Opinião

Restabelecer alíquota de 15% para lucros afetaria pessoas e empresas

Autor

  • Carlos Henrique Abrão

    é desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo doutor em Direito Comercial pela USP com especialização em Paris professor pesquisador convidado da Universidade de Heidelberg e autor de obras e artigos.

4 de fevereiro de 2017, 6h30

Tramitam perante o Senado Federal diversos projetos de lei restabelecendo a tributação sobre lucros e dividendos das pessoas físicas no mercado de capitais, prevendo 15%, o que acarretaria um recebimento pelos cofres da União em torno de R$ 55 bilhões.

Entretanto, os projetos perderam seu tempo útil de vida e se revelam inócuos por inúmeros motivos, os quais tentaremos destacar para o bem das empresas, dos investidores e de poupadores que pretendem, ao longo de suas vidas, obter um ganho que seja complemento de parcas aposentadorias.

Em primeiro lugar, há pouco tempo o nosso mercado acionário estava capengo e jejuno de aplicadores abaixo dos 50 mil pontos. Num segundo momento, tributar pequenos minoritários não é apenas injusto, mas serve de barreira que desestimula a entrada de recursos novos nas empresas, sem a necessidade de baterem às portas das instituições financeiras com juros altíssimos para capital de giro e pessoas jurídicas.

Finalmente, e não menos importante, a maioria das empresas reduziu brusca e drasticamente a distribuição dos seus lucros e dividendos nos últimos anos. As maiores empresas, Petrobras e Vale, que participavam remunerações à altura de suas macroestruturas, reverteram suas posições.

Em razão do macroescândalo e seu prejuízo estratosférico, a Petrobras já não distribui lucros ou dividendos, nem mesmo juros sobre o capital próprio, que já é tributado na fonte. A Vale timidamente retomou seu papel de distribuir, mas em valores bastante inferiores do que aqueles preteritamente realizados.

A visão míope do Senado brasileiro é digna de mobilizar todos os interessados direta ou indiretamente em uma visão mais larga, e nessa senda, colimando sensibilizar os autores dos projetos.

O Brasil possui um mercado acionário diminuto, abastecido por escândalos e fraudes não suficientemente punidos pela autoridade reguladora, cuja multa máxima atinge R$ 500 mil e tem sempre a cobertura do seguro para ressarcir.

Para além disso, houve um notório encolhimento de investidores: quando a previsão seria de que alcançaríamos mais de 500 mil pessoas físicas, o quadro atual retrata um número que sequer chega a 20% desse estimativa. Não basta tributar a pessoa física que investe sob a batuta do risco e não tem a cobertura do Fundo Garantidor de Crédito.

Em outras palavras, o governo se torna sócio quando a opção do papel é boa e você ganha; quando perde, fica só o investidor com sua perda. É o que aconteceu ao longo dos últimos anos com a maioria das ações.

E existiria uma bitributação, já que o acionista que experimenta lucro entre a operação de compra e de venda já recolhe o valor para o governo, a título de imposto de renda.

Quando boa parte das empresas presentes na Bolsa param ou reduzem substancialmente o "plus", que é o dividendo, o lucro ou o juro sobre capital próprio, essencialmente acontece um efeito de manada e os investidores deixam suas posições, trocando-as por negócios livres de riscos.

Muitos dizem que, por falta de regulamentação ou excesso de flexibilização, nosso mercado acionário é um dos mais tímidos do mundo, com a circunstância de investidores em fundos estrangeiros e de pensão, o que realmente prejudica a confiança e reduz a credibilidade daqueles que convergem para uma aplicação revestida do fator risco.

Evidentemente, se a fúria do governo se hospeda na arrecadação, há uma pluralidade de opções fora do mercado de ações; os que especulam ou são considerados rentistas, pouco tempo permanecem ou fazem apostas a médio prazo, atuam com metodologia própria e muitas vezes saem chamuscados.

Há setores da economia que poderiam ser mais justamente tributados. Agora o mercado acionário vive um momento repleto de recuperação de perdas e de esvaziamento patrimonial; estima-se que nossas empresas no último triênio perderam quase R$ 1 trilhão, e aquelas mais ligadas aos negócios sinalizam tão-somente dez grandes companhias abertas.

Vital a reforma da lei de Sociedades Anônimas, em vigor há 40 anos, muito mais importante do que a simples tributação do mercado, e incorpora-se ao raciocínio a reforma fundamental da lei que disciplina o órgão regulador, a Comissão de Valores Mobiliários.

Necessitamos uma CVM independente, cujo superintendente seja vocacionado por mérito e não indicado pela pasta da Fazenda; de igual a diretoria. Se a Bolsa tem sede em São Paulo, local das operações, qual o motivo de o órgão fiscalizador estar localizado na cidade do Rio de Janeiro?

Essas incoerências e incongruências haverão de ser alteradas com muita propriedade pelo nosso Parlamento, longe de focar apenas a tributação de lucros e dividendos.

Poucas companhias no mercado; concentração de negócios; ridícula participação dos acionistas; além de que, com a grave crise que se abateu no País, dezenas de empresas estão sob o procedimento da recuperação judicial.

E com essa "repaginação" os acionistas foram prejudicados enormemente, de tal sorte que é fácil tributar quando o negócio de risco dá êxito, mas quando houver o prejuízo – que se tornou uma constante – o acionista ou investidor que fiquem calados, já que optaram por uma operação arriscada e sabiam de suas consequências, entrando a União como sócia apenas no momento da lucratividade operacional.

E quantos bilhões foram desperdiçados pelo BNDES no apoio e suporte às empresas de grande porte, as quais hoje enfrentam um universo de credores e, submissas à recuperação judicial, por certo darão o calote em todos os bancos, desagiando os créditos e impondo um provisionamento à altura dos empréstimos concedidos por causa de aventuras e total ausência de transparência.

Mutilar o mercado acionário mediante uma visão que embaraça o raciocínio e penaliza apenas a pessoa física não se justifica. Com a derrocada da dívida pública, hoje a maioria dos investimentos tem rentabilidade reduzida. E mais: muitos servidores não recebem seus vencimentos, ou quando ocorre esse pagamento, é parcelado e com atraso.

Ninguém poderia transformar o mercado numa plataforma de cassino ou de tributação de microinvestidores. Nesse aspecto, se a tributação for dominante, que se faça a partir de um determinado valor para os que possuem recursos financeiros. Um número expressivo de investidores e de minoritários aplica entre R$ 50 mil e R$ 1 milhão; não nos parece justo que o conceito de simetria prevaleça, mas sim o de assimetria. O investidor que aplica R$ 100 mil e ganha R$ 10 mil/ano na Bolsa pagará o mesmo que aquele que possui R$ 500 mil em papéis.

Dessa forma se combate a irracionalidade e a visão preconceituosa do mercado acionário, que vive momentos de turbulência como a economia do País. A tributação, se saísse encampada pelo Parlamento, somente sucederia em ganhos a partir de um determinado valor, e não por toda e qualquer soma, exemplificativamente o investidor ou minoritário que percebeu em torno de R$ 100 mil/ano por força de suas aplicações.

E não adianta ter diversas carteiras, que o sistema atuaria para evitar elisão, evasão, fraude ou sonegação.

Uma vez que mantemos um tímido mercado de ações, que não gera recursos financeiros à altura dos investimentos de que precisam as grandes companhias, estas tornam-se presas fácil do capital estrangeiro e da alienação do controle.

Distribuir lucros e dividendos ou pagar juros sobre o capital próprio é uma percepção natural e que prioriza a estabilidade do mercado e o trato dispensado aos investidores.

Com a absoluta falta de novas aberturas de capital (IPO), pensar ou cogitar tributar lucros e dividendos num momento de escassez e prejuízos se nos afigura "nonsense" e acena a insensatez do Parlamento em mudar a legislação, principalmente a que disciplina o órgão regulador.

Que o nosso Congresso Nacional reveja os projetos de lei que tramitam para fazer incidir alíquota de 15% sobre a distribuição de lucros ou dividendos – o mesmo que sucede em relação aos juros sobre capital próprio -, sob pena de gerar estereotipias que estigmatizam a normalidade de aberturas das Bolsas e de empresas como segura fonte de injeção de recursos destinados à contratação, política de investimentos, de crescimento e desenvolvimento.

Especialmente em tempos de uma esmagadora crise, substancialmente provocada pela mão visível do Estado e por um injusto sistema tributário que escancara suas distorções e demonstra que nossas empresas perderam liquidez, aumentaram suas taxas de endividamento e mostram-se anêmicas.

Mas as causas desse estado de coisas não são combatidas pelo nosso Parlamento, que somente divisa tributar para arrecadar, sem medo de matar a galinha dos ovos de ouro de um sistema que foi concebido para alimentar toda a economia e não simplesmente para destruir a força motora das empresas de capital aberto.

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    é desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo e professor pesquisador convidado da Universidade de Heidelberg (Alemanha). Tem doutorado pela USP e especialização em Paris.

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