Advogou contra Salazar

Ex-presidente português Mário Soares deixa legado de defesa da democracia

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8 de janeiro de 2017, 15h21

Mário Soares foi um dos lideres da oposição ao ditador Salazar.
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O ex-presidente português Mário Soares morreu neste sábado (7/1), aos 92 anos. Um dos principais articuladores da democracia portuguesa após a ditadura de Antonio Salazar (1933-1974), Mário Soares também foi primeiro ministro e advogado de presos políticos. Ele estava internado desde o dia 13 de dezembro de 2015 no Hospital da Cruz Vermelha, em Lisboa.

A causa da morte não foi divulgada. No dia 22 de dezembro, Soares tinha sido transferido da unidade de terapia intensiva (UTI) para a unidade de internação em regime reservado, depois de sinais de melhora no estado de saúde. Soares exerceu a advocacia durante muitos anos até ser exilado na França.

Defesa da democracia
Como advogado defendeu presos políticos nos tribunais Plenário e Militar Especial. Começou a carreira política aos 18 anos, quando ingressou no Partido Comunista. Soares foi um dos fundadores do Partido Socialista português e foi primeiro-ministro entre 1976 e 1978 e entre 1983 e 1985.

Foi também ministro dos Negócios Estrangeiros após a Revolução dos Cravos, de 25 de abril de 1974, que pôs fim à ditadura salazarista. Chegou a ser o "Ministro sem Pasta" em uma das administrações provisórias antes das eleições em 1976. Mário Soares presidiu Portugal por duas vezes consecutivas, entre 1986 e 1996. Tornou-se membro do Conselho de Estado (1996) e deputado do Parlamento Europeu (1999).

O político é reconhecido pela política de descolonização na África, que garantiu a independência dos países e o fim de uma guerra que movimentou quase 500 mil soldados portugueses e chegou a consumir 50% do PIB do país. Após a revolução que tirou Salazar do poder, Portugal abriu mão de seu domínio sobre suas colônias, entre elas Angola e Moçambique.

Durante sua gestão, tanto como presidente quanto como primeiro-ministro, Soares teve que negociar empréstimos com o Fundo Monetário Internacional para reerguer a economia portuguesa e realocar quase 1 milhão de portugueses que retornavam das então colônias do país na África. Ainda no campo internacional, Soares deu início à adesão de Portugal à Comunidade Econômica Europeia, que veio se tornar a União Europeia.

Para o professor de Relações Internacionais da Universidade Estadual do Rio de Janeiro Williams Gonçalves, Mário Soares deixa um legado de defesa da democracia. “Neste momento em que vivemos situações muito perigosas em todo mundo, em que há muita intransigência, muita agressividade no discurso político, Mario Soares vem nos lembrar da necessidade do diálogo para encontrar o melhor caminho para a vida econômica e política do país”, disse o professor em entrevista à Agência Brasil.

Oposicionista e professor
Por causa de suas atividades políticas contra a ditadura e Salazar foi 12 vezes preso pela PIDE, polícia secreta do regime, cumprindo quase 3 anos de cadeia. Pertenceu ao Movimento de Unidade Nacional Anti-Fascista, em Maio de 1943, foi membro da Comissão Central do Movimento de Unidade Democrática.

Integrou a Resistência Republicana e Socialista, na década de 1950, sendo um dos redatores do Programa para a Democratização da República em 1961. Em 1968, foi deportado para a ilha de São Tomé, na África, à época colônia portuguesa, e, em 1970, foi exilado na França, onde foi chargé de cours nas universidades de Vincennes e da Sorbonne.

Também foi professor associado na Faculdade de Letras da Universidade da Alta Bretanha (Rennes), onde é doutor "Honoris Causa".  Mário Soares formou-se em Ciências Histórico-Filosóficas, na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, em 1951, e em Direito, na Faculdade de Direito da mesma instituição, em 1957.

Foi casado com Maria de Jesus Simões Barroso Soares em 1949, morta em 7 de julho de 2015. Teve dois filhos com ela: Isabel Soares, psicóloga e diretora do Colégio Moderno (criado por seu pai, onde ele também foi diretor), e João Soares, advogado e deputado à Assembleia da República, e cinco netos.

O governo português decretou luto de três dias. "Mário Soares é uma das grandes figuras da história portuguesa do século XX e do início do século XXI, e fundador do nosso regime democrático", declarou.

Em nota, governo português afirma que Soares está "indelevelmente ligado à história contemporânea de Portugal" e o classifica como "o protagonista político do nosso tempo e aquele que mais configurou a democracia portuguesa nas suas opções fundadoras". "A República Portuguesa é-lhe, por tudo isto, devedora da sua longa e incondicional dedicação à causa pública e do seu exemplar contributo para o prestígio de Portugal", finalizou.

Também em nota, o presidente Michel Temer (PMDB), afirmou que Soares foi um amigo do Brasil. "Recebi com tristeza a notícia da morte de Mário Soares, figura-chave do Portugal moderno, amigo do Brasil. O mundo perde um estadista e um defensor da democracia e da liberdade. Meus sentimentos à família e ao povo português."

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