Opinião

Para cancelar uma súmula vinculante, não basta discordar

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  • Iara Ferfoglia Gomes Dias Vilardi

    é sócia do FWRP Advogados atuando nas áreas consultiva e contenciosa. Mestre em Teoria Geral do Direito e especialista em contratos em infraestrutura arbitragem e técnica de negociação para advogados.

25 de fevereiro de 2017, 6h33

O Supremo Tribunal Federal negou pedido de cancelamento da Súmula Vinculante 5, cujo teor é o seguinte: “A falta de defesa técnica por advogado no processo administrativo disciplinar não ofende a Constituição”. O requerimento foi apresentado pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, em 2008, mas o julgamento foi encerrado apenas na semana passada, por votação apertada (6 x 5 votos).

O principal argumento do pleito e que também fundamentou a divergência entre os ministros foi a suposta inexistência de reiteradas decisões da corte a respeito do tema, o que evidenciaria a ausência de um dos requisitos necessários à edição do verbete.

Não adentrando no mérito da matéria sumulada — que é bastante polêmica, espinhosa e, provavelmente, a verdadeira razão do pedido deduzido pela OAB —, fato é que, do ponto de vista formal e prático, tal enunciado, ao contrário do alegado, está em consonância com o artigo 103-A da Constituição Federal.

É que poucos meses antes da aprovação da SV 5, o STJ, contrariando precedentes do STF, havia aprovado a Súmula 343 em sentido diametralmente oposto: “É obrigatória a presença de advogado em todas as fases do processo administrativo disciplinar”.

Isso, além de comprovar que existia relevante e recente controvérsia sobre o assunto, evidenciou o quadro de ausência de isonomia entre os jurisdicionados e de unidade sistêmica quanto a essa questão, uma vez que as duas mais altas cortes do Poder Judiciário discordavam quanto à interpretação e alcance do princípio do contraditório e da ampla defesa, instalando-se grave quadro de insegurança jurídica.

Diante disso, na primeira oportunidade que teve — o que ocorreu durante a sessão de julgamento de recurso extraordinário interposto contra decisão do STJ a respeito do tema —, o STF propôs a edição dessa súmula vinculante. Embora a proposta tenha encontrado alguma resistência inicial pela inexistência de número considerável de precedentes similares, foi aprovada por unanimidade.

Contudo, apesar de, naquele momento, existirem apenas três julgados com esse objeto, a interpretação sumulada já havia sido suficientemente discutido no STF, pois, ao longo dos anos, o tema foi sendo amadurecido — já que as decisões foram proferidas em períodos distintos — e confirmado – uma vez que nunca houve divergência de entendimento no STF sobre a matéria.

Nesse sentido, é preciso lembrar que não foi dado significado numérico ao termo "reiteradas decisões", devendo este ser interpretado como o número suficiente de análises que assinale maturidade da discussão jurídica, o que parece ter ocorrido nesse caso. Ademais, a existência de novos precedentes do STF sobre o assunto havia se tornado mais difícil — senão impossível — uma vez que, por conta da sumulação do ponto pelo STJ, teses contrárias seriam barradas por mecanismos processuais vigentes à época, como a súmula impeditiva de recursos, por exemplo. Portanto, era remota a hipótese de que semelhante controvérsia fosse novamente analisada por aquela corte.

O requisito da relevante multiplicação de processos sobre questão idêntica também foi observado. É que, em razão da súmula do STJ, uma avalanche de ações seriam propostas por servidores públicos que se submeteram a esse tipo de processo sem a constituição de um advogado.

Assim, mesmo não se podendo afirmar que houve, antes da aprovação da SV 5, efetiva multiplicação de processos com esse mesmo objeto no STF, havia inegável potencial de que tal se desse. Tanto isso é verdade que, durante o julgamento do pedido de cancelamento dessa súmula, mencionou-se, a título argumentativo, que o seu acolhimento traria grande impacto nos quadros da administração com a reintegração de mais de 3 mil servidores públicos.

Desse modo, a SV 5 não somente atendeu aos requisitos constitucionais como exerceu importante papel no que diz respeito à diminuição do problema da morosidade judicial — pois, além de ter evitado a propositura de incontáveis ações questionando a validade de processos disciplinares administrativos, finalizou diversas discussões controvertidas nas instâncias inferiores — e, principalmente, da imprevisibilidade — uma vez que existia verdadeira divergência jurisprudencial antes de sua aprovação.

Existem algumas súmulas vinculantes em vigor que ignoraram algumas condições essenciais para sua aprovação e que, por isso, merecem ser revistas, quiçá, canceladas. Esse, definitivamente, não é o caso da SV 5, que foi editada em consonância com a Carta Constitucional e alcançou os fins buscados pelo instituto em tela.

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