Ignorância proposital

Moro condena João Santana por "cegueira deliberada" em campanha do PT

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2 de fevereiro de 2017, 15h05

Quem escolhe permanecer ignorante sobre a natureza de bens recebidos, quando tinha condições de conhecer a origem do dinheiro, não escapa do agir doloso e também tem responsabilidade criminal. Esse foi o entendimento do juiz federal Sergio Fernando Moro ao condenar, nesta quinta-feira (2/2), o marqueteiro João Santana e a mulher, Mônica Moura, a 8 anos e 4 meses de prisão cada um por irregularidades na campanha da ex-presidente Dilma Rousseff (PT) em 2010.

No entanto, Santana e Mônica foram absolvidos da acusação de corrupção, pois Moro não viu provas de que os marqueteiros participaram de todo o esquema que, segundo a denúncia, envolveu propinas do grupo asiático Keppel Fels para fechar negócios com a petrolífera e com a Sete Brasil – empresa privada formada com diversos investidores, entre eles a Petrobras, bancos e fundos de pensão da Petros, Previ, Funcef e Valia.

Na 24ª sentença ligada à operação “lava jato”, Moro voltou a aplicar o conceito da “cegueira deliberada”, usado no Direito anglo-saxônico para lavagem de dinheiro, equiparável ao dolo eventual na tradição da civil law. Para abordar a tese, ele citou uma obra própria sobre o tema (Crime de lavagem de dinheiro, 2010) e coluna do advogado Pierpaolo Cruz Bottini, publicada na revista eletrônica Consultor Jurídico, sobre referências ao dolo eventual e à cegueira deliberada no Supremo Tribunal Federal.

O juiz entendeu que os dois réus participaram de nove tentativas de dissimular o recebimento de US$ 4,5 milhões entre 2013 e 2014. Esse dinheiro tinha relação com fraudes em contratos da Petrobras, de acordo com a denúncia.

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João Santana foi condenado a 8 anos e 4 meses de prisão por ter recebido dinheiro de propina como pagamento de campanha.
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Santana e Mônica tentavam ser absolvidos com base em decisão favorável ao marqueteiro Duda Mendonça na Ação Penal 470, o processo do mensalão. Ele e a sócia, Zilmar Fernandes Silveira, foram um dos poucos réus que saíram sem condenação no caso, pois o Supremo concluiu que não havia prova suficiente de que ambos conheciam todo o esquema.

Segundo Moro, porém, o precedente não serve como “álibi”, porque Mendonça admitiu desde o início o recebimento dos valores para campanhas eleitorais com recursos não contabilizados, afirmando desconhecer a origem criminosa. Já Santana e a mulher, de acordo com o juiz, buscaram justamente esconder a origem do dinheiro, por meio de contas em nome de empresas off-shores e contratos simulados de prestação de serviços para dar aparência lícita às transações.

Além disso, Mônica Moura enviou por conta própria um modelo de contrato ao lobista Zwi Skornicki, que representou o grupo asiático Keppel Fels em contratos da Petrobras para comprar sondas.

Já o ex-tesoureiro do PT João Vaccari Neto foi condenado a 10 anos de prisão por ter participado de acertos de propinas ou indicado beneficiários do esquema, de acordo com a sentença. Ele negou envolvimento e disse que nada foi comprovado após buscas e quebras de sigilo bancário e fiscal do acusado.

Em nota, o advogado de Vaccari Neto, Luiz Flávio Borges D’Urso, afirmou que ira apelar dessa sentença. Segundo ele, a condenação foi "injusta", pois foi proferida apenas com base na palavra de um delator.  "Considerando que palavra de delator não é prova no sistema legal brasileiro, e que inexiste no processo prova a confirmá-la, tal condenação, não poderá subsistir, devendo ser reformada em grau de recurso", declarou D'Urso. 

Lição de casa
Moro disse que não são convincentes o argumento de que marqueteiros seriam “vítima da ‘cultura do caixa dois’”. Segundo ele, Santana era próximo a Duda Mendonça e por isso deveria ter levado em consideração a AP 470. “O julgado […] deveria servir […] exatamente como uma alerta a profissionais do ramo de que se receberem recursos não contabilizados para campanhas eleitorais, correm o risco de estar recebendo produto de crimes de corrupção”.

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Absolvição de Duda Mendonça na AP 470 não pode ser utilizada como "álibi" para marqueteiros, segundo Sergio Moro.

“Está na hora de profissionais do marketing eleitoral assumirem a sua parcela de responsabilidade por aceitarem receber dinheiro não registrado e de origem e causa criminosa”, afirmou o juiz.

No processo, as defesas de João Santana e Mônica Moura afirmaram que só tinham conhecimento do “caixa dois”, e não de crime. Alegaram que nem toda doação eleitoral irregular envolve pagamento de propina e rejeitaram a aplicação da cegueira deliberada no dolo eventual.

Veja a lista de outros condenados na mesma sentença:

João Vaccari Neto, ex-tesoureiro do PT
Pena –
10 anos de prisão.

Eduardo Costa Vaz Musa, ex-gerente da Petrobras
Pena –
8 anos e 10 meses de prisão.
* Pelo acordo de delação premiada, porém, ele terá pena máxima de 10 anos de reclusão mesmo se condenado em outras ações penais e cumprirá pena em “regime aberto diferenciado” por dois anos, com prestação de serviços e recolhimento domiciliar nos finais de semana.

Zwi Skornicki, lobista
Pena –
15 anos, 6 meses e 20 dias de prisão.
* Pelo acordo de delação premiada, porém, ele terá pena de no máximo 15 anos de reclusão mesmo se condenado em outras ações penais; ficará pelo menos até 2018 em prisão domiciliar e deverá prestar serviços à comunidade por 3 anos e 6 meses.

João Carlos de Medeiros Ferraz, ex-presidente da Sete Brasil
Pena –
8 anos de prisão.
* Pelo acordo de delação premiada, porém, ele terá pena máxima de 8 anos de reclusão mesmo se condenado em outras ações penais; com cumprimento substituído por dois anos de prestação de serviços comunitários.

Clique aqui para ler a sentença.
Clique aqui para ler o resumo de 17 das 24 sentenças da "lava jato".

* Texto atualizado às 16h50 do dia 2/2/2017 e às 10h16 do dia 3/2/2017 para acréscimo de informações.

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