Retrospectiva 2017

Ano foi de grandes expectativas frustradas para quem vive e respira infraestrutura

Autor

30 de dezembro de 2017, 7h45

O ano de 2017 termina com boas notícias no setor elétrico e, sem praticamente nenhum investimento estatal, os quatro leilões (dois de transmissão e dois de geração) realizados neste ano representam um aporte da ordem de R$ 40 bilhões em dinheiro novo trazido pelo capital privado. Um número do Gesel, o centro de pesquisa sobre energia elétrica da UFRJ, ilustra essa nova realidade: a participação das estatais nos leilões em transmissão caiu de 34% no período 2013-2015 para 1% no biênio 2016-2017.

Poderíamos dizer, parafraseando Galileu: E, no entanto, o setor de infraestrutura se move. A verdade é que o setor elétrico, depois do desastre provocado pela redução atabalhoada das tarifas no governo Dilma, se recupera. Regras clarificadas e números realistas estimulam o investidor a fazer o que dele se espera: assumir riscos precificáveis.

Mas não se iluda sobre o cenário de 2017. O ano foi de grandes expectativas frustradas para quem vive e respira infraestrutura. Gastamos tempo, perdemos passo, fizemos no finzinho as mudanças de regulatório já vastamente discutidas, mas ainda temos muita coisa a fazer para que tenhamos um ambiente regulatório estável que consiga atrair novamente investimentos privados para suprir as necessidades da infraestrutura nacional. Estão parados no Congresso o projeto de reforma das agências reguladoras (dorme há um ano na Câmara), a Lei Geral de Licenciamento Ambiental (um gargalo clássico) e a legislação que facilita as desapropriações.

Mas não sejamos de todo pessimistas: o governo promete destravar R$ 132,7 bilhões em concessões ou privatizações via PPI (Programa de Parcerias de Investimentos), incluindo projetos de aeroportos, 14 arrendamentos portuários, quatro rodovias e três ferrovias. Estão previstas ainda as privatizações de seis distribuidoras de energia da Eletrobrás, da própria holding, da Casa da Moeda e da Lotex.

As concessões têm inerente complexidade e, por natureza, cobram tempo de maturação. As obras demandam anos para se concretizar, exigem capital intensivo e o retorno financeiro só acontece depois de vários anos. Não sem razão, as crises econômica e política afetaram negativamente os planos de concessão federais, estaduais e municipais, em maior ou menor grau. No entanto, para o investidor, a crise econômica pode ser oportunidade: é parte do jogo analisar os riscos e fazer as contas para entender se há viabilidade no negócio. Mas a crise política inibe e desestimula investimentos de longo prazo. Ela gera um cenário de difícil mensuração dos riscos e nenhum investidor está interessado em apostar em grandes negócios num ambiente de instabilidade, de incerteza sobre como a política se desdobrará nos anos seguintes.

Concessões de âmbito federal
Em tese, 2017 deveria ter sido um ano de retomada dos investimentos em infraestrutura. Em março, o governo até anunciou 55 empreendimentos para concessão à iniciativa privada via PPI – R$ 45 bilhões em investimentos –, além de propostas de renovações de atuais concessões, entre elas rodovias, ferrovias, terminais portuários e linhas de transmissão de energia. O ministro da Secretaria-Geral da Presidência, Moreira Franco, falou tudo certinho: “As pessoas físicas e jurídicas precisam saber o que vai acontecer e quando, e, sobretudo, ter garantia de que as regras serão respeitadas no futuro”. Com quase um ano de governo, eis uma demonstração de senso de urgência.

Mas para entender a história, precisamos olhar um pouco antes. Quando o presidente Michel Temer assumiu, em meados de 2016, ele tinha três pilares para o novo governo: a aprovação do teto orçamentário, a reforma da Previdência e a retomada de investimentos em infraestrutura, criando uma base firme para a retomada do crescimento da economia do país em franca recessão.

Com cerca de dois anos e meio de mandato pela frente para retomar a economia, o governo tinha o diagnóstico correto de que o crescimento sustentável viria não via consumo, como fizeram Dilma e Lula, mas pelo investimento em infraestrutura, reduzindo o custo de produzir no país, o chamado “custo Brasil”, e gerando empregos. Para registro, em novembro o governo anunciou o que dá para fazer apenas com recursos públicos, o programa Avançar: R$ 59 bilhões em obras de infraestrutura ainda em 2018, boa parte empreendimentos parados dos PACs de Lula e Dilma. Mais de um terço, cerca de R$ 22,7 bilhões, vão para as obras de rodovias, ferrovias, portos e aeroportos. E, no entanto, o desafio é muito maior.

Só que o governo gastou todo o seu cacife político para aprovar o teto orçamentário e a reforma da Previdência (vejamos em fevereiro de 2018), e a infraestrutura não deslanchou. Houve novas ofertas de concessões, mas de projetos formulados e desenvolvidos no governo anterior. O primeiro leilão de 2017 foi o dos aeroportos de Florianópolis, Salvador e Porto Alegre e Fortaleza, em março. Havia muita dúvida se ele teria sucesso, porque os ganhadores dos leilões anteriores não estavam no páreo por conta da “lava jato”. No entanto, o leilão foi bem-sucedido: os quatro aeroportos foram concedidos com ágio de 23% (estimativa de R$ 3,014 bilhões e arrecadação de R$ 3,72 bilhões).

Os vencedores foram operadores internacionais respeitáveis (a francesa Vinci, a alemã Fraport e a suíça Zurich), o que deu credibilidade ao leilão. Foram vitoriosos em aeroportos de diferentes portes e necessidade de investimentos em relação aos anteriormente privatizados e, consequentemente, com riscos menores. A equação é: riscos compatíveis com o investimento e menor esforço de capital para a operação.

A Ferrogrão, ferrovia ligando o Mato Grosso ao Pará para escoamento de commodities agrícolas, serve de contra-exemplo. É um projeto da gestão anterior que foi aprimorado na atual, mas ficou parado em 2017 por conta da análise prévia do Tribunal de Contas da União, que por fim deu sinal verde à licitação. A Ferrogrão, da qual fizemos a modelagem jurídica, é um projeto de R$ 12 bilhões que deve demandar interessados e players relevantes, nacionais e sobretudo estrangeiros. A audiência pública prevista para outubro não ocorreu devido a um entendimento do Ministério Público Federal de que ela deveria considerar os protestos de comunidades indígenas afetadas pelo empreendimento, as quais alegam não terem sido consultadas sobre a construção. O grande feito que teria sido lançar o leilão da Ferrogrão em outubro foi barrado por liminares e o projeto está agora em fase de audiência.

Na virada de 2016 para 2017, Temer tinha ainda outro desafio: as concessões licitadas no governo anterior e que estavam com problemas, entre elas as rodovias no Centro-Oeste (BR-163, BR-153, BR-060, BR-050) e os aeroportos de Guarulhos e Galeão. O problema era a não execução de obrigações de obras e de investimentos. Isso porque alguns dos acionistas dessas concessões estavam em processo de investigação na Lava-Jato e, por isso, não tiveram crédito no BNDES liberado.

Uma questão reputacional, e não necessariamente jurídica, dos acionistas destas concessões atrapalhou na aprovação e na liberação de crédito, o que interferiu na execução dos contratos de concessão. Desta forma, os investimentos e obrigações financeiras previstas para essas rodovias e aeroportos começaram a atrasar, agravados ainda pelo quadro da recessão econômica no país.

Há outra constatação necessária a fazer: essas concessões foram mal planejadas e já tinham problemas intrínsecos. É importante ter então isso em mente para os projetos futuros: concessões devem ser bem planejadas e bem estruturadas, para que assim atraiam interessados e, obviamente, vinguem.

A forma como ocorreram essas concessões de rodovias e aeroportos foi uma frustração para o cidadão. Para as rodovias, a solução pode ser a MP-800, a MP das Rodovias, que desde setembro tramita no Congresso e repete um artigo derrubado na MP das Concessões, adiando de 5 para 14 anos o prazo de duplicação das rodovias sem reduzir de imediato o pedágio, permitindo que o investidor tome um fôlego na retomada da economia, dada a redução brutal do tráfego de veículos. Ela, no entanto, já sofre forte contestação do MPF. O debate é importante, mas a consequência objetiva é que foram desperdiçados entre dois e três anos devido aos problemas de execução por elas enfrentados.

Rescindir ou ajustar projetos?
Em setembro de 2016, estivemos com diversos representantes do Governo Federal, responsáveis pela área de infraestrutura, e tivemos a oportunidade de defender que, ao relicitar os projetos contratados no governo anterior, jogando fora contratos dotados de validade, eles demorariam de 18 a 24 meses para gerar empregos, considerando os prazos de licitação, de recursos e de obtenção de financiamentos. Seus efeitos benéficos só apareceriam na economia em 2018, tudo dando certo.

No entanto, o estoque de projetos licitados com execução problemática ou paralisados poderia, com alguns ajustes, rapidamente gerar os empregos que a economia demandava. A verdade é que eram projetos mal concebidos, estrutural e economicamente, e feitos a toque de caixa. Foram mal licitados, em ambiente de euforia, na crença de uma economia em ascensão, que renderam ágios altíssimos nos leilões: R$ 17 bilhões para Cumbica e R$ 17 bilhões para o Galeão, por exemplo. Esses projetos do governo Dilma contavam com recursos subsidiados pelo BNDES que asseguravam 70% do capital necessário para os investimentos por meio de empréstimo.

Mas, não obstante todos os problemas, são projetos com uma legalidade que tem de ser preservada. A lei das concessões (Lei 8.987, de 1995) permite reequilíbrios e ajustes em contratos de concessões. Em um contrato de 20 anos, se ele tem um ajuste no início, dentro da legalidade, é possível eliminar esses problemas. Com o reequilíbrio adequado, ninguém perde: nem o Poder público nem o concessionário. Assim, seria possível chamar novos investidores e diluir os investidores com problemas, proporcionando uma injeção rápida de recursos. Novos investidores, no entanto, só entrariam nesses novos contratos se eles fossem reequilibrados. Ninguém entra com dinheiro novo em contrato ruim. Seria possível ganhar, no mínimo, 12 meses sem a necessidade de se licitar novamente.

Naquele momento, havia duas correntes no governo. Uma defendia reequilibrar os contratos existentes com a entrada de capital novo (o que defendemos). Outra corrente acreditava que seria melhor rescindir os contratos e licitar de novo (a chamada “relicitação”).

Direito Administrativo
Em novembro de 2016, chegou a solução encontrada: saiu a MP 752, sobre prorrogação de contratos e relicitação dos projetos de ferrovias, rodovias e aeroportos, depois convertida na Lei 13.448, de junho de 2017.

No caso das relicitações, a determinação é que: os contratos podem ser rescindidos e relicitados; a indenização do antigo concessionário deve ser paga pelo novo concessionário; e não há ônus com a União. O prazo é de 12 meses para redesenhar o projeto (um ano de atraso contratado…). Feita a remodelagem, é preciso ainda licitar o novo projeto, com o risco de não haver interessado. Até este dezembro de 2017, não houve qualquer adesão à hipótese de relicitações.

Para os concessionários com problemas, não faria sentido entrar nessa discussão de rescisão de contrato. O cálculo do valor da indenização será definido por decreto. O concessionário não tinha ideia de como seria indenizado. A questão é complexa: o concessionário tem empréstimo com banco. Rescindindo, quem paga?

Somando um ano sem adesão e um ano para redesenhar projeto, já se vão dois anos de atraso.

Em maio, Temer editou a MP 779, que previu a entrada de capital novo nas concessões, viabilizando a saída da Odebrecht do Galeão e a entrada da chinesa HNA. A outorga era de R$ 900 milhões por ano. A MP permitiu reescalonar os investimentos, oferecendo carência nos primeiros anos de pagamento, reequilibrando o projeto e dando fôlego ao investidor; ou a antecipação desses pagamentos anuais, com desconto, via novo acionista.

Na verdade, não era preciso MP nem para relicitação, nem para prorrogação de prazo, nem para reequilíbrio. A lei de concessões de 1995 já permite tudo isso. Mas o governo federal, com reduzida sustentação política, para aprovar seja a relicitação ou o reequilíbrio, teve que renovar a legislação por meio de MPs. Ele repetiu e detalhou nos novos instrumentos legais o que já havia na lei de duas décadas atrás.

Cenário para 2018
O governo Temer tem um ano de mandato pela frente, bons projetos para serem leiloados, mas o próximo ano é de eleição. Bons projetos de concessão de infraestrutura necessitam de tempo de planejamento e estruturação. É improvável pôr em leilão um projeto bem estruturado em menos de 12 meses. O ideal seria que os candidatos a cargos majoritários apresentassem, a partir de suas plataformas políticas, quais serão seus projetos de infraestrutura, para que assim o mercado começasse a se preparar, para que desta forma no primeiro ano de novo mandato já houvesse projetos estruturados.

BNDES
Outro fator importante para entender o cenário atual de concessões de infraestrutura remete ao passado próximo. Nos governos Lula e Dilma, os investidores podiam contar com o BNDES, que financiava 70% da necessidade de capital para investimento, com uma TJLP subsidiada e juros bem menores que o praticado pelos bancos comerciais. Só que essa prática se esgotou com a crise econômica com conjuntura de recessão e o próprio limite orçamentário da União (que dava lastro ao BNDES).

A concepção do governo Dilma foi de que as concessões poderiam ser entregues à iniciativa privada, mas sempre com um limite de rentabilidade e com um foco excessivo em tarifas baixas. No fim, era uma tentativa de limitar a lucratividade do investidor. Foram então criados projetos em que as exigências e as estimativas eram exageradas. Eles até funcionaram em um Brasil “grande”, mas fracassaram no Brasil da recessão.

Para o público, a defesa política das concessões, um tema desconfortável para parte da base de apoio petista, era de que os projetos dariam retorno de 8% ao investidor, e sempre se poderia dizer que o governo estava apertando o capital. A verdade é que o investidor recebia um empréstimo subsidiado da União (meu, seu e de todo o povo brasileiro), que dava lastro ao BNDES para o financiamento das concessões.

Quando a crise fiscal destruiu o sonho do dinheiro barato bancado pelo contribuinte e o governo mudou, apareceu a conta que se está discutindo até hoje: que o BNDES deve devolver R$ 180 bilhões ao Tesouro Nacional, referentes a empréstimos, conforme já determinou o TCU.

Projetos mal estruturados
Ao investir em infraestrutura, a iniciativa privada leva em conta: receitas, custos, investimento, financiamento e lucro. Se todos esses itens são contemplados, há interesse da iniciativa privada. Quando há muito otimismo em relação à receita, mas ela não se enquadra na projeção, todos os demais itens vão sendo espremidos, no limite inviabilizando o contrato.

Nas rodovias, a superestimativa de receitas e o excesso de investimentos exigido, o tráfego abaixo do estimado e a falta de crédito no BNDES por conta de problemas reputacionais dos grupos envolvidos com corrupção formaram um conjunto perfeito que inviabilizou a continuidade dos investimentos. Foi o que ocorreu com os projetos mal estruturados herdados por Temer de Dilma.

Risco cambial
Outro quesito relevante para traçar esse panorama envolve câmbio. Em 2016 e 2017, com a diminuição da importância do BNDES a praticamente zero no financiamento de investimentos em infraestrutura, as fontes de financiamento passaram a ser o mercado externo (moeda estrangeira, dólar ou euro), o que trouxe a discussão sobre risco cambial, e o mercado interno (busca por linhas de crédito atrativas).

Em São Paulo, a licitação das linhas 5 e 17 do Metrô tem uma cláusula que dá tratamento, um respiro para o concessionário, em situação de variação cambial relevante. Não é a solução perfeita, mas foi uma primeira sinalização do poder concedente dizendo que está atento a essa preocupação relativa ao cambial dos concessionários.

A questão cambial é uma discussão importante que deve ser levada em conta nos projetos futuros. Os investidores estrangeiros estão muito atentos ao risco cambial e a equipe econômica do governo federal sabe disso. Em outubro de 2016, Moreira Franco afirmou que o mercado que deveria trazer soluções para essa questão. Segundo ele, o governo não indexaria tarifas (como elétrica, pedágio e aeroportuária) em dólar, porque isso teria um efeito perverso na inflação.

Já com a queda da Selic à faixa dos 7%, surgiu a possibilidade de buscar financiamento de longo prazo em moeda nacional, a taxas competitivas e adequadas aos projetos de infraestrutura. No entanto, o próprio mercado financeiro deve se preparar para analisar e conceder esse tipo de crédito. Com a presença monopolista do BNDES nos últimos 15 anos, esse mercado financeiro ficou atrofiado. Agora, com a redução da importância do BNDES, o mercado de crédito comercial ou mesmo o mercado de capitais podem ser caminhos. Em 2018, deve ocorrer então a distrofia desses mercados.

Tecnologia
Para 2018 e os próximos anos, todos os envolvidos em questões relacionadas a infraestrutura devem também estar muito atentos às questões tecnológicas. A quarta revolução industrial já começou e vai começar a afetar ainda mais os projetos de infraestrutura.

O avanço tecnológico vai afetar muito, por exemplo, os sistemas de serviços púbicos e de saúde pública. Como exemplo, a inteligência artificial já é uma realidade no setor de diagnósticos médicos por imagem, proporcionando diagnósticos mais apurados que os dos próprios médicos.

Outro exemplo do impacto das tecnologias nos serviços públicos que podemos citar, e estar atentos, é o potencial dos projetos smart cities, que abrangem serviços públicos como mobilidade e transportes públicos coletivos, iluminação pública, sinalização semafórica, além de relevante impacto em segurança pública.

Autores

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!