Opinião

Relações jurídico-empresariais devem ser regidas pelo Código Civil, não pelo CDC

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18 de fevereiro de 2017, 6h17

Com impactos até hoje visíveis e nem tanto compreendidos por consumidores, fornecedores e reguladores, em 11 de março de 1991 entrava em vigor o Código de Defesa do Consumidor (CDC), inaugurando um novo microssistema legislativo essencialmente principiológico e de ordem pública voltado à proteção das relações de consumo. Tal demanda era fruto de alguns (vários) abusos identificados entre partes economicamente mais fracas (hipossuficiência) ou ainda com algum tipo de deficiência técnica ou profissional (vulnerabilidade) em relação ao fornecedor, quase sempre considerado “mais forte” no vínculo obrigacional.

Desde a sua entrada em vigor, o CDC desafiou o Poder Judiciário em diversas situações, na grande maioria das vezes levando a um exagerado “peso de sua caneta”, criando um verdadeiro desequilíbrio nas relações contratuais com efeitos de segunda ordem que acabam, por sua vez, onerando mais ainda o próprio consumidor em cadeia. Não desprezamos os inúmeros avanços trazidos pelo sistema protetivo do CDC, especialmente frente à atual sociedade de consumo com exponencial crescimento e evolução vinculado à internet e ao comércio eletrônico. Porém, tal sistema protetivo deve ser interpretado em conjunto com a análise econômica do direito.

A proteção às cláusulas contratuais consideradas abusivas, a interpretação dos contratos por adesão de forma mais favorável aos aderentes (consumidores), a presumível inversão do ônus da prova nos procedimentos judiciais, além dos deveres de informação clara e adequada, das regras de arrependimento nas compras à distância, entre inúmeras outras situações protetivas do CDC, são claros avanços do ordenamento que viabilizam, entre outras formas de consumo, o comércio eletrônico. Iguais evoluções são identificadas na proteção contra práticas abusivas de oferta e publicidade, as quais, em conjunto com o sistema de proteção em face da criança e do adolescente (ECA), ganham uma relevância ainda mais aprofundada.

No entanto, tais práticas protetivas, que são reforçadas por inúmeras decisões judiciais ao longo de todo o território nacional, desenvolveram um verdadeiro contencioso massificado, com milhares de ações judiciais questionando as relações de consumo que se multiplicam de forma exponencial. Basta lembrarmos das ações judiciais promovidas contra as empresas de telefonia para questionar a cobrança da tarifa mínima. Presenciamos enormes filas ao redor de fóruns e de entidades de proteção e defesa dos direitos dos consumidores. O resultando de tais medidas judiciais veio da economia com o reajuste das tarifas e automático repasse dos custos de transação a todos os integrantes da cadeia de serviços de telefonia, internet e serviços agregados, tenham ou não pleiteado judicialmente tal revisão. Aqui já se identifica que a reclamação de alguns resultou em um direto aumento do custo de aquisição para toda a comunidade. O mesmo movimento é identificado com os planos de saúde.

Mais grave ainda é o fato de que, após mais de 25 anos de vigência do CDC, ainda não é clara a posição da doutrina ou da jurisprudência quanto à definição da relação de consumo frente a uma contratação entre duas empresas. São inúmeros os casos verificados em todos os tribunais estaduais ou federais em que se questiona a aplicação do microssistema do CDC às relações entre empresas, independentemente de estarmos frente a uma atividade-meio.

No entanto, as relações empresariais são verdadeiramente lançadas a um jogo de sorte ou azar, onde, a depender do juiz, da vara, da câmara ou tribunal ou até mesmo do ministro, poderá se determinar a aplicação do Código de Defesa do Consumidor em detrimento do reconhecimento da relação jurídico-empresarial. Questiona-se, então, onde está a segurança jurídica do investidor, seja ele nacional ou internacional?

Trata-se de verdadeira insegurança e incerteza jurídica. As empresas contratam sem saber se aos seus contratos serão aplicadas as regras previstas no Código Civil ou no Código de Defesa do Consumidor. Não sabem se haverá a aplicação presumida e automática da inversão do ônus da prova em eventuais demandas. Não sabem se determinada cláusula compromissória de arbitragem ou uma cláusula de necessária mediação prévia será considerada válida dentro da sistemática do Código Civil ou se será simplesmente considerada nula e abusiva dentro da sistemática do Código de Defesa do Consumidor.

Passados 25 anos de vigência do CDC, a manutenção de tal incerteza basilar quanto à aplicação do CDC às relações entre empresas é, no mínimo, incompreensível.

Ao movimento de ignorância da análise econômica do direito, soma-se o fato de que os currículos de praticamente todos os cursos de graduação e de pós-graduação em Direito no Brasil deixam de fazer essa necessária abordagem. A cadeira de Economia nas graduações em Direito é, na grande maioria dos casos, apresentada de forma desconectada em relação ao Direito e sem a necessária demonstração de sua importância em relação a todo o sistema do Direito e as consequências de uma análise sistêmica do binômio Direito e Economia.

É hora de repensarmos a forma do aprendizado do Direito no Brasil para incluirmos, entre outros pontos, a necessária análise econômica do Direito. No mesmo sentido, passados 25 anos de vigência do CDC, não se pode mais admitir a incerteza quanto à sua incidência sobre as relações jurídico-empresariais, as quais resultam no afastamento do capital e dos investidores. As relações jurídico-empresariais devem ser regidas pelo sistema do Código Civil em detrimento ao Código de Defesa do Consumidor, mantendo-se esse microssistema àqueles que efetivamente precisam da sua tutela protetiva.

Autores

  • é mestre em Direito Civil pela PUC/SP. Pós-Graduado em Direito Processual Civil, especialista em Direito Tributário, Direito dos Contratos e Novas Tecnologias pelo CEU/IICS. Especialista em Gestão de Serviços Jurídicos pela FGV-GVLaw. Sócio da Fernandes Rebouças Advogados e Gerente Jurídico da Mega Sistemas Corporativos.

  • é advogado em São Paulo, LL.M. em Direito Societário e Contratual pela Universidade da Califórnia (EUA), doutor em Direito Comercial pela Universidade de São Paulo, professor e coordenador-geral do Insper Direito.

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