Consultor Jurídico

Multa cominatória e execução das decisões em matéria ambiental

7 de janeiro de 2017, 7h00

Por Álvaro Luiz Valery Mirra

imprimir

Spacca
A execução — ou, mais amplamente, a efetivação — dos provimentos jurisdicionais é, sem dúvida, um dos principais temas do processo coletivo ambiental na atualidade. É ela, com efeito, que permite realizar concretamente, no mundo dos fatos, a proteção do meio ambiente decorrente de sentenças e decisões proferidas em nível de antecipação de tutela, diante da resistência do demandado em cumprir as determinações judiciais.

Não existe um regime jurídico único para a execução/efetivação dos provimentos jurisdicionais em matéria ambiental, suscetível de ser aplicado a todos os casos. Na verdade, há diversos regimes jurídicos, cuja incidência varia em conformidade com a tutela jurisdicional concedida na demanda ambiental, em caráter antecipado ou final, provisório ou definitivo.

Partindo de um critério mais próximo ao direito material, é possível identificar as principais tutelas jurisdicionais passíveis de serem obtidas em favor do meio ambiente: tutela jurisdicional preventiva, que tem por objetivo prevenir a ocorrência de danos ou a realização de atividades públicas e privadas potencialmente lesivas ao meio ambiente; tutela jurisdicional de precaução, igualmente dotada de viés preventivo, mas em casos de ausência de certeza científica a respeito da lesividade da atividade pública ou privada; tutela jurisdicional de cessação de atividades ou omissões ilícitas ou lesivas, em que se dá a supressão de atividades ou omissões degradadoras, públicas ou privadas, situadas na origem da situação ilícita ou lesiva; tutela jurisdicional reparatória do dano ambiental, que pressupõe a ocorrência do dano ao meio ambiente, subdividida em tutela reparatória in natura e tutela reparatória pecuniária.

Relevante observar, neste passo, que a tutela preventiva, a tutela de precaução, a tutela de cessação de atividades ou omissões ilícitas ou lesivas e a tutela reparatória in natura, vale dizer, a quase totalidade das tutelas jurisdicionais em tema de meio ambiente, se aperfeiçoam pela imposição ao degradador do cumprimento de obrigações (ou deveres) de fazer e não fazer. Daí a incidência em relação a elas do regime jurídico próprio e específico da execução ou cumprimento de sentenças e decisões interlocutórias que reconhecem a exigibilidade de obrigações de fazer e não fazer, caso haja resistência do obrigado em cumprir o comando judicial.

A especificidade da efetivação de tais provimentos jurisdicionais está em que ela recai sobre o próprio objeto da obrigação de fazer ou não fazer, pressupondo, por essa razão, a utilização de meios executivos capazes de levar o demandado a cumprir a prestação positiva ou negativa imposta, ou de fazer com que essa prestação seja, de algum modo, cumprida.

No tema, é importante anotar que o Direito brasileiro põe à disposição dos demandantes nas ações coletivas ambientais — notadamente na ação civil pública disciplinada pela Lei 7.347/1985 — variados meios executivos coercitivos, que são aqueles destinados a exercer pressão sobre a vontade do obrigado, a fim de que, ele próprio, cumpra a obrigação de fazer ou de não fazer.

E, dentre os meios executivos coercitivos suscetíveis de forçar o demandado a cumprir a prestação determinada em nível de antecipação de tutela ou na sentença ambiental, tem especial relevância a multa cominatória, seja a multa periódica (diária, semanal etc.), seja a multa de valor fixo, dependendo do caso concreto[1]. O caráter cominatório da multa está no fato de ela ser imposta para a eventualidade do não cumprimento da obrigação de fazer ou de não fazer determinada, consistindo em verdadeira ameaça para a hipótese de inadimplemento da prestação. Pretende-se, com a sua cominação, que o obrigado sequer cogite não cumprir a obrigação determinada, motivo pelo qual o valor da multa deve, naturalmente, ser elevado.

Sob o ponto de vista prático, uma das principais questões que têm ocupado os debates na doutrina e na jurisprudência é a da forma pela qual se dão a aplicação concreta e a cobrança da multa cominatória, caso não haja o cumprimento pelo obrigado da prestação positiva ou negativa, ou seja, caso o demandado não faça o que deve fazer ou faça o que não deveria fazer.

Na vigência do CPC/1973, houve muitas discussões a respeito da possibilidade da imposição e cobrança imediatas da multa cominatória e da forma de execução desta, particularmente na efetivação das decisões proferidas em nível de antecipação de tutela e no cumprimento ainda provisório das sentenças, devido à pendência de recursos, dada a possibilidade de reversão das decisões e dos julgamentos proferidos[2].

Daí por que muitos juízes e tribunais se mostraram reticentes em admitir a cobrança imediata da multa, somente tida como possível após o trânsito em julgado da sentença final proferida. A própria Lei da Ação Civil Pública, vale consignar, tem dispositivo específico (artigo 12, parágrafo 2º, da Lei 7.347/1985), segundo o qual a multa somente será exigível após o trânsito em julgado da sentença favorável ao demandante.

Mesmo quando se tinha como viável a cobrança imediata da multa cominada, muito frequentemente a sua efetivação concreta ficava subordinada ao procedimento de cumprimento de decisões que reconhecem a obrigação de pagar quantia certa, com prévia intimação para pagamento, penhora, possibilidade de impugnação etc.[3].

Contudo, para que a multa cominatória tenha, realmente, força coercitiva sobre a vontade do obrigado no processo coletivo ambiental, é fundamental que ela seja aplicada e cobrada imediatamente, tão logo haja o inadimplemento da obrigação de fazer ou não fazer determinada em prol da proteção do meio ambiente, independentemente do trânsito em julgado da sentença final[4]. E mais: a multa cominatória tem de ser também efetivada imediatamente, mediante bloqueio judicial do valor correspondente, sem necessidade de utilização do procedimento da execução por quantia certa para a sua cobrança; ainda que o levantamento da quantia bloqueada de pronto, no caso de execução/cumprimento provisório do comando judicial, se dê após o trânsito em julgado da sentença final que julgou procedente a demanda.

Essa, inclusive, parece ser a orientação adotada pelo novo Código de Processo Civil, no artigo 537, parágrafo 3º, segundo o qual a decisão que fixa a multa é passível de cumprimento provisório, devendo o valor correspondente ser depositado em juízo, permitido o levantamento após o trânsito em julgado da sentença favorável à parte. Essa norma, sem dúvida, aplica-se ao processo coletivo ambiental, por força do disposto no artigo 19 da Lei 7.347/1985, com eficácia derrogatória, ainda, do comando previsto no parágrafo 2º do artigo 12 do mesmo diploma legal[5].

Tal é a solução desejável para a aplicação e cobrança imediatas da multa cominatória no processo coletivo ambiental, pelo menos nas demandas ambientais movidas em face dos particulares (indivíduos e pessoas jurídicas de direito privado).

No que se refere à efetivação de decisões judiciais que impõem o cumprimento de obrigações de fazer e não fazer ao poder público, a matéria apresenta peculiaridades que merecem consideração destacada.

Com efeito, não há mais dúvida, hoje em dia, a respeito da possibilidade de imposição dessas modalidades de obrigações à administração pública, seja para a prevenção de degradações ambientais, seja para a cessação de atividades efetiva ou potencialmente lesivas ao meio ambiente, seja para a reparação in natura de danos ambientais. Além disso, tem-se admitido, ainda, a imposição de obrigações de fazer para a cessação de omissões estatais lesivas ao meio ambiente, visando à supressão da inércia administrativa, o que tem levado, muitas vezes, à implementação de programas de ação e políticas públicas ambientais (por exemplo, em matéria de saneamento básico, de coleta e tratamento adequado de resíduos sólidos, de implantação definitiva de unidades de conservação).

A principal questão, em termos atuais, é como efetivar essas decisões, quando não há a colaboração espontânea da administração. Como se trata, no mais das vezes, de execuções extremamente complexas, em que a efetivação das obrigações determinadas — notadamente de fazer — exige dotação orçamentária, eventual contratação de serviços e obras submetidos a procedimento licitatório, desapropriação de áreas para a implantação da atividade (por exemplo, no caso da disposição final do lixo urbano) e, até mesmo, conforme o caso, a obtenção de licenças ambientais para a realização das obras, tem-se entendido que a sua concretização depende diretamente da atuação do poder público, não sendo viável, em princípio, o cumprimento das prestações por um terceiro às custas daquele.

Bem por isso, a solução tem sido, ainda aqui, a de impor ao poder público a multa cominatória, como medida tendente a forçar o ente público recalcitrante a cumprir a obrigação.

A possibilidade da utilização da multa cominatória como meio executivo destinado a obter o cumprimento de obrigações de fazer e não fazer a cargo do poder público é, em termos atuais, matéria pacificada, inclusive no âmbito do Superior Tribunal de Justiça[6].

A maior controvérsia, em verdade, concerne à viabilidade de imposição da multa não só ao ente público como, ainda, ao agente público concretamente encarregado da adoção das providências determinadas judicialmente, a fim de que os cofres públicos — e, por via de consequência, a sociedade como um todo — não sejam onerados com a sanção pecuniária, em caso de inadimplemento da obrigação[7].

Nessa matéria, porém, o Superior Tribunal de Justiça tem entendido que não é viável, no momento da execução/efetivação da obrigação de fazer ou não fazer, a imposição ao agente público da multa cominatória, já que não é ele, normalmente, parte no processo. E a aplicação de multa dessa natureza a quem não é parte na relação processual implicaria violação aos princípios do contraditório e da ampla defesa[8].

No Tribunal de Justiça de São Paulo, tem-se entendido que, no caso de aplicação da multa cominatória, em função do descumprimento pelo poder público de obrigações de fazer, existe sempre a possibilidade — que, na verdade, é um dever — de o Estado voltar-se regressivamente contra o agente público omisso, para ressarcir-se do que foi obrigado a pagar[9]. Ademais, já se decidiu, ainda no âmbito do TJ-SP, que a omissão do agente em dar cumprimento às determinações judiciais, levando à imposição da multa com oneração dos cofres públicos, pode configurar a prática de improbidade administrativa[10].

Por fim, ainda em tema de imposição da multa cominatória ao poder público, vale indagar sobre a viabilidade do imediato bloqueio de verbas públicas para efetivação da cobrança do valor correspondente, a fim de forçar o adimplemento da prestação determinada e não cumprida, como se concebe em relação aos particulares.

O Superior Tribunal de Justiça tem admitido, em caráter excepcional, o bloqueio ou sequestro de verbas públicas, por exemplo, para o cumprimento de obrigações de fazer consistentes no fornecimento pelo Estado de medicamentos às pessoas necessitadas[11]. Contudo, o bloqueio do dinheiro público tem sido deferido para o custeio, em si mesmo, do medicamento, em benefício da pessoa que dele depende, como medida equivalente ao resultado prático pretendido com a imposição da obrigação de fazer, diante da omissão estatal em cumprir a ordem judicial. Não se tem notícia, diversamente, sobretudo em tema de proteção do meio ambiente, da determinação do bloqueio de verbas públicas para efetivação e cobrança da multa cominatória, como expediente apto a forçar o poder público a cumprir a obrigação de fazer ou de não fazer determinada judicialmente.


[1] Artigo 11 da Lei 7.347/85; artigo 84, parágrafo 4º, da Lei 8.078/90; artigos 536, parágrafo 1º, e 537 do CPC.
[2] Sobre o debate e as diversas correntes, inclusive com distinção entre o regime aplicável ao processo individual e ao processo coletivo, ver, em especial, STJ – 4ª T. – REsp 1.347.726/RS – j. 27/12/2012 – relator ministro Marco Buzzi.
[3] STJ – 1ª T. – REsp 1.098.028/SP – j. 9/2/2010 – relator ministro Luiz Fux.
[4] Nesse sentido, em termos gerais, BUENO, Cássio Scarpinella. Manual de Direito Processual Civil. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 2016, p. 472. Em sentido diverso, entendendo que a força coercitiva da multa cominatória independe da sua imediata cobrança, MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Curso de Processo Civil, Volume 3: Execução. 2ª ed. São Paulo: RT, 2008, p. 81-82.
[5] Em verdade, a exigência do trânsito em julgado da sentença para a cobrança da multa cominatória já não constava da norma do parágrafo 4º do artigo 84 da Lei 8.078/90, aplicável às demandas ambientais por força do disposto no artigo 21 da Lei 7.347/85.
[6] STJ – 2ª T. – REsp 1.315.719/SE – j. 27/8/2013 – relator ministro Herman Benjamin; STJ – 2ª T. – REsp 1.360.305/RS – j. 28/5/2013 – relatora ministra Eliana Calmon; STJ – 2ª T. – AgRg no REsp 1.311.567/PB – j. 6/9/2011 – relator ministro Castro Meira; STJ – 2ª T. – Resp 1.256.599/RS – j. 9/8/2011 – relator ministro Mauro Campbell Marques.
[7] Nesse sentido, MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz; MITIDIERO, Daniel. Novo Código de Processo Civil Comentado. São Paulo: RT, 2015, p. 582, comentário n. 3 ao art. 537, inclusive com referência a um julgado do STJ sobre a matéria (STJ – 2ª T. – EDcl no REsp 1.111.562/RN – j. 1º/6/2010 – relator ministro Castro Meira). Ainda: TALAMINI, Eduardo. Tutela relativa aos deveres de fazer e não fazer. 2ª ed. São Paulo: RT, 2003, p. 247 e 449-450.
[8] STJ – 2ª T. – REsp 1.315.719/SE – j. 27/8/2013 – relator ministro Herman Benjamin; STJ – 2ª T. – AgRg no AREsp 196.946/SE – j. 2/5/2013 – relator ministro Humberto Martins; STJ – 5ª T. – REsp 847.907 – j. 5/5/2011 – relatora ministra Laurita Vaz; STJ – 5ª T. – REsp 747.371/DF – j. 6/4/2010 – relator ministro Jorge Mussi. Em julgado relativo a mandado de segurança, essa mesma corte de Justiça admitiu a imposição da multa cominatória ao agente público, mas por figurar ele como impetrado no mandamus (STJ – 2ª T. – AgRg no AREsp 472.750/RJ – j. 3/6/2014 – relator ministro Mauro Campbell Marques).
[9] TJ-SP – 8ª Câmara de Direito Público – Ap. Cív. 201.361-5/0-00 – relatora desembargadora Teresa Ramos Marques; TJ-SP – 8ª Câmara de Direito Público – AI 103.787.5/0 – relator desembargador Antonio Villen.
[10] TJ-SP – 3ª Câmara de Direito Público – Ap. Cív. 208.833-5/6-00 – relator desembargador Magalhães Coelho.
[11] STJ – 1ª Seção – REsp 1.069.810/RS – j. 23/10/2013 – relator ministro Napoleão Nunes Maia Filho – recurso especial que tramitou sob o regime dos recursos repetitivos (artigo 543-C do CPC/73).