 e 2013, segundo estudo do ICPR da University of London, o Brasil, no mesmo período, aumento seu índice de encarceramento em 33%, o que revela nítido descompasso entre a política criminal brasileira e aquela vigente em outros países de economia mais estável e de PIB superiores ao nosso.

É evidente que o Brasil precisa reduzir substancialmente seu déficit de vagas no sistema prisional. É imprescindível que sejam abertas novas vagas no sistema prisional. Mas até quando? Qual o limite de vagas que o Brasil deverá manter?

Em quadra de escassos recursos financeiros, de serviços públicos cada vez mais deficientes, de adoção de medidas de redução de investimentos públicos, de fiscalização cada vez mais severa das despesas com pessoal no serviço público, será a abertura de vagas a solução para o caos do sistema prisional?

O déficit de vagas que vivemos hoje não pode afastar da percepção das autoridades e sobretudo dos brasileiros a constatação óbvia de que os investimentos na melhoria da saúde da população não se fazem exclusivamente na criação de leitos hospitalares. O combate à dengue ocorre tanto exterminando os focos do mosquito transmissor quanto na produção de vacina para o mal. A melhoria da educação não será efetivada apenas com a construção de escolas.

As rebeliões são eventos de extrema gravidade que normalmente ensejam a adoção, ou pelo menos a divulgação, de várias medidas, em geral permeadas por discursos enfáticos. O mais importante, todavia, é que as medidas não estejam lastreadas apenas no empirismo. O Direito, a Criminologia e a Segurança Pública têm extensa produção intelectual cientifica, gabaritada e experimentada, para conduzir as ações do Estado.

O sistema prisional brasileiro precisa de mais vagas em razão de omissões históricas de investimentos na área porém a mencionada necessidade não pode servir de arreio à necessidade, também premente, de que se faça exame amplo do sistema de justiça criminal, à luz de válidas e importantes diretrizes científicas, de modo a assegurar que o cárcere seja o destino daqueles que não comportam o cumprimento de pena em meio aberto, mas só deles.

Autores

  • é juiz auxiliar da Presidência do TJ-MG. Mestrando em Direito Penal e Criminologia pela USP. Orientador dos cursos de formação e aperfeiçoamento de magistrados da Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados (Enfam).

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!