Opinião

Aplicação da Reforma Trabalhista a ações ajuizadas antes da Lei 13.467/2017

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31 de dezembro de 2017, 5h35

Certas “teses” jurídicas que leio por aí são tão nonsense quanto qualquer que uma que quisesse provar que “é o rabo que abana o cachorro”. Antes mesmo de viger, a “reforma trabalhista” trazida pela Lei 13.467/2017 foi alvo do fogo cruzado de quem era a favor ou contra a mudança. Tinha gente que sabia do que estava falando e gente que falava pelos cotovelos apenas para sair bem nas selfies e vender livros de auto-ajuda jurídica, desses que prometem ensinar aquilo que nem mesmo os seus autores sabem. Juízes, advogados, professores e estudiosos de todos os credos reuniram-se em congressos pagos para dizer que não cumpririam a lei ou que somente iriam cumpri-la depois de interpretá-la segundo “princípios universais do direito do trabalho” coados na peneira fina da sua própria maneira de ver o mundo. Um punhado de “enunciados” de óbvia inutilidade foi escrito no calor desses debates ocos, como se o mundo do trabalho prestasse alguma atenção no que essas pessoas diziam.

Tudo era, ao fim, um pretensioso exercício de premonição e de soberba jurídica.

Pois bem.

Três dias depois da entrada em vigor da Lei 13.467, o próprio governo editou a MP 808, por meio da qual pretendeu consertar os desvãos da “reforma” ou acomodar interesses de ocasião de quem o ajudara a salvar o pescoço e livrar-se das flechadas do Janot.

Quando uma lei entra em vigor?
O artigo 1º do Decreto-Lei 4.657/1942 diz que, “salvo disposição contrária, a lei começa a vigorar em todo o país quarenta e cinco dias depois de oficialmente publicada”. O §1° do artigo 8º da Lei Complementar 95/1998 diz que “a contagem do prazo para entrada em vigor das leis que estabeleçam período de vacância far-se-á com a inclusão da data da publicação e do último dia do prazo, entrando em vigor no dia subsequente à sua consumação integral”.

Essa é a regra geral.

O artigo 6º da Lei 13.467/2017 diz que a reforma entraria em vigor depois de decorridos 120 dias de sua publicação. Como foi publicada em 14/7/2017, uma sexta-feira, entrou em vigor em 11/11/2017, um sábado, porque a contagem do prazo começou em 14/7/2017 e terminou em 10/7/2017 (sexta-feira). Assim é porque o artigo 8º, §1° da LC 95/1998 diz que toda lei com vacatio entra em vigor no dia seguinte ao término da vacância.

O §3º do artigo 1º do Decreto-Lei 4.657/1942 diz que se houver nova publicação do texto da lei, para simples correção, antes que a lei tenha entrado em vigor, o prazo de 45 dias começará a correr da nova publicação. Como a MP 808/2017 foi publicada quando a Lei 13.467/2017 já estava em vigor, o prazo de 120 dias fica mantido.

O §4º do artigo 2º do Decreto-Lei 4.657/1942 diz que as correções a texto de lei já em vigor se consideram lei nova. Nesse sentido, a MP 808/2017 é lei nova.

Por fim, o §1º do artigo 2º do Decreto-Lei 4.657/1942 diz que a “lei posterior revoga a anterior quando expressamente o declare, quando seja com ela incompatível ou quando regule inteiramente a matéria de que tratava a lei anterior”. A Lei 13.467/2017 revogou a CLT nos pontos em que o disse expressamente e naqueles em que se mostrar incompatível com ela ou regular inteiramente a mesma matéria.

O que é uma “lei processual?
Ouço dizerem aqui e ali que as “leis processuais” se aplicam aos processos em curso e têm, portanto, efeito retroativo.

Onde essas pessoas leem isso?

Separemos o joio porque há lamentável confusão de conceitos. Que a lei processual se aplica aos processos em curso me parece óbvio porque toda lei, material ou processual, tem efeito imediato e geral. Efeito imediato e geral significa que a lei está vigendo desde o momento em que foi publicada, tem eficácia cogente e se aplica a todos. Mas isso não quer dizer que seja retroativa.

O que é, afinal, uma “lei processual”?

Salvatore Satta, ressalvando, embora, que se trata de uma “tautologia sublime”,diz que

“…a regra processual é aquela do exercício da jurisdição civil; e uma vez que esta se pratica através do processo, norma processual é aquela reguladora do processo”.

Aqui, pois, o conceito de constrangedora obviedade: lei processual é a que regula o processo. E para que não sobre dúvida sobre o que se deve entender por “lei processual”, Satta adverte que deve porém se tratar “de lei reguladora do processo e não daquela que rege a relação substancial, ainda que influa sobre o processo”. Ora, a CLT não é um código de processo, mas uma consolidação de leis. O que nela se contém de regras processuais é muito pouco. Ainda assim, tomado por empréstimo à Lei 6.830/80, por autorização expressa do artigo 889. A Lei 13.467̸̸2017 não regula processo algum, mas o direito material trabalhista. Aplica-se ao processo do trabalho, desde logo, não porque seja uma “lei processual”, mas porque é lei, e toda lei publicada vige imediatamente e toma os processos no estado em se encontrem no momento da sua publicação.

Daí a retroagir vai distância grande.

A lei nova aplica-se aos processos antigos?
É princípio fundamental que a lei estabelece sempre ad futuram, e como o processo se realiza no tempo, uma lei nova pode colhê-lo enquanto ainda tramita. Daí dizer-se que o processo é regulado pela lei nova tão logo essa lei nova entre em vigor. Tanto quanto as leis materiais, as leis ditas processuais não têm efeito retroativo. Simplesmente apanham o processo no estado em que estiver, no momento de sua entrada em vigor, mas somente regulam os atos processuais dali para a frente. Os atos processuais já praticados antes que a lei nova entre em vigor são mantidos incólumes em todos os seus efeitos e se regram pelas leis que vigiam quando esses atos foram praticados. Sempre foi assim e sempre será assim. Apenas os atos posteriores à entrada em vigor da nova lei é que serão regulados por ela.

Em regra, portanto, a lei nova aplica-se, apenas, aos processos novos, assim entendidos aqueles ajuizados após a sua entrada em vigor. Mas é possível que uma lei nova alcance processos antigos, ajuizados antes de sua vigência se disser expressamente que o faz e se respeitar o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada. O artigo 6º do Decreto-Lei 4.657/42, que define quando e em quais situações a lei nova pode retroagir, explica cada um desses conceitos. Por ali se sabe que ato jurídico perfeito é aquele já consumado segundo a lei vigente ao tempo em que se efetuou; consideram-se adquiridos os direitos que o seu titular, ou alguém por ele, possa exercer, bem assim aqueles cujo começo do exercício tenha termo prefixo ou condição pré-estabelecida inalterável pela vontade de outrem; e, por fim, que coisa julgada é o efeito de uma decisão judicial contra a qual não já não caiba nenhum recurso.

Esses são, portanto, os limites da aplicação retroativa da lei nova.

Direito intertemporal
Como regra, prevalece no nosso ordenamento jurídico a máxima “tempus regit actum”, isto é, o tempo rege o ato. Como é da natureza da leis que disponham para o futuro, apenas excepcionalmente podem retroagir para apanhar situações jurídicas nascidas antes de sua entrada em vigor. Saber se uma lei nova aplica-se ou não aos processos nascidos antes de sua vigência, ou quais atos dos processos ainda em tramitação são regulados por ela ou pela lei antiga, é uma questão de direito intertemporal. A esse fenômeno dá-se o nome de “conflito entre leis no tempo e no espaço”.

Os conflitos entre leis no espaço são relativamente fáceis de resolver: como a lei é um ato de Estado para a disciplina da jurisdição, e jurisdição é um atributo da soberania, toda lei é territorial e, como regra, só vale nos limites (espaço) do território que a produziu. Já os conflitos de leis no tempo comportam alguma divagação útil. A doutrina costuma adotar três sistemas para resolver os problemas de direito intertemporal:

1º — Sistema da Unidade Processual;

2º — Sistema das Fases Processuais;

3º — Sistema do Isolamento dos Atos Processuais.

Conforme o primeiro sistema (unidade processual), o processo é um todo, um corpo único encadeado para um único fim, que é a sentença sobre o mérito. Assim, ainda que em curso, a lei nova apanha o processo nesse estado e passa a disciplinar as suas fases, tornando ineficazes todos os atos praticados na constância da lei antiga. Para o segundo sistema (fases processuais) o processo, embora uno, é uma soma de fases autônomas: postulatória; probatória; decisória e recursal. Cada uma dessas fases constitui-se de um conjunto inseparável de atos que, ao fim, formarão o processo como instrumento da jurisdição. Por fim, para o último sistema (isolamento dos atos processuais), ainda que admitindo a evidência de que o processo é uma unidade que busca um fim (sentença), esses conjuntos de atos encadeados podem ser considerados isoladamente para a aplicação da lei nova. Para esse sistema, como a lei nova tem efeito imediato e geral e apanha o processo em seu desenvolvimento, mas respeita a eficácia e os efeitos dos atos já praticados na constância da lei velha, apenas os atos processuais que ainda tiverem de ser praticados serão alcançados pela disciplina da lei nova.

O direito brasileiro adota os sistemas de isolamento dos atos processuais e da irretroatividade das leis e a regra “tempus regit actum”.

Conclusões
1ª. Como toda lei regularmente publicada, a Lei 13.467/2017 tem eficácia imediata e geral e se aplica aos processos em curso, mas todos os atos processuais praticados antes de sua entrada em vigor serão regulados pela legislação anterior.

2º. A Lei 13.467/2017 não é processual, não tem efeito retroativo e se aplica apenas aos processos novos. Poderia, eventualmente, aplicar-se aos processos ajuizados anteriormente à sua vigência se o dissesse expressamente e, além disso, se preservasse o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada. Ato jurídico perfeito é aquele já consumado segundo a lei vigente ao tempo em que se efetuou; adquiridos são os direitos que o seu titular, ou alguém por ele, pode exercer, bem assim aqueles cujo começo do exercício tenha termo prefixo ou condição pré-estabelecida inalterável pela vontade de outrem; coisa julgada é a decisão judicial contra a qual já não cabe nenhum recurso.

3º. No processo do trabalho, o fiel da balança é a data da sentença. Se a ação tiver sido proposta antes da edição da lei nova e todos os pedidos forem anteriores à sua vigência (11/11/2017), não importa quando a sentença foi prolatada. Todos os atos processuais relevantes já foram praticados pelas partes e resta apenas o ato do juiz (sentenciar).

4º. Na sentença, o juiz não poderá aplicar a lei nova para resolver lide estabilizada antes da sua entrada em vigor. Se o juiz publicar a sentença depois que a Lei 13.467/2017 entrou em vigor e a parte praticar contra ela qualquer ato em que a sua responsabilidade processual seja punível (embargos de declaração protelatórios, recurso ordinário abusivo, agravos desnecessários ou protelatórios etc), o juiz poderá aplicar a lei nova apenas em relação àqueles atos processuais procrastinatórios ou desleais praticados após a sua edição.

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