Com mudanças em sua formação, Cade consolidou atuação antitruste do Brasil
31 de dezembro de 2017, 7h40

Tendo passado mais de meia década da promulgação da Lei de Defesa da Concorrência, o Conselho passa a lidar com uma nova perspectiva, de consolidação da arquitetura institucional e das práticas estabelecidas. Ao mesmo tempo, deve se manter aberto às novas soluções para os desafios que certamente irão surgir.
Assim, o ano foi marcado por grandes mudanças, mas mantendo a higidez e os avanços institucionais desses cinco anos. Tais mudanças se deram, principalmente, no concernente aos ocupantes dos cargos de destaque: a entrada de seu novo presidente, Alexandre Barreto, além do anúncio de três novos membros para o Tribunal: conselheiro Oscar Bandeira Maia e conselheira Polyanna Ferreira Silva Vilanova, além da recente indicação de Paula Azevedo para assumir a vaga de Gilvandro Vasconcelos, conselheiro decano e uma grande liderança jurídica no Tribunal que deixa o Cade agora em dezembro.
Também é de se notar a mudança de comando da Superintendência-Geral (SG) do Cade, com a saída de Eduardo Frade Rodrigues e entrada de Alexandre Cordeiro Macedo. A Procuradoria Geral Especializada junto ao Cade (ProCade) também está sob novo comando, na figura do Procurador Geral Walter Agra.
Enquanto não se definiam os novos ocupantes de alguns cargos, o trabalho do Cade não refreou. Foram julgados casos e debatidos temas de grande relevância para o Direito Concorrencial brasileiro, em todas as suas áreas de atuação.
Consolidação no cenário internacional
O Cade, no ano de 2017, buscou se posicionar em sentido de fortalecer a posição do Brasil no que tange à cooperação internacional em matéria antitruste. O Conselho recebeu a 5ª Conferência Internacional sobre Concorrência dos BRICS, nos quais foram discutidos temas relacionados a todos os grandes tópicos do Direito Concorrencial[1].
Outro acontecimento relevante foi o pedido feito pelo Cade de adesão do Brasil como membro permanente do Comitê de Concorrência da OCDE[2]. Tal pedido, de acordo com a Autarquia, é um movimento que consolida a participação do Conselho nos encontros temáticos do órgão internacional, possibilitando um posicionamento de maior destaque do país nos debates a respeito de políticas globais de defesa da concorrência.
Reprovações de atos de concentração
Em 2017, o Cade reprovou três operações a ele submetidas. Até então, o Conselho havia reprovado duas operações de maior destaque – a compra da Solvay Indupa pela Braskem e a da Condor Pincéis pela Tigre, em 2014 e 2015, respectivamente.
A primeira operação rejeitada no ano foi também a de maior repercussão midiática. No dia 28 de junho, o Conselho reprovou a aquisição da Estácio Participações S/A pela Kroton Educacional S/A[3]. O Conselho, por cinco votos a um, restando vencida a conselheira relatora Cristiane Alkmin, decidiu que não haveria dentre os remédios propostos pelas partes, qualquer medida suficiente para mitigar os efeitos anticoncorrenciais da operação.
A segunda operação rejeitada foi a tentativa de aquisição da Alesat Combustíveis S.A. pela Ipiranga Produtos de Petróleo S/A, no dia 02 de agosto[4]. Por unanimidade, o Conselho acolheu os apontamentos do conselheiro relator João Paulo de Resende, que argumentou que, caso fosse aprovada, a operação eliminaria “a principal distribuidora capaz de abastecer postos interessados em permanecer como bandeira branca ou em uma alternativa negocial de embandeiramento às três grandes distribuidoras de nível nacional”.
A terceira e última operação rejeitada pelo Conselho foi a reprovação da compra do capital social da Mataboi Participações Ltda. e de sua subsidiária integral, a Mataboi Alimentos Ltda., pela JBJ Agropecuária Ltda., no dia 18 de outubro[5]. Nesse caso, o Conselho levou em consideração o fato de a JBJ ser propriedade de José Batista Júnior, parente dos controladores da JBS, a líder do mercado nacional de abate e comercialização in natura. Dessa forma, por mais que não haja relação societária entre as partes, o Cade entendeu que o grau de parentesco entre o administrador da Mataboi e os controladores da JBS, inclusive levando em consideração a indicação recente de José Batista Júnior para assumir a presidência da JBS na ausência de seus controladores, poderia levar a uma atuação conjunta das empresas após a conclusão da operação. No caso, o Tribunal ainda reconheceu que a operação fora consumada antes da notificação frente à autarquia, levando a autoridade a aplicar multa por gun jumping.
Aprovação de casos com remédios
Para além dos atos de concentração reprovados, a atuação do Cade frente a casos complexos também se embasou consideravelmente na aplicação de remédios antitruste como modo de atenuar possíveis efeitos anticoncorrenciais advindos de operações societárias.
Em 16 de agosto, o Tribunal do Conselho condicionou a compra dos negócios de varejo do Banco Citibank S/A pelo Itaú-Unibanco S/A à assinatura de um Acordo em Controle de Concentrações (ACC), cujo objeto continha a imposição ao Itaú de remédios comportamentais, como a adoção de medidas nos setores de Comunicação e Transparência, Compliance, entre outros. Além disso, o Banco não poderá adquirir instituições financeiras e administradoras de consórcios por 30 meses[6].
Outro Ato de Concentração cuja aprovação foi condicionada à aplicação de remédios foi a fusão entre Dow Chemical e DuPont de Nemours, em 17 de maio[7]. Ponto interessante da referida fusão foi o fato de as estruturas societárias envolvidas tratarem integralmente de pessoas jurídicas estrangeiras. Dessa forma, a aplicação dos remédios teve de ser coordenada com outras jurisdições. Além disso, o conselheiro relator Paulo Burnier mencionou o fato de o ACC preservar incentivos que afetem elementos diversos ao fator preço, como a inovação “com compromissos diversos de pesquisa e desenvolvimento (P&D) nos mercados afetados pela operação”.
O Conselho também teve de decidir a respeito de outro caso de grande repercussão internacional: a compra da Time Warner pela AT&T foi aprovada mediante restrições, na sessão de 18 de outubro[8]. Após discussões sobre a possível aplicabilidade da Lei do SeAC pelo Conselho, tendo em vista a restrição legal imposta por esse diploma normativo à integração vertical entre produtoras e programadoras e prestadoras de serviços de telecomunicação, o ACC obrigou a AT&T a manter a Sky Brasil e as programadoras de canais Time Warner como pessoas jurídicas próprias, incluindo a estrutura de administração e governança de cada uma delas. Além disso, foi acordada a impossibilidade de a Sky Brasil recusar a transmissão, ou impor termos discriminatórios, em relação às provedoras de canais de programação não-afiliadas à AT&T.
Tais questões poderão ser discutidas em bases mais concretas a partir da edição do Cade de um guia de remédios antitruste, documentação em falta dentre os atuais guias editados pela Autarquia. Uma documentação que parametrize o posicionamento do Conselho a respeito desse tema seria de extrema relevância, a fim de possibilitar negociações mais céleres e efetivas entre as partes e o Cade.
Condutas – o combate aos cartéis
No campo do controle de condutas, o Cade manteve a sua postura forte de investigação a cartéis e do incentivo ao seu programa de acordos. Se de um lado o tribunal julgou 8 casos de cartel em 2017, um número relativamente menor se comparado com o ano de 2016, no qual foram julgados 20 cartéis ao todo[9], de outro houve um aumento no número de Termos de Compromisso de Cessação de Conduta (TCCs) assinados, passando de 61 em 2016 para 72 em 2017, o que elevou de 798 para 840 milhões de reais o valor total das contribuições pecuniárias em TCC. Também houve um aumento considerável no número de Acordos de Leniência assinados: de 11 acordos assinados em 2016, foram assinados 21 em 2017[10].
Dentre os casos de maior destaque, encontram-se aqueles derivados das investigações no âmbito da operação “lava jato”. No mês de dezembro de 2017 foram assinados o décimo terceiro e décimo quarto acordos de leniência relacionados aos contextos da operação[11].
Dessa forma, a diminuição de casos julgados pelo tribunal não demonstra uma menor propensão ao combate a esse tipo de arranjo competitivo no âmbito do Conselho, pelo contrário. A autarquia manteve a política que vinha sendo adotada nos últimos anos pelo Cade, o que mostra o fortalecimento e a cristalização das práticas do Conselho.
Condutas unilaterais
Outro ponto de destaque foram as investigações por parte do Cade no âmbito de condutas unilaterais. De relevante, podemos citar a recomendação da Superintendência-Geral de arquivamento do processo administrativo que apura infrações relativas ao uso de meios abusivos por parte de taxistas para excluir e barrar a entrada do aplicativo Uber no mercado de transporte individual remunerado[12].
A SG se posicionou no sentido de que, enquanto não for decidido pela legalidade ou ilegalidade da Uber, a empresa e outros aplicativos devem ser consideradas concorrentes como quaisquer outros, não podendo ser alvo de condutas anticompetitivas. Além disso, a Superintendência não viu indícios suficientes dos ilícitos denunciados.
Cálculo de multa: a questão da vantagem auferida
O Conselho, durante o ano, enfrentou internamente um debate a respeito do modo de cálculo de multa com base nos termos do artigo 37, I da Lei 12.529/2011. Os conselheiros João Paulo Resende e Cristiane Alkmin trouxeram a posição de que é necessário estabelecer um critério de multa mais dissuasório, que leve em consideração a vantagem que a empresa infratora teria obtido durante toda a conduta. Para tanto, o cálculo de multa deveria se basear em outros fatores, diversos do faturamento bruto da empresa no último exercício anterior à instauração do processo administrativo.
Os outros conselheiros sustentaram durante o ano posição diversa. Entre outros argumentos, consideraram que o critério de faturamento, além de ser explicitamente elencado pela lei como baliza, está mais alinhado com a jurisprudência do Conselho. Assim, seria um elemento capaz de trazer maior segurança jurídica aos administrados e possibilitaria um exercício mais adequado do direito de defesa.
Ao que tudo indica, tal questão continuará a ser debatida em 2018 e os contornos da direção a ser tomada pelo Conselho estão para ser definidos. Tal ponto, assim como a questão dos remédios, é algo que deve ser analisada de maneira pormenorizada pelo Cade como um todo, e não apenas na posição individual dos Conselheiros e Conselheiras.
Cumpre salientar a importância da edição de um guia de dosimetria das penas a serem aplicadas pelo Cade, instrumento capaz de traduzir de maneira mais técnica a necessidade em se estabelecer um padrão de aferimento do dano de modo. Tal guia poderia promover segurança jurídica tanto aos administrados, quanto aos próprios Conselheiros e Conselheiras no momento de julgar os casos a eles levados.
Concorrência e tecnologia – A atuação do Cade
O Cade, conforme já exposto em relação às investigações envolvendo a Uber, fortaleceu sua atuação relativa à interface entre concorrência e tecnologia.
Um exemplo foi o posicionamento da SG, por meio da Nota Técnica 34/2017/CGAA4/SGA1/SG/Cade, de que o zero-rating, definido como a possibilidade de provedores de conexão não descontarem dados das franquias de usuários quando estes utilizam determinadas aplicações, não consiste em infração à ordem econômica[13].
Podemos citar também a recente abertura de estudo por parte do Departamento de Estudos Econômicos (DEE)[14] para análise da relação entre o setor hoteleiro e a atuação de plataformas online de acomodações por temporada. Não houve manifestações concretas a respeito de tal estudo, mas a intenção de realizá-lo denota explicitamente uma preocupação da autarquia em observar atentamente os impactos da economia do compartilhamento na economia brasileira.
O Cade em 2018
Diferentemente do que ocorreu em 2017, a expectativa para o próximo ano é que o Conselho se mantenha com a mesma formação em seus órgãos, com todas as autoridades do Tribunal devidamente empossadas, assim como no caso da Superintendência-Geral. O Tribunal do Cade, ao longo do primeiro semestre, deverá tomar a forma que podemos esperar da sua nova composição para os próximos dezoito meses.
Tal aspecto será conjugado com a experiência adquirida pela autarquia nos últimos cinco anos. Esse equilíbrio entre herança institucional e possibilidade de adaptação aos novos desafios será a marca para um ano que sedimentará a atuação de novos integrantes do Cade, e definirá os rumos que a autarquia deve seguir daqui em diante.
Dessa forma, cabe ao Conselho manter a sua atuação técnica e sua higidez institucional, para que possa responder de maneira satisfatória às questões complexas que com certeza serão levadas à sua análise.
[1] http://www.cade.gov.br/noticias/brasilia-recebe-5a-conferencia-internacional-dos-brics-sobre-concorrencia, acessado em 20.12.2017
[2] http://www.cade.gov.br/noticias/brasil-pede-adesao-ao-comite-de-concorrencia-da-ocde, acessado em 20.12.2017
[3] http://www.cade.gov.br/noticias/aquisicao-da-estacio-pela-kroton-e-vetada-pelo-cade ac essado em 18.12.2017 Trata-se do AC nº 08700.006185/2016-56.
[4] http://www.cade.gov.br/noticias/compra-da-alesat-pela-ipiranga-e-vetada-pelo-cade Trata-se do AC nº 08700.006444/2016-49
[5] http://www.cade.gov.br/noticias/cade-reprova-compra-da-mataboi-pela-jbj, trata-se do AC nº 08700.007553/2016-83
[6] http://www.cade.gov.br/noticias/cade-autoriza-aquisicao-dos-negocios-de-varejo-do-citibank-pelo-itau Trata-se do AC nº 08700.001642/2017-05
[7] http://www.cade.gov.br/noticias/fusao-entre-dow-e-dupont-e-aprovada-com-restricoes Trata-se do AC nº 08700.005937/2016-6.
[8] http://www.cade.gov.br/noticias/compra-da-time-warner-pela-at-t-e-aprovada-com-restricoes Trata-se do AC nº 08700.001390/2017-14
[9] Todos os números se deram a partir de pesquisas na plataforma “Cade em números”, no site http://cadenumeros.cade.gov.br, acessado em 18.12.2017
[10] http://www.cade.gov.br/assuntos/programa-de-leniencia, acessado em 18.12.2017
[11] http://www.cade.gov.br/noticias/cade-investiga-carteis-em-licitacoes-de-infraestrutura-e-transporte-rodoviario-em-sp, acessado em 20.12.2017
[12] http://www.cade.gov.br/noticias/superintendencia-do-cade-conclui-investigacao-no-mercado-de-aplicativo-de-transporte-individual-de-passageiros-1 Trata-se do PA nº 08700.006964/2015-71
[13] Trata-se do IA nº 08700.004314/2016-71
[14] Trata-se do processo nº 08700.007332/2017-96
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