Olhar Econômico

Haverá futuro para os tratados internacionais TPP e TTIP?

Autor

  • João Grandino Rodas

    é sócio do Grandino Rodas Advogados ex-reitor da Universidade de São Paulo (USP) professor titular da Faculdade de Direito da USP mestre em Direito pela Harvard Law School e presidente do Centro de Estudos de Direito Econômico e Social (Cedes).

16 de fevereiro de 2017, 8h05

Spacca
João Grandino Rodas [Spacca]O comércio entre as nações tem sido uma preocupação desde os tempos mais antigos. A partir do século XIX, quando os Estados soberanos passaram a fixar, linearmente, suas fronteiras e a legiferar, intensa e nacionalmente, sobre comércio, impôs-se a necessidade de se ter regras que facilitassem o comércio internacional. No século XX, surgiram duas tendências: a liberalização do comércio mundial, operada pelo Acordo Geral de Tarifas e Comércio (General Agreement on Tarif and Trade – GATT) e pela Organização Internacional do Comércio (OMC); e a criação de zonas com benefícios exclusivos para membros de organizações internacionais de integração econômica. Muito embora aparentemente antagônicas, o GATT/OMC, desde suas origens aceitou que seus membros, principalmente países em desenvolvimento, pudessem estabelecer, via criação de organizações internacionais, zonas de livre comércio e uniões aduaneiras restritas a um grupo de Estados. Face a isso, proliferaram em todo o globo dezenas e dezenas de blocos econômicos, que em dado momento de sua evolução, tendem a conglomerar-se, em razão do fenômeno denominado do building blocks.[1]

O Tratado de Parceria Econômica Estratégica Transpacífica, concluído em 2005 e em vigor desde 2006, entre Brunei, Chile, Nova Zelândia e Singapura, chamou atenção de outros oito países — Austrália, Canadá, Estados Unidos da América, Japão, Malásia, México, Peru, e Vietnã —, que, em 2008, iniciaram negociações para se juntarem ao bloco. Tais negociações levaram os doze países, a anunciar a conclusão do Tratado de Parceria Transpacífica (Trans-Pacific Partnership Agreement – TPP ou TPPA), em 5 de outubro de 2015; e a o assinar, a 4 de fevereiro de 2016, em Auckland, Nova Zelândia, cujo governo se tornou depositário desse tratado, considerado o maior acordo de livre comércio da história. Aliás, a superlatividade do TPP não para por aí: provavelmente seja o mais longo tratado negociado, estendendo-se por quase seis mil páginas! Vários Estados, embora não tendo participado das negociações tendentes ao TPP, demonstraram interesse em tornarem-se membros: Bangladesh, Camboja, Colômbia, Coreia do Sul, Filipinas. Indonésia, Índia, Tailândia e Taiwan. Importa ressaltar que o Brasil nunca demonstrou interesse em participar do TPP.

Objetiva o TPP, em suma, forte diminuição das barreiras ao comércio, quer tarifárias, quer não tarifárias; além de criar mecanismo próprio de solução de disputas, que possibilita aos investidores acionar os Estados estrangeiros, por violação do Tratado (Investor-State Dispute Settlement – ISDS).

Embora tenha-se inspirado nos acordos comerciais anteriores, o TPP é bastante avançado, possuindo regras inovadoras sobre comércio eletrônico, proteção da propriedade intelectual, investimento estrangeiro, neutralidade de empresas estatais e leis trabalhistas. Inusualmente, contém lista negativa dos setores cobertos pela liberalização comercial. O TPP supera os demais acordos comerciais, nos quesitos de boa governança, criminalizando a corrupção; na assunção de obrigações referentes ao meio ambiente; além de possuir regras estritas e modernas sobre direitos humanos, máxime com relação ao trabalho infantil e à proibição de discriminação e de trabalho forçado.

As opiniões extremas sobre o impacto do TPP são que haverá benefício econômico a todos os Estados participantes ou que a maioria será prejudicada. Joseph Stiglitz chegou a dizer que o tratado serviria somente aos mais ricos, enquanto outros economistas afirmaram que a grande liberalização do comércio traria a todos os participantes amplos benefícios. Aspecto geopolítico não desprezível é que o TPP diminuiria a dependências de vários países asiáticos da China, aproximando-os, comercialmente, do Ocidente.

Enquanto os Estados partícipes estavam envolvidos nas formalidades internas necessárias para a ratificação, indispensável para a entrada em vigor, em 23 de janeiro de 2017, os Estados Unidos retiraram-se do mesmo, por meio de memorandum do Executivo. A saída norte-americana inviabiliza o Tratado, pois a entrada em vigor exige a ratificação de todos as partes, se ocorrer no período de dois anos, a contar da assinatura; ou de seis Estados, cujo produto interno bruto (PIB) seja superior a 85% do PIB de todos os signatários, caso ocorra após dois anos.

Estados Unidos da América e a União Europeia juntos correspondem a 60% do PIB mundial: 33% do comércio de bens e 42% do comércio de serviços. Muito embora, as barreiras tarifárias entre tal organização internacional e esse Estado sejam baixas, eles estão negociando, reservadamente, o Tratado de Parceria Transatlântica de Comércio e Investimento (Transatlantic Trade and Investment Partnership -TTIP), que, ao entrar em vigor, cobriria 46% do PIB global. Trata-se de acordo de livre comércio, com o objetivo de promover o comércio e o crescimento econômico. Dentre as regras principais em negociação estão: acesso ao mercado, com redução de direitos alfandegários sobre bens e diminuição de restrições no tocante a serviços; estímulo à cooperação; coerência e não duplicação de regulamentações específicas; além de solução de controvérsias.

As pré-negociações iniciaram-se no final do século XX; enquanto que as rodadas de negociações, em 2013, tendo havido quinze rodadas, até o ano passado.

Vazamento parcial do rascunho do tratado, ocorrido em julho de 2013, forçou a Comissão Europeia, que negocia em nome da União Europeia, a fazer consulta pública, em março de 2014, que recebeu milhares de respostas, tendo seu relatório sido publicado em janeiro de 2015.

Quando a negociação terminar, os Estados-membros da União Europeia, bem como os Estados Unidos da América terão de aprovar o tratado, para que ele possa entrar em vigor.

São díspares as perspectivas do impacto a ser causado pelo TTIP: alguns falam em grande avanço econômico, enquanto outros profetizam benefícios muito menores; ademais há os que acreditam que o Tratado possa elevar o comércio entre as partes em 50%, beneficiando o crescimento econômico, gerando empregos e diminuindo preços. Muita discussão tem havido sobre os seguintes pontos: (i) a adoção de regras de solução de litígios entre investidores e Estados (Investor-State Dispute Settlement – ISDS), semelhantes às constantes no TPP, tendo alguns Estados europeus sido contrários à sua inserção, por considerá-las um atentado contra a soberania estatal. Não tem sido unânime, a tentativa de substituí-las por um tribunal sobre investimentos (Investment Court System – ICS); e (ii) a proteção do meio ambiente, considerada por alguns como, praticamente, inexistente.

O sucinto exame acima do TPP e do TTIP demonstra que, embora sejam negociações entre grupos diferentes de Estados, se tratam de negociações iniciadas há tempos, lentas por natureza e de longo prazo, com características de projeto de Estado e não, meramente, de governo e que possuem não somente semelhanças, mas complementaridade entre si.

Indubitavelmente, inobstante a posição do atual governo norte-americano, consubstanciado no bordão America First, tenha o potencial de sacudir as estruturas de ambos os acordos, dificilmente conseguirá transformá-los em escombros. Isso por vários motivos. Em primeiro lugar, na atualidade, nenhum Estado, por mais poderoso que seja, pode ser uma ilha. Em segundo, no que concerne ao TPP, já há movimentações para renegociá-lo, reestruturando-o, sem a participação norte-americana. Finalmente, pois o choque dado pelo presente governo norte-americano, pode ser estratégia diplomática dos Estados Unidos para renegociar os tratados, mormente o TPP, em outras bases.


[1] Rodas, João Grandino, No mundo atual, nenhum Estado pode ser uma ilha, Revista Eletrônica Consultor Jurídico, de 2 de fevereiro de 2017.

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    é professor titular da Faculdade de Direito da USP, juiz do Tribunal Administrativo do Sistema Econômico Latino-Americano e do Caribe (SELA) e sócio do escritório Grandino Rodas Advogados.

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