Opinião

Breves notas sobre aplicabilidade de IRDR nos juizados especiais

Autor

  • Antônio Pereira Gaio Júnior

    é professor adjunto da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro; pós-doutor em Direito (Universidade de Coimbra) e em Democracia e Direitos Humanos (Ius Gentium Conimbrigae/Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra); doutor e mestre em Direito (UGF) e pós-graduado em Direito Processual (UGF). Membro do Instituto Iberoamericano de Direito Processual do Instituto Brasileiro de Direito Processual da International Bar Association da Comissão Permanente de Direito Processual Civil do IAB-Nacional e também da Comissão de Educação Jurídica da OAB-MG.

26 de fevereiro de 2017, 10h36

É fato que o volume da litigância judicial, seja individual ou coletiva, é fator que assola o serviço público da Justiça no Brasil. Conforme dados do Conselho Nacional de Justiça, encontram-se espalhados pelos foros brasileiros mais de 100 milhões de processos em andamento,[1] o que, de certo, desafia qualquer racionalidade para fins de melhora em um curto espaço de tempo, da prestação jurisdicional pátria em uma duração razoável e satisfatória.

Não obstante a isso, o Código de Processo Civil de 2015, objetivando racionalizar o processamento de julgamento de demandas tidas como repetitivas que se apresentam no âmbito do Judiciário pátrio, regulou o denominado Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas (IRDR, previsto nos artigos 976-987), estendendo o resultado e respeito no que se refere ao seu julgamento também aos Juizados Especiais, senão vejamos:

Art. 985.  Julgado o incidente, a tese jurídica será aplicada:
I – a todos os processos individuais ou coletivos que versem sobre idêntica questão de direito e que tramitem na área de jurisdição do respectivo tribunal, inclusive àqueles que tramitem nos juizados especiais do respectivo Estado ou região; (…).

A instauração do IRDR se dará nas esferas dos tribunais de Justiça estaduais e nos tribunais regionais federais, e isso é fator de relevância na análise de seu cabimento em sede dos Juizados Especiais, pois que cediço é que os juízes que o compõem não se submetem em hierarquia jurisdicional aos TJs e/ou TRFs, mas à sua própria Turma Recursal. Aliás, tal entendimento se faz lastro na Súmula 376 do Superior Tribunal de Justiça: “Compete a turma recursal processar e julgar o mandado de segurança contra ato de juizado especial.”

Não obstante isso, o mesmo STJ possui entendimento de que cabe ao tribunal estadual ou ao tribunal regional federal processar e julgar Mandado de Segurança contra ato praticado pelo Juizado Especial com vistas a controlar sua competência.[2]

Em verdade, ainda que haja conteúdos vacilantes em sede doutrinária jurisdicional quanto à submissão hierárquica dos juízes dos juizados ao tribunal de Justiça ou regional federal respectivo, dúvidas não há quanto ao necessário respeito à racionalidade de decisões tidas em âmbito de matéria de direito repetitivas. Soa a própria lógica de um sistema que busca a segurança jurídica e previsibilidade das decisões, o que, de certo, estabiliza o próprio ordenamento jurídico vinculado à sua interpretação normativa e daí, o próprio tecido social à ele submetido.

 Nesses termos, entendemos a vinculação do microssistema dos Juizados Especiais às decisões em sede de IRDR julgadas pelos tribunais de Justiça estaduais (Juizados Especiais Estaduais e da Fazenda Pública) e fegionais federais (Juizados Especiais Federais).

As grandes questões surgem quando encontramos (i) decisões díspares entre os próprios órgãos dos Juizados bem como (ii) entre estes e as decisões dos tribunais estaduais e/ou regionais federais e aí, em sede de IRDR.

Quanto à primeira problemática, cediço é que no âmbito dos Juizados Especiais Federais o conflito de decisões neste ambiente se dá por meio do pedido de uniformização de jurisprudência, ex vi da Lei 10.259/2001:

Art. 14. Caberá pedido de uniformização de interpretação de lei federal quando houver divergência entre decisões sobre questões de direito material proferidas por Turmas Recursais na interpretação da lei.
§ 1º O pedido fundado em divergência entre Turmas da mesma Região será julgado em reunião conjunta das Turmas em conflito, sob a presidência do Juiz Coordenador.
§ 2º O pedido fundado em divergência entre decisões de turmas de diferentes regiões ou da proferida em contrariedade a súmula ou jurisprudência dominante do STJ será julgado por Turma de Uniformização, integrada por juízes de Turmas Recursais, sob a presidência do Coordenador da Justiça Federal.

Já, com relação aos Juizados Especiais da Fazenda Pública no âmbito dos estados, do Distrito Federal, dos territórios e dos municípios, a questão do conflito entre seus julgados foi prevista pela Lei 12.153/2009 nos seguintes termos:

Art. 18.  Caberá pedido de uniformização de interpretação de lei quando houver divergência entre decisões proferidas por Turmas Recursais sobre questões de direito material.
§ 1o  O pedido fundado em divergência entre Turmas do mesmo Estado será julgado em reunião conjunta das Turmas em conflito, sob a presidência de desembargador indicado pelo Tribunal de Justiça.
§ 2o  No caso do § 1o, a reunião de juízes domiciliados em cidades diversas poderá ser feita por meio eletrônico.
§ 3o  Quando as Turmas de diferentes Estados derem a lei federal interpretações divergentes, ou quando a decisão proferida estiver em contrariedade com súmula do Superior Tribunal de Justiça, o pedido será por este julgado.

Art. 19.  Quando a orientação acolhida pelas Turmas de Uniformização de que trata o § 1o do art. 18 contrariar súmula do Superior Tribunal de Justiça, a parte interessada poderá provocar a manifestação deste, que dirimirá a divergência.

Nota-se que, quanto aos Juizados Especiais estaduais, a Lei 9.099/95 não disciplinou qualquer previsão acerca do pedido de uniformização de jurisprudência decorrente desta justiça especial, o que se faria entender a aplicação por analogia do modelo previsto na Lei 12.153/2009 retro referido, tudo em nome do reconhecimento de um microssistema dos Juizados Especiais, conforme dita o art. 1º, parágrafo único.[3]

No entanto, não é isso que se observa, em geral, na vida forense, seja pelo não reconhecimento pragmático estimulador de dito procedimento ou mesmo pela ausência de regramento legal.

Alguns tribunais têm levado em seus regimentos internos – e o que pensamos, acertadamente – a disciplina quanto à composição de uniformização de jurisprudência em sede de Juizados Especiais Estaduais, como o Tribunal de Justiça de Minas Gerais, ao prever em seu Regimento Interno o seguinte:

Art. 11. Os órgãos do Tribunal de Justiça funcionam com o seguinte quórum mínimo e periodicidade:
(…)
VII – a Turma de Uniformização de Jurisprudência dos Juizados Especiais, sempre que convocada por seu presidente, com quatro quintos de sua composição;
Parágrafo único. Salvo disposição em contrário, de lei ou deste regimento, as decisões serão tomadas:
I – por maioria absoluta:
(…)
c) o pedido de uniformização de jurisprudência dos juizados especiais; (Redação dada pela Emenda Regimental 6, de 2016).
(Grifo nosso).

Com relação à outra questão tida como relevante se dá na eventual discrepância entre as decisões dos Juizados Especiais, quer estaduais, federais ou da Fazenda Pública para com as decisões dos tribunais estaduais e/ou regionais federais em sede de acórdão proferido em IRDR. Neste caso, a solução será outra.

Nisso, não sendo seguido pelos juizados o acórdão proferido em IRDR pelo TJ ou TRF, caberá, certeiramente, a Ação de Reclamação para o respectivo tribunal, conforme bem disciplina o art. 988, II do CPC/2015, favorecendo assim o respeito e a uniformidade das decisões, fortalecendo a previsibilidade racional e integridade do próprio sistema normativo.

 


[2] RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. CONTROLE DE COMPETÊNCIA PELO TRIBUNAL DE JUSTIÇA. JUIZADOS ESPECIAIS CÍVEIS. MANDADO DE SEGURANÇA. CABIMENTO. COMPETÊNCIA DOS JUIZADOS PARA EXECUTAR SEUS PRÓPRIOS JULGADOS. 1. É possível a impetração de mandado de segurança com a finalidade de promover o controle de competência nos processos em trâmite nos juizados especiais. 2. Compete ao próprio juizado especial cível a execução de suas sentenças independentemente do valor acrescido à condenação. 3. Recurso ordinário desprovido.
(STJ. 3ª T. RMS: 41964 GO 2013/0104769-0, Rel. Min. João Otávio De Noronha, Data de Julgamento: 06.02.2014, T3 – TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 13.02.2014).

[3]Art. 1º Os Juizados Especiais da Fazenda Pública, órgãos da justiça comum e integrantes do Sistema dos Juizados Especiais, serão criados pela União, no Distrito Federal e nos Territórios, e pelos Estados, para conciliação, processo, julgamento e execução, nas causas de sua competência.
Parágrafo único.  O sistema dos Juizados Especiais dos Estados e do Distrito Federal é formado pelos Juizados Especiais Cíveis, Juizados Especiais Criminais e Juizados Especiais da Fazenda Pública.

Autores

  • Brave

    é professor adjunto da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro; pós-doutor em Direito (Universidade de Coimbra) e em Democracia e Direitos Humanos (Ius Gentium Conimbrigae/Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra); doutor e mestre em Direito (UGF) e pós-graduado em Direito Processual (UGF). Membro do Instituto Iberoamericano de Direito Processual, do Instituto Brasileiro de Direito Processual, da International Bar Association, da Comissão Permanente de Direito Processual Civil do IAB-Nacional e também da Comissão de Educação Jurídica da OAB-MG.

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