Segunda Leitura

Gestão é a palavra de ordem no Judiciário do futuro

Autor

1 de janeiro de 2017, 7h00

Com a Constituição Federal de 1988, o Judiciário passou a ter uma maior presença no meio social, com a população procurando com maior intensidade seus direitos e batendo às portas da Justiça. Isso fez com que os números de processos tivessem um forte acréscimo com o tempo, passando de cerca de 350 mil ações no final da década de 1980 para mais de 100 milhões de ações em 2015, conforme dados do CNJ. O pensamento dominante até hoje foi o de que o aumento do volume de processos deveria vir acompanhado pelo gradativo aumento da estrutura do Judiciário, principalmente de cargos de juiz e servidor, sem que houvesse um planejamento estratégico sobre a real necessidade de tal incremento.     

E agora nos deparamos com mais um problema: mesmo com o aumento da máquina, os processos continuam a se avolumar nas várias instâncias da Justiça nacional, sem que a população consiga entender a razão de acentuado atraso na entrega de nossa finalidade maior, a prestação jurisdicional.

Acende-se então um sinal de alerta. Não basta o incremento da máquina sem que ocorra um trabalho efetivo de racionalização dos trabalhos, com a adoção de novas rotinas e práticas que tenham a intenção de acelerar o serviço fugindo a qualquer possibilidade de aumento de despesas.    

E eis que, parafraseando Drummond, “no meio do caminho tinha uma pedra, tinha uma pedra no meio do caminho”, a pesada (…) crise econômica que assola o país, acompanhada da promulgação da Emenda Constitucional 95, um dos mais rígidos planos de contenção dos gastos públicos que se conhece no cenário internacional e que estabelece um limite anual de aumento das despesas públicas, que somente sofrerá o reajuste da inflação acumulada do exercício anterior, de acordo com o Índice Nacional de Preços ao Consumidor. Tal norma legal, cedo ou tarde, será replicada nos estados-membros, e aí surge um mundo novo, não o de Aldous Huxley, mas uma nova fase no serviço público e, no nosso caso, um novo momento para o Poder Judiciário da União.

E aí perguntamos, qual o sentido maior da prestação jurisdicional? Apresentar a resposta de mérito dentro de um prazo razoável. A Convenção Europeia para Proteção de Direitos Humanos e Liberdades Fundamentais em seu artigo 6, parágrafo 1º, deixa claro que a Justiça que não cumpre suas funções dentro de um prazo razoável é para muitas pessoas uma Justiça inacessível.

Sem recursos financeiros infinitos, deveremos, a partir de agora, dar um maior enfoque na questão da gestão no serviço público judiciário. A figura do juiz-gestor deve ser incentivada de maneira mais intensa, aliada ao planejamento de tarefas, buscando ofertar um melhor andamento às atividades com uma possível estabilidade da força de trabalho, diferente do que vinha ocorrendo nos últimos anos.

Neste novo limiar, busca-se um juiz que congregue uma formação técnica jurídica com valores diversos, que olhe o mundo além do seu gabinete, que auxilie na racionalização dos serviços, com um compromisso forte no atendimento das partes e dos advogados, com uma melhor comunicação com órgãos públicos e com a sociedade civil.

Por certo, nosso sistema cultural e jurídico nos condiciona a sermos agentes passivos, sem uma consciência de coletividade, e tal comportamento é levado para a atividade profissional, formando juízes e advogados com um bloqueio nesse campo.

E aí lembramos novamente da gestão no âmbito do Judiciário. E, para tanto, citamos Sidney Agostinho Beneti: “O juiz deve ser encarado como um gerente de empresa, de um estabelecimento. Tem sua linha de produção e o produto final, que é a prestação jurisdicional. Tem de terminar o processo, entregar a sentença e a execução. Como profissional de produção, é imprescindível mantenha ponto de vista gerencial, aspecto da atividade judicial que tem sido abandonado. É falsa a separação estanque entre as funções de julgar e de dirigir o processo — que implica orientação ao cartório. (…) Como um gerente, o juiz tem seus instrumentos, assim como um fabricante os seus recursos. São o pessoal do cartório, as máquinas de que dispõe, os impressos. É o lugar em que trabalha; são os carimbos, as cadeiras, o espaço da sala de audiências e de seu gabinete; são a própria caneta, a máquina de escrever, o fluxo de organização dos serviço e algumas coisas imateriais”[1].

Para uma melhor expressão do novo momento a ser vivido, é necessário agregar os princípios da eficiência e da eficácia com seus conceitos trazidos da Ciência da Administração, e aí lembramos então que Peter Drucker propôs o julgamento do desempenho de um administrador através de dois critérios: eficácia — capacidade de fazer as coisas "certas" — e eficiência — a capacidade de fazer as coisas "certo". Segundo Drucker, a eficácia é o mais importante, pois nenhum nível de eficiência, por maior que seja, irá compensar a escolha dos objetivos errados.  

A União Europeia preocupa-se tanto com o tema que possui uma comissão para a eficácia da Justiça, que, desde 2013, vem estabelecendo regras dentro da chamada nova destão pública, que tem direta relação com a descentralização, delegação de competências, racionalização e diminuição de custos, flexibilização, eficácia, eficiência e prioridade na satisfação dos anseios da sociedade.

Por algum tempo, a comissão mencionada procurou implementar mecanismos que estabelecessem a celeridade e a simplificação do processo com reforço de meios materiais e humanos e com a instituição de modos alternativos de litígios, partindo em seguida para reformas na administração dos tribunais para dar uma maior satisfação à sociedade.

Interessante observar que, com tal mudança em alguns países da comunidade, o juiz passou a atuar de modo mais intenso na gestão das cortes, com o suporte de gestores administradores.   

Na ponta de tais reformas, a Holanda fez a transferência da gestão dos recursos humanos e dos equipamentos, incluindo prédios para o Judiciário, restando poucas competências para o Ministério da Justiça. Junto com tais atribuições houve um incremento das funções gerenciais dos magistrados.

A ideia na Alemanha, com a reforma, é “fazer melhor com menos”, sendo que o principal tópico é a descentralização, ao nível da gestão e dos recursos, sendo que desde 2006 o orçamento e a gestão dos recursos humanos e materiais é atribuída às respectivas cortes.

Por sua vez, países como a Espanha seguiram o caminho inverso, diminuindo a capacidade de gestão dos juízes com o plano, recebendo críticas e até mesmo tendo ocorrido uma greve de juízes. O plano chamado de “nueva Oficina Judicial” passou a entregar a administração da Justiça aos funcionários públicos dependentes do Ministério da Justiça espanhol. A referida concepção, segundo alguns juristas espanhóis, fere a separação de Poderes prevista na Constituição da Espanha.

Na Bélgica, o plano de reformas também passou por críticas no que diz respeito à previsão de diminuição das circunscrições judiciais de 27 para 12 (racionalização questionada pelo próprio Conselho de Estado da Bélgica), mesmo que faça menção à reforma na gestão dos recursos humanos com maior autonomia administrativa.

Portugal também passou por reformas em seu sistema judiciário, que foi centrado em três pontos principais: o aumento da base territorial das circunscrições judiciais, que passa a coincidir, em regra, com o distrito administrativo; a instalação de jurisdições especializadas a nível nacional; e a implementação de um novo modelo de gestão das comarcas. Houve um fechamento de tribunais pelo país, mas, dentro de uma revisão do plano original, a partir de 2017 alguns deles serão reabertos para melhorar a presença da Justiça junto da população.

E o Brasil o que quer? Precisamos mudar. Evoluir para uma gestão por competências, lidar com o dia a dia dentro do Judiciário de forma a não permitir que os recursos sejam utilizados de qualquer maneira, evitar que unidades judiciárias apresentem resultados insuficientes sem que tal fato implique em reconhecimento de erros e modificações. Aceitar que o desconhecido pode ser bom, não para quem vai lidar com ele de imediato, mas para a maior interessada, a sociedade. Afinal, como disse certa vez Antoine de Rivarol, "nós somos o rio que passa, o tempo é a margem".


[1] Beneti, Sidney Agostinho. Da Conduta do Juiz, Saraiva, 1997, pag 12).  

Autores

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!